O NOVO TESTAMENTO
Como disse Steven Weinberg, físico norte-americano galardoado com o prémio Nobel:
“A religião é um insulto à dignidade humana. Com ou sem ela, haveria sempre gente boa a fazer o bem e gente má a fazer o mal”.
Blaise Pascal, francês, filósofo, físico e matemático nascido em 1623 afirmou algo de parecido:
“Os homens nunca fazem o mal tão completa e alegremente como quando o fazem por convicção religiosa”.
O que nos ficou no pensamento a partir da leitura de certas passagens significativas do Antigo Testamento foi:
- Um Deus que há 3.500 anos, no seio do povo judaico, se lhes impôs como seu único Deus, lutando com todos os restantes deuses seus rivais de forma feroz e cruel;
- Que os dois seus principais discípulos na terra, Abraão e Moisés, foram homens que à luz da moral dos dias de hoje tiveram comportamentos altamente reprováveis:
- Abraão, como um vulgar proxeneta, viveu à custa da sua linda mulher, Sara, cedendo-a, primeiro, ao Faraó do Egipto convencendo-o que ela era sua irmã e tirando largamente proveito material dessa situação e quando, uma vez descoberto, foi expulso voltou a fazer precisamente o mesmo com Amibalec, rei de Guerar e tudo isto com a cobertura e conivência do seu Deus;
- Moisés, o homem das Tábuas, que como um vulgar “homem forte” de um qualquer tirano executou implacavelmente todas as ordens do patrão, seu Deus, por mais cruéis que elas fossem para, dessa maneira, obter a obediência do povo de Israel;
-E, finalmente, uma sociedade profundamente religiosa, sedenta de um culto, machista e também ela cruel à imagem do seu Deus, com estranhos hábitos sexuais que preferia “conhecer” os homens às mulheres.
Em resumo, a moral que ressalta das Escrituras do Antigo Testamento não serve para nós nem para a maioria das pessoas religiosas porque, se assim fosse:
- Guardaríamos religiosamente o Sábado ou o Domingo, no caso dos católicos, e acharíamos justo e adequado executar quem quer que optasse por não o fazer;
- Apedrejaríamos até à morte toda a noiva que não conseguisse provar a sua virgindade se o marido se afirmasse insatisfeito com ela.
- Executaríamos as crianças desobedientes e…por aí fora.
Será também assim com o Novo Testamento?
Qual a opinião de Richard Dawkins?
Do ponto de vista moral, Jesus representa uma enorme melhoria relativamente ao ogre cruel do Antigo Testamento.
De facto, a ter existido, Jesus (ou quem quer que lhe tenha escrito o Gião, caso não tenha sido ele) foi certamente um dos maiores inovadores da ética que a história conheceu.
O Sermão da Montanha é muito avançado para o seu tempo.
O seu «dar a outra face» adiantou-se a Gandhi e a Martin Luter King em 2.000 anos mas a superioridade moral de Jesus confirma precisamente que a ética das Escrituras com que fora educado não o satisfazia.
Afastou-se explicitamente delas, por exemplo, quando desvalorizou os avisos severos quanto a desrespeitar o sabat.
«O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado» é uma sábia generalização e comprova a tese de que não devemos retirar a nossa moral das Escrituras.
Mas no que diz respeito aos valores da família já não tinha muito que o recomendasse. Tinha com a mãe modos ríspidos a roçar a brusquidão e incentivou os discípulos a abandonarem as suas famílias para o seguirem.
«Se alguém vem ter comigo e não aborrece o seu pai, mãe, esposa, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser meu discípulo».
A este propósito a comediante norte-americana Júlia Sweeney exprimiu assim o seu espanto no espectáculo Letting Go of God:
«Não é isso que se fazem os cultos? Obrigam-nos a rejeitar a família para serem eles a inculcarem-nos o que querem»
Há por vezes a ideia de que o Cristianismo é uma religião mais simpática do que o Islamismo, e o Budismo é, frequentemente, considerado a mais simpática de todas, no entanto, a doutrina da despromoção na escada da reencarnação por causa dos pecados cometidos numa vida anterior, é bastante injusto e condenável.
Diz Júlia Sweeney: «Fui à Tailândia e aconteceu que visitei uma mulher que tomava conta de um rapaz horrivelmente deformado. Disse à mulher: “É tão bom da sua parte cuidar desse pobre rapaz” ao que ela respondeu: “ Não diga «pobre rapaz» que ele deve ter feito qualquer coisa de muito terrível numa vida passada para ter nascido assim…”
Mas, regressando ao Cristianismo e salvaguardando que os seus ensinamentos éticos eram, quando comparados com essa calamidade ética que é o Antigo Testamento, admiráveis, outros existem que nenhuma pessoa de boa fé pode defender.
