Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 20
DAS REVISTAS DE TELENOVELAS E DAS PROVAS DE AMIZADE: CAPÍTULO RECONFORTANTE, PREPARATÓRIO DA GRANDE DISCUSSÃO FAMILIAR
- Você esqueceu de trazer as revistas – Dona Carmosina as deposita em cima da mesa, puxa uma cadeira.
A brisa do entardecer e as cores do crepúsculo envolvem Sant’Ana do Agreste. Barbosinha costuma parodiar os versos do poeta português: Que é dos pintores desse meu país divino que não vêm pintar? Ele, De matos Barbosa, cumpre o seu dever; mais de cinquenta poemas e sonetos dedicou à paisagem do Agreste, ao rio Real correndo para o mar, às dunas da praia de Mangue Seco, onde, em distantes férias burocráticas, declamou para Tieta ardentes versos levados pelo vento. Barbosinha deixou dona Carmosina na porta da casa, não quis entrar. Coberto de dor, mastigando um poema, dirigiu-se ao Bar dos Açores.
Elisa não sente o frescor do fim da tarde, não enxerga as nuanças de amarelo e roxo, de vermelho e azul a queimar o firmamento, quando o sol, levado pelas águas do rio, vai se perder no mar, na distante linha dos tubarões, e a lua nasce por detrás das dunas. Tempo de lua cheia. Elisa, desfeita, os olhos inchados de chorar, dona Carmosina se impressiona. Golpe terrível, não há dúvida, para ela e Astério, como equilibrar o orçamento sem a ajuda da irmã? Vão terminar nas minhas costas, adivinhara Perpétua, por ocasião de desespero anterior.
Perdida, nem sequer folheia as revistas, ela sempre ávida de saber de amores e desamores, casamentos e desquites, brigas, festas, a vida brilhante dos astros do cinema, rádio, teatro, televisão. Revistas, Perpétua não as pagará, nem uma só. Porcarias! Indivíduos sem temor a Deus, mulheres mostrando as vergonhas, uma indecência essas revistas. Em minha casa não entram. Se eu fosse Astério… Felizmente não era, assim Elisa está a par de todas as fofocas e delira com as fotonovelas.
O conhecimento de Elisa reduz-se aos artistas brasileiros; uma especialista, pode-se dizer. Não possui a visão universal de dona Carmosina, cuja erudição nesses apaixonantes assuntos não se limita às fronteiras pátrias. Não há minúcia que ela desconheça sobre os Beatles, antes, depois e durante a formação e dissolução do conjunto. Erudição, conhecimento, curiosidade, pelo simples prazer intelectual de saber e dar quinaus em Aminthas, tarado pelos Beatles e por todos os conjuntos de rock, desvairado pelo som moderno. Aminthas possui eletrola e gravador, gasta em discos e cassetes o que ganha e o que não ganha.
Dona Carmosina, coração romântico, em matéria de música prefere mesmo Casa de Caboclo e Luar do Sertão; isso, sim, é música com melodia e sentimento, e não essa barulheira sem pé nem cabeça dos cabeludos. Provoca a indignação de Aminthas, desmontando seus ídolos: essa tal de Yoko é horrível, e ainda tira retrato nua. Espie: a cara e a bunda são iguais.
Vou buscar o dinheiro para pagar… - neutra, a voz de Elisa, os olhos ainda húmidos.
Passou a tarde chorando, constata dona Carmosina:
- Deixe para depois.
- Para essas ainda tenho…
Os olhos buscam a amiga do peito, companheira de grandes conversas sobre galãs e estrelas de rádio e TV. Elisa só assistiu televisão durante os três dias passados na Baía, quando Astério foi consultar o médico, tirar radiografias; felizmente nada grave, apenas o susto a fazê-los gastar aquele dinheirão.
No modesto hotel próximo à rodoviária, o luxo era o aparelho de televisão na saleta de frente, franqueada aos hóspedes. Elisa não desgrudou do vídeo, maravilha das maravilhas. Agora, nem mais as revistas, dos olhos saltam as lágrimas, as palavras são soluços:
- Se for verdade, para o mês não posso mais comprar. Tire meu nome da lista.
- De todas cinco? – Dona Carmosina sabe a resposta mas faz a pergunta para ter o que dizer. Como poderá Elisa viver sem as revistas da telenovela?
- De todas…
Dona Carmosina ergue-se, magnífica, amizade se prova nessas horas:
- De todas cinco, não! Duas eu lhe garanto, pago da minha comissão. Sem nenhuma, você não fica.
Elisa se comove com o gesto mas a realidade se impõe:
- Obrigada, Carmosina, você é boa demais. Mas, nem eu aceito nem você é rica para deitar dinheiro fora…
- Tudo não passa de conjecturas. É capaz de Tieta estar mais viva do que nós duas… - Dona Carmosina, aliviada, substitui por alento, por esperança, a precipitada promessa de revistas semanais.
