segunda-feira, novembro 10, 2008


O Desígnio Inteligente






Esta ideia de que os seres vivos não eram imutáveis já tinha ocorrido aos gregos quando optaram, na época de Péricles, pelo racionalismo.

Os antigos eram sábios e não só os gregos, os persas, hindus, incas, árabes, chineses, independentemente de muitos pensamentos equivocados, criaram tecnologia, literatura, filosofia, estudaram o cosmos e entenderam-no, no entanto, graças aos movimentos políticos que ganharam força com o misticismo das religiões retrocedemos milénios durante a Idade Média e a histérica Inquisição.

A Bíblia, produto da literatura que dura há mais séculos, talvez o maior expoente cultural de todos os tempos é, ao mesmo tempo, a maior falácia a que a humanidade foi submetida.

Todos sabem o que é mas poucos, (Richard Dawkins, Sam Morris, Cristopher Hithens, citados neste blog, para além de outros, naturalmente,) questionam quem a escreveu, de onde veio ou quando. Muitos, simplesmente, acreditam que tenha sido o próprio Deus que, literalmente, tenha escrito as suas linhas.

Poucos entendem que milhares de anos antes de Cristo, como hoje, os povos tinham as suas lendas, mitos e contos populares e com o comércio que se estabeleceu e incrementou entre fenícios, babilónios, egípcios e outros, as pessoas puseram-se em contacto umas com as outras e as suas culturas e crenças, muito naturalmente, misturaram-se.

Contos foram passados de boca a boca durante centenas de anos. Qualquer um que frequentou uma escola lembra-se de ter brincado ao telefone sem fio: um professor diz em tom baixo uma frase ao ouvido do aluno e ele passa-a ao colega do lado até ao último aluno da última fila e quando este a diz em voz alta a frase mudou radicalmente.

Diz o ditado popular que “quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto”, pois bem, juntemos-lhe agora milhares de pessoas, milhares de anos e centenas de contos.

Foi o que aconteceu com os contos da Bíblia. Antes dos hebreus chegarem era já uma miscelânea de contos até os primeiros manuscritos terem gerado o Torá que é o nosso actual Antigo Testamento.

A partir daí, como não havia impressoras as cópias eram feitas manualmente à mercê da interpretação dos copistas e mais tarde, quando foram traduzidas do hebreu para o grego e deste para o romano mais foram ainda as mudanças de interpretação, como aquela má tradução que “transformou”uma palavra que numa língua significava “jovem” para uma outra palavra, “virgem”, neste caso, a virgem Maria.

Depois dos eventos de Jesus, da suposta crucificação, da suposta ressurreição e de outros delírios, quando a Igreja se tornou forte com a conversão do Imperador Constantino ao Catolicismo, no séc. IV, a história do Catolicismo ficou intimamente ligada à de Roma e o poder escolheu a dedo os textos que se tornaram “cânones” e os que passaram a “apócrifos”.

Dessa escolha burocrática e política, surgiu a actual compilação da Bíblia com os quatro conhecidos evangelhos, mesmos estes sem uma autoria única, antes um conjunto de textos diversos compilados, como já foi provado.

Recentemente, foram encontrados os Manuscritos do Mar Morto, os Evangelhos Apócrifos de Nag Hammadi, representando uma parcela grande de textos que não encontraram espaço na Bíblia politicamente costurada pela Igreja da época.

Mas na actualidade ainda fizemos mais mudanças quando, no Iluminismo, Martinho Lutero pegou em versões ainda mais antigas em hebreu ou em grego e as traduziu para o francês dando lugar à vertente do Protestantismo com uma Bíblia diferente da dos Católicos.

Felizmente, a Idade Média acabou e com o Renascentismo retomou-se o pensamento que tinha parado no tempo dos gregos de Alexandria e uma nova geração de artistas e intelectuais voltou às raízes e ao questionamento saudável das questões que resultaram nas tecnologias e no desenvolvimento de hoje e do futuro.

Mesmo assim, uma parcela significativa da população parece preferir a Idade Média, a Idade das Trevas, e Charles Darwin sentiu-o na pele.

Em 1860, ficou célebre o diálogo que teve lugar em Oxford:

- Perante enorme assistência o Bispo de Oxford, Samuel Wilberforce, perguntou ao naturalista Thomas Huxley, defensor da Teoria Evolucionista de Darwin, se descendia do macaco pelo lado do avô ou da avó.

Ao que Huxley respondeu:

- “Penso que um homem não tem que envergonhar-se por ter um macaco como avô. Se tivesse de me envergonhar de um antepassado seria de um homem; um homem de inteligência superficial e versátil que, em vez de contentar-se com os sucessos na sua esfera própria de actividade, vem imiscuir-se em questões científicas que lhe são completamente estranhas, não fazendo senão obscurecê-las com uma retórica vazia que distrai a atenção dos ouvintes do verdadeiro ponto da discussão através de alegações eloquentes e hábeis apelos aos preconceitos religiosos.”

Parece que, com esta resposta, a uma senhora terá dado um “chilique”, desmaiando e a mulher do Bispo terá dito entre dentes:

- “Só faltava esta, descender de macacos! Se for verdade, rezemos para que ninguém saiba.”