Referimo-nos à doutrina central do Cristianismo que é a da «expiação» pelo «pecado original».
Este ensinamento que está no cerne de toda a teologia do Novo Testamento é tão estranho e esquisito como a história de Abraão a preparar-se para transformar Isaac em churrasco.
De resto o próprio «pecado original» provem directamente do Antigo Testamento, do mito de Adão e Eva.
O pecado destes – comer o fruto de uma árvore proibida – parece pouco para sequer merecer uma reprimenda, no entanto, a natureza simbólica do fruto (o conhecimento do Bem e do Mal que na prática, seria afinal, o conhecimento de que estavam nus) foi suficiente para transformar a sua aventura na mãe e no pai de todos os pecados.
Eles e todos os seus descendentes foram expulsos para sempre do Jardim do Paraíso, privados do dom da vida eterna e condenados a gerações de trabalho árduo, respectivamente no campo e no parto.
Até aqui, só vinganças mas, tratando-se do Antigo Testamento, não há que estranhar… contudo, a Teologia do Novo Testamento acrescenta-lhe uma nova injustiça rematada por um elemento sadomasoquista que ultrapassa o do Antigo Testamento.
É espantoso que uma religião adopte um instrumento de tortura e de execução como o seu símbolo sagrado.
O Comediante e Pensador norte americano Lenny Bruce observou sarcástica mas correctamente que «se Jesus tivesse sido morto há 20 anos, as crianças das escolas católicas talvez usassem, em vez de cruzes, cadeirinhas eléctricas ao pescoço».
Mas a Teologia e a teoria do castigo subjacentes são ainda piores:
- Diz-se, então, que o pecado de Adão e Eva terá passado através da descendência masculina – transmitida pelo sémen, segundo Santo Agostinho.
Mas que espécie de filosofia ética é esta que condena todas as crianças, mesmo antes de nascerem, a herdar um pecado de um seu antepassado remoto?
O pecado é uma obsessão permanente e doentia dos primeiros teólogos, o pecado que era «ancestral» e que Santo Agostinho transformou em «original», mas sempre o pecado, o pecado, o pecado…
Mas que sarna de preocupação que acaba por dominar completamente as nossas vidas!
Na sua Letter to a Christian Nation, Sam Harris é de uma mordacidade magnífica quando diz:
«A vossa principal preocupação parece ser que o Criador do universo se ofenda com alguma coisa que as pessoas façam quando estão nuas. Esse vosso puritanismo contribui diariamente para o aumento da miséria humana.»
Deus encarnou num homem, Jesus, para que ele fosse torturado e executado para expiação do pecado hereditário de Adão e desde que São Paulo expôs esta repugnante doutrina, Jesus tem sido adorado como redentor de todos os nossos pecados.
A expiação, como doutrina central do Cristianismo, é cruel, sadomasoquista e repugnante.
Se Deus queria perdoar os nossos pecados, porque não perdoá-los simplesmente, sem se dar a torturar e a executar como moeda de troca?
O estudioso judeu Geza Vermes explica que São Paulo estava imbuído do velho princípio teológico segundo o qual sem sangue não há expiação.
Richard Dawkins chama a atenção para um aspecto importante e particularmente inaceitável:
- A consideração moral devida aos outros e promovida tanto pelo Antigo como pelo Novo Testamento visava, originariamente, uma comunidade muito restrita, a comunidade judaica e quando se dizia «amar o próximo» significava apenas «amar outro judeu».
Isto teve terríveis implicações porque «amar outro judeu» implicava o reverso da medalha ou seja, «a hostilidade para com aqueles que não pertencem ao grupo, que o mesmo é dizer a todos os que não são judeus».
Este aspecto está claramente demonstrado pelo norte-americano John Hartung, médico e antropólogo num ensaio notável sobre a evolução e a história bíblica da moralidade intra grupo.
Nesse ensaio, Hartung, demonstra claramente que a frase «Não matarás» nunca pretendeu dizer aquilo que hoje pensamos mas, tão-somente, «não matarás outros judeus».
Moisés Maiomónides, respeitadíssimo rabino médico do séc. XII, explica na seguinte fórmula o significado da frase «não matarás»:
“Se alguém mata um israelita que seja, infringe um mandamento negativo, porque as escrituras dizem «não matarás».
Aquele que matar premeditadamente na presença de testemunhas, há-de morrer pela espada. Escusado será dizer que não se é condenado à morte por matar um pagão.”
Dawkins teve o cuidado de reconhecer que o pensamento de hoje das pessoas religiosas já não é este o que demonstra que a nossa moral, quer sejamos religiosos ou não, tem outra origem, e essa outra origem, qualquer que ela seja, está disponível para todos nós, independentemente da religião ou da sua ausência.