- É o que eu digo a todo o mundo, que ela está de passeio a bordo de um navio, como já sucedeu…
- Você esqueceu de trazer as revistas – Dona Carmosina as deposita em cima da mesa, puxa uma cadeira.
A brisa do entardecer e as cores do crepúsculo envolvem Sant’Ana do Agreste. Barbosinha costuma parodiar os versos do poeta português: Que é dos pintores desse meu país divino que não vêm pintar? Ele, De matos Barbosa, cumpre o seu dever; mais de cinquenta poemas e sonetos dedicou à paisagem do Agreste, ao rio Real correndo para o mar, às dunas da praia de Mangue Seco, onde, em distantes férias burocráticas, declamou para Tieta ardentes versos levados pelo vento. Barbosinha deixou dona Carmosina na porta da casa, não quis entrar. Coberto de dor, mastigando um poema, dirigiu-se ao Bar dos Açores.
Elisa não sente o frescor do fim da tarde, não enxerga as nuanças de amarelo e roxo, de vermelho e azul a queimar o firmamento, quando o sol, levado pelas águas do rio, vai se perder no mar, na distante linha dos tubarões, e a lua nasce por detrás das dunas. Tempo de lua cheia. Elisa, desfeita, os olhos inchados de chorar, dona Carmosina se impressiona. Golpe terrível, não há dúvida, para ela e Astério, como equilibrar o orçamento sem a ajuda da irmã? Vão terminar nas minhas costas, adivinhara Perpétua, por ocasião de desespero anterior.
Perdida, nem sequer folheia as revistas, ela sempre ávida de saber de amores e desamores, casamentos e desquites, brigas, festas, a vida brilhante dos astros do cinema, rádio, teatro, televisão. Revistas, Perpétua não as pagará, nem uma só. Porcarias! Indivíduos sem temor a Deus, mulheres mostrando as vergonhas, uma indecência essas revistas. Em minha casa não entram. Se eu fosse Astério… Felizmente não era, assim Elisa está a par de todas as fofocas e delira com as fotonovelas.
O conhecimento de Elisa reduz-se aos artistas brasileiros; uma especialista, pode-se dizer. Não possui a visão universal de dona Carmosina, cuja erudição nesses apaixonantes assuntos não se limita às fronteiras pátrias. Não há minúcia que ela desconheça sobre os Beatles, antes, depois e durante a formação e dissolução do conjunto. Erudição, conhecimento, curiosidade, pelo simples prazer intelectual de saber e dar quinaus em Aminthas, tarado pelos Beatles e por todos os conjuntos de rock, desvairado pelo som moderno. Aminthas possui eletrola e gravador, gasta em discos e cassetes o que ganha e o que não ganha.
Dona Carmosina, coração romântico, em matéria de música prefere mesmo Casa de Caboclo e Luar do Sertão; isso, sim, é música com melodia e sentimento, e não essa barulheira sem pé nem cabeça dos cabeludos. Provoca a indignação de Aminthas, desmontando seus ídolos: essa tal de Yoko é horrível, e ainda tira retrato nua. Espie: a cara e a bunda são iguais.
Vou buscar o dinheiro para pagar… - neutra, a voz de Elisa, os olhos ainda húmidos.
Passou a tarde chorando, constata dona Carmosina:
- Deixe para depois.
- Para essas ainda tenho…
Os olhos buscam a amiga do peito, companheira de grandes conversas sobre galãs e estrelas de rádio e TV. Elisa só assistiu televisão durante os três dias passados na Baía, quando Astério foi consultar o médico, tirar radiografias; felizmente nada grave, apenas o susto a fazê-los gastar aquele dinheirão.
No modesto hotel próximo à rodoviária, o luxo era o aparelho de televisão na saleta de frente, franqueada aos hóspedes. Elisa não desgrudou do vídeo, maravilha das maravilhas. Agora, nem mais as revistas, dos olhos saltam as lágrimas, as palavras são soluços:
- Se for verdade, para o mês não posso mais comprar. Tire meu nome da lista.
- De todas cinco? – Dona Carmosina sabe a resposta mas faz a pergunta para ter o que dizer. Como poderá Elisa viver sem as revistas da telenovela?
- De todas…
Dona Carmosina ergue-se, magnífica, amizade se prova nessas horas:
- De todas cinco, não! Duas eu lhe garanto, pago da minha comissão. Sem nenhuma, você não fica.
Elisa se comove com o gesto mas a realidade se impõe:
- Obrigada, Carmosina, você é boa demais. Mas, nem eu aceito nem você é rica para deitar dinheiro fora…
- Tudo não passa de conjecturas. É capaz de Tieta estar mais viva do que nós duas… - Dona Carmosina, aliviada, substitui por alento, por esperança, a precipitada promessa de revistas semanais.
- É o que eu digo a todo o mundo, que ela está de passeio a bordo de um navio, como já sucedeu…
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