Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 96
Mas a moça pretende vida em comum, lar estabelecido, filhos. Ouvindo certa vez Tieta relatar os problemas da protegida, o desejo de largar o ofício, trocando as larguezas do Refúgio dos Lordes por medíocres limites de casa e marido – de amor como ela repetia exaltada – Felipe, experiente e blasé, a classificara de pequeno-burguesa delirante, sem solução.
- Do meio dessa pequena burguesia desesperada é que surgem os marginais, os drogados, os que matam sem razão e os que se matam, os suicidas. Não provocam minha simpatia.
Tieta ouvira a explicação, balançara a cabeça, tolice discutir com Felipe, homem de saber e entendimento, merecedor de crédito – não por acaso subira tão alto. Nem por isso deixara de simpatizar com o sonho de Leonora, romântico e piegas. Não chegava a entender inteiramente a ânsia a consumir a rapariga, esse arrebatamento, a inconformidade com a situação – aliás privilegiada – em que vivia. Tais problemas jamais se haviam colocado para Tieta., pelo menos de idêntica maneira. Mas, ao contrário de Felipe, sentia ternura e simpatia pela insatisfação da moça, dava-lhe atenção e afecto.
Entre os colaboradores da casa – cabritas escolhidas a dedo para alegrar o ócio de bodes ricos, poderosos, exigentes, muitos deles cheios de manias e taras – Leonora era a sua predilecta. Talvez porque sobrasse a Tieta carinho a dar, devotamente disponível, tinha para com a infeliz rapariga desvelos de mãe para filha. Ao ver de Felipe, pequeno-burguesa desesperada, sem solução, na opinião de Tieta, tola, sonhadora, sentimental. Como jamais conseguira ser sentimental e tola, apesar de sonhadora, por isso mesmo estimava a atitude da moça agarrada á ilusão de um dia poder mudar de vida, construí-la de acordo com os seus modestos desejos.
Quando, ainda há pouco, da sombra do corredor, espionava a frustrada despedida, Tieta deixara escapar um suspiro: Deus do Céu, por que tanta tolice, tanta ânsia inútil? A vida pode ser simples e fácil, agradável, excitante, quando se sabe levá-la com audácia e prudência: um marchante, um protector para companhia permanente, para fornecer dinheiro à farta, para garantir sólido pecúlio na velhice, e xodós para a cama, quantos o corpo reclamar, a boa vida, alegria e riso que tristezas não pagam dívidas.
Na Bacia de Catarina ou nos cômoros de Mangue Seco, no escuro das grutas ou diante da imensidão do mar, poderia Nora saciar a sede de amor nos braços de Ascânio. Assim Tieta estava fazendo nos braços de Ricardo, no areal, na cama do Comandante. A seu modo, também ela andava apaixonada e como! Apenas, ao contrário do que acontecia com Leonora, a paixão pelo sobrinho não a perturbava, dando-lhe apenas alegria. Paixão roxa, também: estava devorando o seminarista, esfomeada, sequiosa – não era amor, por acaso?
Mas, depois, quando passar a fúria do desejo, bastaria lavar o xibiu bem lavado para esquecer, até que novamente crescesse em labareda dentro dela a brasa acesa, inapagável, da paixão.
Paixão, amor, que diferença existe? Com Felipe fora diferente. Durara tantos e tantos anos, felizes sempre, ele superior e generoso, ela dedicada e sabida, ternos amigos, cálidos amantes, senhor e serva. Serva ou rainha? Seria isso o amor tão falado. Provavelmente. Não impedira, não obstante, as paixões, nem sabe quantas. Mundo complicado, difícil de entender, uma confusão.
Acarinha Leonora, a cabeça repousando em seu colo, a cabeleira desnastra rolando sobre o lençol. Tieta necessita tomar providências rápida para colocar nos trilhos certos a vida de Leonora, para que as férias terminem alegremente como começaram, para que esse namoro bobelo se transforme em arrebatada paixão, saia do atoleiro onde se afundou para erguer-se em chamas na beira do rio, nos cômoros de Mangue Seco. Para que o amor, como deseja Barbozinha, seja motivo de vida e não de morte.