Como disse Steven Weinberg, físico norte-americano galardoado com o prémio Nobel:
“A religião é um insulto à dignidade humana. Com ou sem ela, haveria sempre gente boa a fazer o bem e gente má a fazer o mal”.
Blaise Pascal, francês, filósofo, físico e matemático nascido em 1623 afirmou algo de parecido:
“Os homens nunca fazem o mal tão completa e alegremente como quando o fazem por convicção religiosa”.
O que nos ficou no pensamento a partir da leitura de certas passagens significativas do Antigo Testamento foi:
- Um Deus que há 3.500 anos, no seio do povo judaico, se lhes impôs como seu único Deus, lutando com todos os restantes deuses seus rivais de forma feroz e cruel;
- Que os dois seus principais discípulos na terra, Abraão e Moisés, foram homens que à luz da moral dos dias de hoje tiveram comportamentos altamente reprováveis:
- Abraão, como um vulgar proxeneta, viveu à custa da sua linda mulher, Sara, cedendo-a, primeiro, ao Faraó do Egipto convencendo-o que ela era sua irmã e tirando largamente proveito material dessa situação e quando, uma vez descoberto, foi expulso voltou a fazer precisamente o mesmo com Amibalec, rei de Guerar e tudo isto com a cobertura e conivência do seu Deus;
- Moisés, o homem das Tábuas, que como um vulgar “homem forte” de um qualquer tirano executou implacavelmente todas as ordens do patrão, seu Deus, por mais cruéis que elas fossem para, dessa maneira, obter a obediência do povo de Israel;
-E, finalmente, uma sociedade profundamente religiosa, sedenta de um culto, machista e também ela cruel à imagem do seu Deus, com estranhos hábitos sexuais que preferia “conhecer” os homens às mulheres.
Em resumo, a moral que ressalta das Escrituras do Antigo Testamento não serve para nós nem para a maioria das pessoas religiosas porque, se assim fosse:
- Guardaríamos religiosamente o Sábado ou o Domingo, no caso dos católicos, e acharíamos justo e adequado executar quem quer que optasse por não o fazer;
- Apedrejaríamos até à morte toda a noiva que não conseguisse provar a sua virgindade se o marido se afirmasse insatisfeito com ela.
- Executaríamos as crianças desobedientes e…por aí fora.
Será também assim com o Novo Testamento?
Qual a opinião de Richard Dawkins?
Do ponto de vista moral, Jesus representa uma enorme melhoria relativamente ao ogre cruel do Antigo Testamento.
De facto, a ter existido, Jesus (ou quem quer que lhe tenha escrito o Gião, caso não tenha sido ele) foi certamente um dos maiores inovadores da ética que a história conheceu.
O Sermão da Montanha é muito avançado para o seu tempo.
O seu «dar a outra face» adiantou-se a Gandhi e a Martin Luter King em 2.000 anos mas a superioridade moral de Jesus confirma precisamente que a ética das Escrituras com que fora educado não o satisfazia.
Afastou-se explicitamente delas, por exemplo, quando desvalorizou os avisos severos quanto a desrespeitar o sabat.
«O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado» é uma sábia generalização e comprova a tese de que não devemos retirar a nossa moral das Escrituras.
Mas no que diz respeito aos valores da família já não tinha muito que o recomendasse. Tinha com a mãe modos ríspidos a roçar a brusquidão e incentivou os discípulos a abandonarem as suas famílias para o seguirem.
«Se alguém vem ter comigo e não aborrece o seu pai, mãe, esposa, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser meu discípulo».
A este propósito a comediante norte-americana Júlia Sweeney exprimiu assim o seu espanto no espectáculo Letting Go of God:
«Não é isso que se fazem os cultos? Obrigam-nos a rejeitar a família para serem eles a inculcarem-nos o que querem»
Há por vezes a ideia de que o Cristianismo é uma religião mais simpática do que o Islamismo, e o Budismo é, frequentemente, considerado a mais simpática de todas, no entanto, a doutrina da despromoção na escada da reencarnação por causa dos pecados cometidos numa vida anterior, é bastante injusto e condenável.
Diz Júlia Sweeney: «Fui à Tailândia e aconteceu que visitei uma mulher que tomava conta de um rapaz horrivelmente deformado. Disse à mulher: “É tão bom da sua parte cuidar desse pobre rapaz” ao que ela respondeu: “ Não diga «pobre rapaz» que ele deve ter feito qualquer coisa de muito terrível numa vida passada para ter nascido assim…”
Mas, regressando ao Cristianismo e salvaguardando que os seus ensinamentos éticos eram, quando comparados com essa calamidade ética que é o Antigo Testamento, admiráveis, outros existem que nenhuma pessoa de boa fé pode defender.
