terça-feira, janeiro 27, 2009


Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº32


Cheia, a Agência dos Correios e Telégrafos: o comandante Dário e dona Laura, Barbosinha de barba feita, homenagem à antiga namorada, Ascânio Trindade, – representando a Prefeitura – doutor Mauritônio cada vez pior, vendo mulheres nuas – e Elisa num negro, vaporoso e esvoaçante vestido de gaze, dos enviados por Antonieta nos pacotes de roupa usada. Exibira antes audacioso decote: agora composto, fechado no pescoço, exigência de Perpétua, fiscal de trajes e modos para o desembarque.

- Pelo menos tape os peitos. Isso é vestido mais para baile do que para luto, mas sendo o único preto que você tem, vá lá, desde que o arrume. Ela vai chegar de luto fechado, a gente tem de estar de acordo. Imagine que o velho queria que se fizesse uma festa, convidasse meio mundo. Ela chega chorando a morte do marido e em vez de luto encontra festa, já pensou?

Para que as flores não murchem, dona Carmosina colocou o buquê dentro de um copo de água. Sob a influência da dialética de Perpétua, discutira com a mãe, talvez flores não caíssem bem por ocasião da chegada da viúva aflita, em nojo recente. Dona Milú não quis conversa: entregue as flores a ela e diga que fui eu quem mandou. Se a gente manda flores até para defunto, por que viúva não há-de ter direito? Ora essa…

- Meu Deus, não chega nunca! – Elisa, por mais que se esforce para manter-se compungida, não consegue conter a agitação, misto de alegria e medo.

Alegria sem medida de conhecer a irmã, a fada, a rica, a elegante, a grã-fina, a paulista, a protetora. Receio por causa da louca mentira, da omissão da morte de Toninho com o fim de embolsar a ajuda mensal. Dona Carmosina fizera o possível para acalmá-la.

- Quando ela perguntar por Toninho, o que é que eu vou dizer?

- Diga a verdade. Diga que eu lhe aconselhei a não contar e deixe o resto por minha conta.

- Será que ela me perdoa?

- Conheço Tieta, não vai fazer caso. Pode deixar comigo.

Persiste outra nuvem a turvar a sua alegria; a vinda da enteada, quase filha, dona de um lugar no coração de Tieta que Elisa deseja todo para si.

Na entrada do cinema, o árabe Chalita palita os dentes, perdido em recordações: Tieta era ainda mais bonita que a irmã, a mulher de Astério. Bonita e atirada, um fogo a lhe comer as carnes. Na porta lateral, a sorveteria: um pequeno balcão, uma pequena gaveta e a catimplora que o moleque Sabino maneja, enchendo-a diariamente de sorvete de fruta para ganhar uns níqueis, pagos pelo árabe. Também Sabino se botou de calça e camisa limpas, sapatos e meias. Por seu gosto teria posto fumo no braço, considerava-se da família; pau mandado de Astério, caixeiro, moço de recados, tirador de cocos. Só não usou braçadeira negra com medo de dona Perpétua, uma peste. Sentado no passeio Bafo de Bode curte a cachaça em silêncio. Curioso de ver a estampa dessa falada filha de Zé Esteves, que ele não conhece; quando chegou a Agreste, havia vinte e cinco anos, à procura de remédio e de aguardente, ela já partira, coube-lhe recolher esmaecidos ecos da surra nos últimos comentários gastos e vaqueiros.

No ponto exacto onde a marinete pára, junto ao poste diante ao cinema na calçada, Zé Esteves e a esposa Tonha. Para o casamento de Elisa o Velho mandou tingir de preto, em Esplanada, antigo e desbotado traje azul. Não o veste desde então. O paletó parece um saco, as calças frouxas. Zé Esteves já não é o gigante de outrora, um pé de jacarandá, uma fortaleza, mas ainda se mantém firme, ali, de pé, há quase duas horas, mascando fumo, apoiado no bastão. Tonha, se pudesse, pediria uma cadeira ao árabe; onde a coragem de expor ao Velho o seu cansaço? Usa luto aliviado, apenas saia preta e faixa de crepe na blusa branca. Também remoto é o parentesco, como fez notar Perpétua, marcando diferenças e distâncias.

Com duas horas e dez minutos de atraso, soa na curva a buzina da marinete de Jairo, correria geral. Perpétua e padre Mariano ordenam as tropas. A marinete desponta no começo da rua. Ouve-se um primeiro soluço antes da hora.

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