De então para cá percorreu-se um certo caminho e a Igreja, estrategicamente, tem sido obrigada a recuar para não cair no descrédito dos crentes e, por isso, já em 1874 a figura mais importante da Igreja escocesa, aconselhou os teólogos a sentirem-se à vontade com Darwin que dois anos antes tinha sido sepultado com pompa e circunstância na Abadia deWestminster e o reverendo Malcom Brawn, Director dos Serviços de Relações Públicas da Igreja Anglicana, defendeu que a sua Igreja deveria agora pedir desculpa pela má interpretação de Darwin e algum fervor anti evolucionista.

Situação idêntica passou-se com Igreja Católica e Galileu que foi um dos cientistas mais versáteis da história nos séc. XVI e XVII, responsável por uma série de instrumentos de precisão, nomeadamente telescópios muito mais sensíveis, e por ter criado os princípios da inércia influenciando, mais tarde, o trabalho de Isaac Newton.

No entanto, a sua imagem, ficaria para sempre ligada à contenda com a Igreja Católica por defender que a Terra não era o centro do Universo como pregava a Santa Sé tendo, por causa desta desavença, sido condenado a prisão domiciliar para o resto da vida e escapado à execução porque no julgamento abriu mão do seu modelo Heliocêntrico segundo o qual o Sol era o centro do sistema solar.

Hoje, as posições beligerantes vêem do criacionismo americano, do qual a Srª Pallin é uma destacada representante, e do “desígnio inteligente”.

Há quem pense que a vida é uma coisa tão complexa que só pode ter nascido por um “desígnio inteligente” que é uma espécie de sinónimo de Deus.

Isto nasceu já há muitos anos mas ganhou força nos EUA (onde havia de ser?) junto das camadas mais conservadoras e pretendeu-se que esta teoria da criação divina ou “desígnio inteligente” fosse ensinada nas escolas, não como uma disciplina de religião, mas em vez das teorias científicas.

A lei não terá passado o que levou o Los Angeles Times a falar numa “decisão inteligente”, mas os criacionistas florescem na América conservadora da Srª Pallin ganhando terreno e o exemplo vem do Estado do Kansas:

- Como o Supremo Tribunal decidira que o criacionismo não podia entrar nos currículos académicos como ciência, em 1999, um Conselho de Educação conservador elaborou uma nova estratégia:

. Já que o criacionismo não conseguia bases científicas para se afirmar como matéria curricular surgiram com a “Teoria do Desígnio Inteligente”que se resume a isto:

- O mundo natural é tão complexo e bem ordenado que tem que existir uma causa inteligente para isto aconteça.

Desta vez, a Igreja de Roma interveio e, finalmente, o Jornal do Vaticano, em 20 de Janeiro de 2006,(?) escreve que o “desígnio inteligente” é uma ideologia e não uma ciência e não deve ser ensinado como teoria científica ao lado da teoria evolucionista de Darwin.

Quem leu com alguma atenção as explicações dadas por Richard Dawkins, sobre a origem da vida, e que neste blog procurei resumir em textos anteriores, recorda-se que os genes ao fazerem cópias de si próprios, no momento da divisão celular, cometem erros, causados por motivos diferentes, os tais erros de cópia, também designados por mutações.

Estes erros são aleatórios e muitos deles conduzem a “becos sem saída” em termos evolutivos mas são considerados o mecanismo que permite a selecção natural porque insere a variação genética sobre a qual ela irá agir, fornecendo as novas características vantajosas que sobrevivem nas gerações seguintes e as outras, que não sendo favoráveis desaparecem com os indivíduos mais fracos na eterna luta pela sobrevivência.
Foi assim, desde que há vida na Terra, hà 3 ou 4 mil milhões de anos, e daí a bio diversidade a que assistimos.

Não há aqui nenhum “desígnio inteligente” mas apenas um processo evolutivo que decorre de acordo com regras que são conhecidas, estão estudadas e podem ser observadas na natureza, tal como fez Charles Darwin na ilha de Galápagos.

Se alguém quiser ver no “motor” desta força que gera a evolução e a vida, motivo para uma fé religiosa, na sequência da tal necessidade que o homem tem de acreditar e que, na sua génese, foi explicada de forma convincente por R. Dawkins, não me parece que daí venha muito mal ao mundo… se ela se ficar por aí.

Lembremos o que dizia o antropólogo Lionel Tiger sobre a “irracionalidade construtiva” que reproduzi no meu último texto:

- “Os humanos têm uma tendência consciente para verem aquilo que querem ver e, literalmente, dificuldades em ver coisas que tenham conotações negativas, ao passo que vêm com muita facilidade as positivas.”

Tomar os desejos pela realidade favorece as crenças religiosas e se os crentes querem ver a presença de Deus no poder criativo do processo evolutivo explicado por Darwin, estarão apenas a obedecer a uma tendência que, de acordo com a ciência, se radicou no nosso próprio cérebro.

O cérebro humano é a maior conquista da nossa evolução mas não deixa de ser, por isso, frágil, sensível a qualquer tipo de ideia.

Nós imaginamos mundos como se eles existissem, imaginamos acontecimentos como se eles fossem verdadeiros e o cérebro não é muito disciplinado a questionar novas ideias aceitando-as com muita facilidade.

Graças a este defeito genético que estará por corrigir ficamos à mercê dos sacerdotes, dos políticos corruptos e de toda a espécie de burlões…o processo evolutivo nunca estará terminado enquanto houver condições de vida na Terra…e por isso, esperemos que algumas coisas ainda se aperfeiçoem dentro do nosso cérebro.

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