A mão materna nos cabelos e a voz de acalanto nos ouvidos acalmam a agitação de Leonora.
- Pode dormir tranquila, cabrita, que eu vou cuidar da tua vida.
- Do meio dessa pequena burguesia desesperada é que surgem os marginais, os drogados, os que matam sem razão e os que se matam, os suicidas. Não provocam minha simpatia.
Tieta ouvira a explicação, balançara a cabeça, tolice discutir com Felipe, homem de saber e entendimento, merecedor de crédito – não por acaso subira tão alto. Nem por isso deixara de simpatizar com o sonho de Leonora, romântico e piegas. Não chegava a entender inteiramente a ânsia a consumir a rapariga, esse arrebatamento, a inconformidade com a situação – aliás privilegiada – em que vivia. Tais problemas jamais se haviam colocado para Tieta., pelo menos de idêntica maneira. Mas, ao contrário de Felipe, sentia ternura e simpatia pela insatisfação da moça, dava-lhe atenção e afecto.
Entre os colaboradores da casa – cabritas escolhidas a dedo para alegrar o ócio de bodes ricos, poderosos, exigentes, muitos deles cheios de manias e taras – Leonora era a sua predilecta. Talvez porque sobrasse a Tieta carinho a dar, devotamente disponível, tinha para com a infeliz rapariga desvelos de mãe para filha. Ao ver de Felipe, pequeno-burguesa desesperada, sem solução, na opinião de Tieta, tola, sonhadora, sentimental. Como jamais conseguira ser sentimental e tola, apesar de sonhadora, por isso mesmo estimava a atitude da moça agarrada á ilusão de um dia poder mudar de vida, construí-la de acordo com os seus modestos desejos.
Quando, ainda há pouco, da sombra do corredor, espionava a frustrada despedida, Tieta deixara escapar um suspiro: Deus do Céu, por que tanta tolice, tanta ânsia inútil? A vida pode ser simples e fácil, agradável, excitante, quando se sabe levá-la com audácia e prudência: um marchante, um protector para companhia permanente, para fornecer dinheiro à farta, para garantir sólido pecúlio na velhice, e xodós para a cama, quantos o corpo reclamar, a boa vida, alegria e riso que tristezas não pagam dívidas.
Na Bacia de Catarina ou nos cômoros de Mangue Seco, no escuro das grutas ou diante da imensidão do mar, poderia Nora saciar a sede de amor nos braços de Ascânio. Assim Tieta estava fazendo nos braços de Ricardo, no areal, na cama do Comandante. A seu modo, também ela andava apaixonada e como! Apenas, ao contrário do que acontecia com Leonora, a paixão pelo sobrinho não a perturbava, dando-lhe apenas alegria. Paixão roxa, também: estava devorando o seminarista, esfomeada, sequiosa – não era amor, por acaso?
Mas, depois, quando passar a fúria do desejo, bastaria lavar o xibiu bem lavado para esquecer, até que novamente crescesse em labareda dentro dela a brasa acesa, inapagável, da paixão.
Paixão, amor, que diferença existe? Com Felipe fora diferente. Durara tantos e tantos anos, felizes sempre, ele superior e generoso, ela dedicada e sabida, ternos amigos, cálidos amantes, senhor e serva. Serva ou rainha? Seria isso o amor tão falado. Provavelmente. Não impedira, não obstante, as paixões, nem sabe quantas. Mundo complicado, difícil de entender, uma confusão.
Acarinha Leonora, a cabeça repousando em seu colo, a cabeleira desnastra rolando sobre o lençol. Tieta necessita tomar providências rápida para colocar nos trilhos certos a vida de Leonora, para que as férias terminem alegremente como começaram, para que esse namoro bobelo se transforme em arrebatada paixão, saia do atoleiro onde se afundou para erguer-se em chamas na beira do rio, nos cômoros de Mangue Seco. Para que o amor, como deseja Barbozinha, seja motivo de vida e não de morte.
A mão materna nos cabelos e a voz de acalanto nos ouvidos acalmam a agitação de Leonora.
- Pode dormir tranquila, cabrita, que eu vou cuidar da tua vida.
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