Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 34
DE PORTAS E JANELAS E DO CORAÇÃO DE JESUS NA SALA DE VISITAS OU OS PRIMEIROS MOMENTOS NO SEIO DA FAMÍLIA
Na esquina da praça com o Beco da Três-Marias, a comitiva se detém.
- Chegámos – anuncia Perpétua – Vamos entrar.
- Tua casa? Esta? A que era do doutor e de dona Eufrosina? – Surpreende-se Antonieta. Nas cartas, Perpétua referia-se à nossa casinha adquirida pelo Major antes do casamento, na praça Desembargador Oliva – mas aqui é a Praça da Matriz.
- O nome correcto é Praça Desembargador Oliva – esclarece dona Carmosina.
A casa do Doutor, a casa de Lucas. Antonieta veio preparada para enfrentar as recordações mas os equívocos começaram logo ao desembarque, ao perceber o Velho empunhando o bastão.
Nunca imaginara hospedar-se ali, na casa onde Lucas permanecera após a morte do Doutor, estudando as possibilidades de clínica. Valeria a pena estabelecer-se?
Perpétua atribui a surpresa exclusivamente à dimensão da casa, sentimentos opostos a possuem. Satisfação a deleitá-la, não é uma morte de fome, miserável mendiga. Medo da reacção de Tieta que pode considerar abuso a ajuda mensal para a criação dos filhos. Impõe-se uma explicação:
- Foi uma dádiva de Deus caída do céu. O Major pagou uma bagatela pela casa e por tudo o que tinha dentro.
Os amigos se despedem com promessa de visita próxima:
- Vamos aparecer uma dessas noites – avisa o Comandante.
- Venham hoje de noite para conversar.
- Hoje, não, é dia da família.
- Dia de matar saudades… - acrescenta dona Laura, sorridente.
- Amanhã, então.
- Amanhã, sem falta.
Pelo gosto de Ascânio, voltaria nessa mesma noite, não basta à família o resto da tarde? Além do mais Leonora é parente afim, encontra-se em Agreste pela primeira vez, não tem saudades a matar, vai ficar à margem da conversa familiar.
Pena ele não ter a cara dura de dona Carmosina:
- Pois eu venho é hoje mesmo, com Mãe. Quando saí ela me disse: Hoje de noite vou a casa de Perpétua, visitar Tieta.
- Trouxe uma lembrancinha para ela, uma tolice. Por que não vêm jantar com a gente? Posso convidar, Perpétua?
- A casa é sua. Graças a Deus, tem comida com fartura.
- Antes mesmo de tomar banho – preciso de um banho imediatamente, tenho poeira até na alma, aliás precisamos as duas – Antonieta esclarece:
- Enquanto estivermos aqui, a despesa da casa corre por minha conta.
Perpétua esboça um gesto de protesto, não chega a completá-lo, a ricaça corta qualquer tentativa de discussão:
- Se não for assim pegamos nas malas e vamos para a pensão de Amorzinho.
- Nesse caso não discuto… - apressa-se Perpétua, liberta do peso maior. Resta o menor: as despesas feitas para acolhê-las convenientemente, divididas entre ela, Astério e o Velho.
Nem esse prejuízo terão, Antonieta completa:
- Começando pelo que gastaram para nos esperar.
- Ah! Essa não! – intromete-se Elisa: - Uma besteira, coisa à-toa. Fizemos uma vaquinha, coube um pouco a cada um.
- Tu fala como se fosse rica – Perpétua desmascara a irmã, não há coisa pior que pobre metida a besta: - Se esquece que Astério teve de tomar dinheiro emprestado para completar parte de vocês?
- Cala a boca mulher! – Elisa empalidece. Perpétua a humilha de propósito em frente à irmã e à forasteira. Por que expor diante da enteada a pobreza do casal?
- Perpétua tem razão, Elisa, minha filha. Se eu não pudesse está certo. Mas por que hão-de fazer sacrifícios sem necessidade? Mais tarde Perpétua ou Astério me diz quanto gastaram e pronto.
Enquanto fala, Antonieta aproxima-se, abraça Elisa, beija-a afectuosamente – há entre elas, um ar de família, uma parecença no rosto e no jeito, só que a mais moça não herdou a obstinação, a teimosia do velho Zé Esteves a marcar Perpétua e Antonieta, aquela dureza de pedra, a audácia das cabras. Mas não herdou tão pouco a resignação da mãe.
- Não tenha vergonha da pobreza, minha filha. Hoje possuo alguma coisa mas enquanto fui pobre – eu comi o pão que o diabo amassou – nunca me fiz de rica. Se fizesse quem ia me ajudar?
Nem bem conheci Filipe fui logo pedindo dinheiro emprestado a ele.
Acarinhada, tratada de filha, Elisa recupera as cores e o prejuízo:
- Pediu emprestado dinheiro ao noivo?
- Que noivo nem meio noivo, só depois é que veio o noivado. Quando fui apresentada a ele, estava tesa. Um dia, com mais tempo, eu conto. Agora quero é tomar banho. Queremos, não é Nora.
- Nora?
- É o apelido dela. Essa, eu criei. Veio para minha companhia menininha, o que sabe, eu ensinei. Onde fica nosso quarto?
- O seu aqui, Tieta, é a alcova. O de Leonora ali, aquele – aponta Perpétua – Cardo, Peto, levem as malas. Ajude também Astério.
Por que Tieta não protestou, não pediu para ficar junto com a filha de criação, como ensinam as boas maneiras? A janela da alcova abre sobre o Beco das Três-marias, a porta, face a face com a do gabinete.
- Dorme alguém no gabinete?
