Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 92
Antes de regressar no fim da tarde a Mangue Seco, fugindo às manifestações dos seus conterrâneos, cercada pela família, Tieta ainda recebeu a visita do padre Mariano. O reverendo agradeceu-lhe, em nome dos fiéis, a graça da iluminação nova que ia modificar a fisionomia da cidade, mudar-lhe os hábitos, imenso serviço prestado à comunidade. Beneficiando a todos, dona Antonieta criara, no entanto, sério problema para a paróquia, pois a instalação eléctrica da Matriz encontrava-se em petição de miséria, incapaz de suportar o impacto da energia de Paulo Afonso. Um engenheiro da Hidrelétrica que ele consultara dissera-lhe ser absolutamente necessário mudar toda a instalação para impedir um curto-circuito e evitar grave perigo de incêndio. Onde buscar o dinheiro necessário? A quem recorrer senão a ela? Muito já lhe devia a Matriz, a começar pela imagem nova da Padroeira, o ostensório trazido de São Paulo, o padre era quem mais sabia mas sabia também da generosidade da dona Antonieta, alma de escol, ademais viúva de comendador de Papa, ou seja, pessoa graduada na hierarquia da Igreja. Com um sorriso ambíguo, Tieta ouviu em silêncio, na presença do pai, da madrasta, das irmãs e de Leonora. Perpétua repetiu as palavras do pároco, pensando na caderneta de poupança:
- Alma se escol, o senhor disse tudo, padre Mariano.
O reverendo não conseguia ler resposta positiva no sorriso equívoco a entreabrir os lábios carnudos; apenas podia constatar que Tieta remoçara nesses dias em Mangue Seco, o ar satisfeito, bonito como nunca, o sol pusera tons de ouro no cobre da pele.
- Não se aflija, padre, pode mudar os fios.
Tranquilizado, ia o cura agradecer quando ela prosseguiu, a voz se abrindo em riso, em tom de brincadeira:
- Faço isso em pagamento à Senhora Sant’Ana por lhe ter roubado o sacristão por alguns dias, meu sobrinho Ricardo, que está em Mangue Seco me ajudando.
Estremeceu Perpétua dentro do vestido negro, do luto fechado, da compostura devida ao sacerdote, não conseguindo esconder a satisfação de súbito reflectida do rosto carrancudo, num olhar de vitória. Ligando o sobrinho aos donativos feitos à Igreja, designando-o intermediário nas suas relações com Deus e os santos. Tieta dava largo passo no caminho a conduzir à adopção e à herança. Deus acabara de passar à categoria de devedor, ao receber, pela mão de Ricardo, a doação das novas instalações eléctricas da Matriz.
Igualmente radiante, padre Mariano ergueu a voz, escolhendo os termos do louvor:
- Deus não esquece quem ajuda a Santa Madre Igreja, multiplica cada óbolo em perenes benesses. As bênçãos da Virgem, dona Antonieta, protegerão a si e aos seus familiares – elevou a mão, abençoando os Esteves e as Cantarelli, sorriu beatificamente. – De parte da Senhora Sant’Ana posso adiantar que ela lhe cede de bom grado o escudeiro. Estando Ricardo em companhia tão sacrossanta, só poderá aprender a praticar o bem.
Ao despedir-se, o reverendo referiu-se à aparência de Tieta: louça, garbosa. Os dias na praia, disse, tinham sido para ela um verdadeiro tónico, ressumava saúde e júbilo, aprazimento, a beleza do rosto reflectindo a pureza da alma, tota pulchra, benedicta Domini. Que Deus assim o preserve.
Zé Esteves foi o único a demonstrar insatisfação, remoendo críticas ao peditório e ao atendimento!
- Esse urubu de batina é um sabido: com a língua doce e o latinório vai arrecadando um dinheirão para a Igreja, os tolos caem como patinhos. Me perdoe, minha filha, mas você precisa de prestar mais atenção ao seu dinheiro. Não se esqueça que vai comprar casa, não pode estar desperdiçando.
- Alma se escol, o senhor disse tudo, padre Mariano.
O reverendo não conseguia ler resposta positiva no sorriso equívoco a entreabrir os lábios carnudos; apenas podia constatar que Tieta remoçara nesses dias em Mangue Seco, o ar satisfeito, bonito como nunca, o sol pusera tons de ouro no cobre da pele.
- Não se aflija, padre, pode mudar os fios.
Tranquilizado, ia o cura agradecer quando ela prosseguiu, a voz se abrindo em riso, em tom de brincadeira:
- Faço isso em pagamento à Senhora Sant’Ana por lhe ter roubado o sacristão por alguns dias, meu sobrinho Ricardo, que está em Mangue Seco me ajudando.
Estremeceu Perpétua dentro do vestido negro, do luto fechado, da compostura devida ao sacerdote, não conseguindo esconder a satisfação de súbito reflectida do rosto carrancudo, num olhar de vitória. Ligando o sobrinho aos donativos feitos à Igreja, designando-o intermediário nas suas relações com Deus e os santos. Tieta dava largo passo no caminho a conduzir à adopção e à herança. Deus acabara de passar à categoria de devedor, ao receber, pela mão de Ricardo, a doação das novas instalações eléctricas da Matriz.
Igualmente radiante, padre Mariano ergueu a voz, escolhendo os termos do louvor:
- Deus não esquece quem ajuda a Santa Madre Igreja, multiplica cada óbolo em perenes benesses. As bênçãos da Virgem, dona Antonieta, protegerão a si e aos seus familiares – elevou a mão, abençoando os Esteves e as Cantarelli, sorriu beatificamente. – De parte da Senhora Sant’Ana posso adiantar que ela lhe cede de bom grado o escudeiro. Estando Ricardo em companhia tão sacrossanta, só poderá aprender a praticar o bem.
Ao despedir-se, o reverendo referiu-se à aparência de Tieta: louça, garbosa. Os dias na praia, disse, tinham sido para ela um verdadeiro tónico, ressumava saúde e júbilo, aprazimento, a beleza do rosto reflectindo a pureza da alma, tota pulchra, benedicta Domini. Que Deus assim o preserve.
Zé Esteves foi o único a demonstrar insatisfação, remoendo críticas ao peditório e ao atendimento!
- Esse urubu de batina é um sabido: com a língua doce e o latinório vai arrecadando um dinheirão para a Igreja, os tolos caem como patinhos. Me perdoe, minha filha, mas você precisa de prestar mais atenção ao seu dinheiro. Não se esqueça que vai comprar casa, não pode estar desperdiçando.
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