Referimo-nos à doutrina central do Cristianismo que é a da «expiação» pelo «pecado original».
Este ensinamento que está no cerne de toda a teologia do Novo Testamento é tão estranho e esquisito como a história de Abraão a preparar-se para transformar Isaac em churrasco.
De resto o próprio «pecado original» provem directamente do Antigo Testamento, do mito de Adão e Eva.
O pecado destes – comer o fruto de uma árvore proibida – parece pouco para sequer merecer uma reprimenda, no entanto, a natureza simbólica do fruto (o conhecimento do Bem e do Mal que na prática, seria afinal, o conhecimento de que estavam nus) foi suficiente para transformar a sua aventura na mãe e no pai de todos os pecados.
Eles e todos os seus descendentes foram expulsos para sempre do Jardim do Paraíso, privados do dom da vida eterna e condenados a gerações de trabalho árduo, respectivamente no campo e no parto.
Até aqui, só vinganças mas, tratando-se do Antigo Testamento, não há que estranhar… contudo, a Teologia do Novo Testamento acrescenta-lhe uma nova injustiça rematada por um elemento sadomasoquista que ultrapassa o do Antigo Testamento.
É espantoso que uma religião adopte um instrumento de tortura e de execução como o seu símbolo sagrado.
O Comediante e Pensador norte americano Lenny Bruce observou sarcástica mas correctamente que «se Jesus tivesse sido morto há 20 anos, as crianças das escolas católicas talvez usassem, em vez de cruzes, cadeirinhas eléctricas ao pescoço».
Mas a Teologia e a teoria do castigo subjacentes são ainda piores:
- Diz-se, então, que o pecado de Adão e Eva terá passado através da descendência masculina – transmitida pelo sémen, segundo Santo Agostinho.
Mas que espécie de filosofia ética é esta que condena todas as crianças, mesmo antes de nascerem, a herdar um pecado de um seu antepassado remoto?
O pecado é uma obsessão permanente e doentia dos primeiros teólogos, o pecado que era «ancestral» e que Santo Agostinho transformou em «original», mas sempre o pecado, o pecado, o pecado…
Mas que sarna de preocupação que acaba por dominar completamente as nossas vidas!
Na sua Letter to a Christian Nation, Sam Harris é de uma mordacidade magnífica quando diz:
«A vossa principal preocupação parece ser que o Criador do universo se ofenda com alguma coisa que as pessoas façam quando estão nuas. Esse vosso puritanismo contribui diariamente para o aumento da miséria humana.»
Deus encarnou num homem, Jesus, para que ele fosse torturado e executado para expiação do pecado hereditário de Adão e desde que São Paulo expôs esta repugnante doutrina, Jesus tem sido adorado como redentor de todos os nossos pecados.
A expiação, como doutrina central do Cristianismo, é cruel, sadomasoquista e repugnante.
Se Deus queria perdoar os nossos pecados, porque não perdoá-los simplesmente, sem se dar a torturar e a executar como moeda de troca?
O estudioso judeu Geza Vermes explica que São Paulo estava imbuído do velho princípio teológico segundo o qual sem sangue não há expiação.
Richard Dawkins chama a atenção para um aspecto importante e particularmente inaceitável:
- A consideração moral devida aos outros e promovida tanto pelo Antigo como pelo Novo Testamento visava, originariamente, uma comunidade muito restrita, a comunidade judaica e quando se dizia «amar o próximo» significava apenas «amar outro judeu».
Isto teve terríveis implicações porque «amar outro judeu» implicava o reverso da medalha ou seja, «a hostilidade para com aqueles que não pertencem ao grupo, que o mesmo é dizer a todos os que não são judeus».
Este aspecto está claramente demonstrado pelo norte-americano John Hartung, médico e antropólogo num ensaio notável sobre a evolução e a história bíblica da moralidade intra grupo.
Nesse ensaio, Hartung, demonstra claramente que a frase «Não matarás» nunca pretendeu dizer aquilo que hoje pensamos mas, tão-somente, «não matarás outros judeus».
Moisés Maiomónides, respeitadíssimo rabino médico do séc. XII, explica na seguinte fórmula o significado da frase «não matarás»:
“Se alguém mata um israelita que seja, infringe um mandamento negativo, porque as escrituras dizem «não matarás».
Aquele que matar premeditadamente na presença de testemunhas, há-de morrer pela espada. Escusado será dizer que não se é condenado à morte por matar um pagão.”
Dawkins teve o cuidado de reconhecer que o pensamento de hoje das pessoas religiosas já não é este o que demonstra que a nossa moral, quer sejamos religiosos ou não, tem outra origem, e essa outra origem, qualquer que ela seja, está disponível para todos nós, independentemente da religião ou da sua ausência.
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