- Ricardo.
- Eu, tia. Qualquer coisa que quiser de noite é só chamar.
Na esquina da praça com o Beco da Três-Marias, a comitiva se detém.
- Chegámos – anuncia Perpétua – Vamos entrar.
- Tua casa? Esta? A que era do doutor e de dona Eufrosina? – Surpreende-se Antonieta. Nas cartas, Perpétua referia-se à nossa casinha adquirida pelo Major antes do casamento, na praça Desembargador Oliva – mas aqui é a Praça da Matriz.
- O nome correcto é Praça Desembargador Oliva – esclarece dona Carmosina.
A casa do Doutor, a casa de Lucas. Antonieta veio preparada para enfrentar as recordações mas os equívocos começaram logo ao desembarque, ao perceber o Velho empunhando o bastão.
Nunca imaginara hospedar-se ali, na casa onde Lucas permanecera após a morte do Doutor, estudando as possibilidades de clínica. Valeria a pena estabelecer-se?
Perpétua atribui a surpresa exclusivamente à dimensão da casa, sentimentos opostos a possuem. Satisfação a deleitá-la, não é uma morte de fome, miserável mendiga. Medo da reacção de Tieta que pode considerar abuso a ajuda mensal para a criação dos filhos. Impõe-se uma explicação:
- Foi uma dádiva de Deus caída do céu. O Major pagou uma bagatela pela casa e por tudo o que tinha dentro.
Os amigos se despedem com promessa de visita próxima:
- Vamos aparecer uma dessas noites – avisa o Comandante.
- Venham hoje de noite para conversar.
- Hoje, não, é dia da família.
- Dia de matar saudades… - acrescenta dona Laura, sorridente.
- Amanhã, então.
- Amanhã, sem falta.
Pelo gosto de Ascânio, voltaria nessa mesma noite, não basta à família o resto da tarde? Além do mais Leonora é parente afim, encontra-se em Agreste pela primeira vez, não tem saudades a matar, vai ficar à margem da conversa familiar.
Pena ele não ter a cara dura de dona Carmosina:
- Pois eu venho é hoje mesmo, com Mãe. Quando saí ela me disse: Hoje de noite vou a casa de Perpétua, visitar Tieta.
- Trouxe uma lembrancinha para ela, uma tolice. Por que não vêm jantar com a gente? Posso convidar, Perpétua?
- A casa é sua. Graças a Deus, tem comida com fartura.
- Antes mesmo de tomar banho – preciso de um banho imediatamente, tenho poeira até na alma, aliás precisamos as duas – Antonieta esclarece:
- Enquanto estivermos aqui, a despesa da casa corre por minha conta.
Perpétua esboça um gesto de protesto, não chega a completá-lo, a ricaça corta qualquer tentativa de discussão:
- Se não for assim pegamos nas malas e vamos para a pensão de Amorzinho.
- Nesse caso não discuto… - apressa-se Perpétua, liberta do peso maior. Resta o menor: as despesas feitas para acolhê-las convenientemente, divididas entre ela, Astério e o Velho.
Nem esse prejuízo terão, Antonieta completa:
- Começando pelo que gastaram para nos esperar.
- Ah! Essa não! – intromete-se Elisa: - Uma besteira, coisa à-toa. Fizemos uma vaquinha, coube um pouco a cada um.
- Tu fala como se fosse rica – Perpétua desmascara a irmã, não há coisa pior que pobre metida a besta: - Se esquece que Astério teve de tomar dinheiro emprestado para completar parte de vocês?
- Cala a boca mulher! – Elisa empalidece. Perpétua a humilha de propósito em frente à irmã e à forasteira. Por que expor diante da enteada a pobreza do casal?
- Perpétua tem razão, Elisa, minha filha. Se eu não pudesse está certo. Mas por que hão-de fazer sacrifícios sem necessidade? Mais tarde Perpétua ou Astério me diz quanto gastaram e pronto.
Enquanto fala, Antonieta aproxima-se, abraça Elisa, beija-a afectuosamente – há entre elas, um ar de família, uma parecença no rosto e no jeito, só que a mais moça não herdou a obstinação, a teimosia do velho Zé Esteves a marcar Perpétua e Antonieta, aquela dureza de pedra, a audácia das cabras. Mas não herdou tão pouco a resignação da mãe.
- Não tenha vergonha da pobreza, minha filha. Hoje possuo alguma coisa mas enquanto fui pobre – eu comi o pão que o diabo amassou – nunca me fiz de rica. Se fizesse quem ia me ajudar?
Nem bem conheci Filipe fui logo pedindo dinheiro emprestado a ele.
Acarinhada, tratada de filha, Elisa recupera as cores e o prejuízo:
- Pediu emprestado dinheiro ao noivo?
- Que noivo nem meio noivo, só depois é que veio o noivado. Quando fui apresentada a ele, estava tesa. Um dia, com mais tempo, eu conto. Agora quero é tomar banho. Queremos, não é Nora.
- Nora?
- É o apelido dela. Essa, eu criei. Veio para minha companhia menininha, o que sabe, eu ensinei. Onde fica nosso quarto?
- O seu aqui, Tieta, é a alcova. O de Leonora ali, aquele – aponta Perpétua – Cardo, Peto, levem as malas. Ajude também Astério.
Por que Tieta não protestou, não pediu para ficar junto com a filha de criação, como ensinam as boas maneiras? A janela da alcova abre sobre o Beco das Três-marias, a porta, face a face com a do gabinete.
- Dorme alguém no gabinete?
- Ricardo.
- Eu, tia. Qualquer coisa que quiser de noite é só chamar.
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