Tieta do Agreste
EPISÓDIO nº 149
GRITO DE ALERTA,
CAPÍTULO ONDE SE RESUME A FAMOSA CRÓNICA
Em capítulo anterior, o nome de Giovanni Guimarães foi referido na condição de amigo do poeta Barbozinha, parceiro de boémia, de vida airada nos castelos e nos cafés de subliteratos, sem que houvesse no entanto alusão às qualidades e ao conceito do foliculário, redactor de A Tarde desde os tempos distantes de calouro na faculdade de Medicina, assinando há vários anos na popular gazeta da capital baiana, quotidiana e quase sempre risonha coluna, muito lida e apreciada. Por vezes, o tema tratado levava o articulista sem maldade mas enfurecido a trocar a leveza e a graça do comentário pela áspera denúncia das injustiças sociais, substituindo o sorriso trocista e bonacheirão por impetuosa ira. Quando apontava violências e dizia da opressão e da miséria.
“Teu paraíso, poeta, está ameaçado!” Com esta frase de advertência, o articulista inicia a dramática missiva dirigida ao poeta e cidadão do município de Sant’Ana do Agreste, Gregório Estáquio de Matos Barbosa. Dona Carmosina tenta adivinhar: o que será, meu Deus? Recorda a gostosa gargalhada do jornalista, ecoando na agência dos Correios quando visitara Agreste. Homem mais alegre, logo amigo de todos, sobretudo de Osnar.
No começo da crónica, Giovanni Guimarães reporta-se exactamente à visita a Agreste, havia alguns anos, a convite do poeta que “ao aposentar-se da função pública exercida com exemplar dedicação na Prefeitura de Salvador, abandonara a vida agitada da capital, os hábitos notívagos de boémio, os círculos literários, retornando aos ares saudáveis, ao clima admirável do torrão natal”.
Recorda os dias, poucos, porém felizes, de permanência na “bucólica cidadezinha, reino feliz da paz, recanto idílico” e os passeios no rio, o banho na Bacia de Catarina, as idas à praia de Mangue Seco, “obra prima da natureza, paisagem de começo do mundo, única e incomparável”. Em companhia de Barbozinha, cicerone perfeito, Giovanni pudera conhecer e desfrutar as delícias “desse paraíso na terra. Éden de beleza e harmonia, onde o homem – em que pese a língua ferina das beatas – ainda é próximo do homem.”
Durante a curta estada em Agreste, escandalizava as beatas fazendo, no adro da Igreja, na hora da bênção, o elogio do pecado e do inferno, repleto de mulheres belas e dadivosas, enquanto o céu não passa de uma chatice eterna de santos barbudos e hinos monótonos. Mas, nem mesmo as velhas xeretas resistiam ao riso comunicativo, ao calor humano que se desprendia do estroina, riam com ele. O único céu onde vale a pena viver é Agreste, paraíso na terra, conluia. Ali, ao respirar aquele ar fino e puro, sentia-se rejuvenescer, limpo os pulmões e o coração. Um pândego, cumutucavam-se as comadres.
Pois bem: “Teu paraíso está ameaçado de morte, poeta, a Magra busca instalar-se nas águas do rio Real, nas ondas de Mangue Seco, corveja sobre campos e dunas. Para transformar o diáfano céu azul em poluída mancha negra, para envenenar as águas, matar os peixes e os pássaros, reduzir os pescadores à miséria, substituir a saúde por enfermidades novas de imprevisíveis consequências”.
Dona Carmosina suspende a leitura para respirar: ai, meu Deus, por que tão terrível profecia?
Uma vez, na prosa do Areópago, Giovanni perguntara-lhe por quantos anos ainda o povo de Agreste gozaria em paz a delícia do clima perfeito, a doce convivência, distante dos males da sociedade de consumo? Mais dia menos dia, ele mesmo respondera, os horrores da civilização aportariam na Bacia de Catarina, nos cômoros da praia, adeus felicidade!
CAPÍTULO ONDE SE RESUME A FAMOSA CRÓNICA
Em capítulo anterior, o nome de Giovanni Guimarães foi referido na condição de amigo do poeta Barbozinha, parceiro de boémia, de vida airada nos castelos e nos cafés de subliteratos, sem que houvesse no entanto alusão às qualidades e ao conceito do foliculário, redactor de A Tarde desde os tempos distantes de calouro na faculdade de Medicina, assinando há vários anos na popular gazeta da capital baiana, quotidiana e quase sempre risonha coluna, muito lida e apreciada. Por vezes, o tema tratado levava o articulista sem maldade mas enfurecido a trocar a leveza e a graça do comentário pela áspera denúncia das injustiças sociais, substituindo o sorriso trocista e bonacheirão por impetuosa ira. Quando apontava violências e dizia da opressão e da miséria.
“Teu paraíso, poeta, está ameaçado!” Com esta frase de advertência, o articulista inicia a dramática missiva dirigida ao poeta e cidadão do município de Sant’Ana do Agreste, Gregório Estáquio de Matos Barbosa. Dona Carmosina tenta adivinhar: o que será, meu Deus? Recorda a gostosa gargalhada do jornalista, ecoando na agência dos Correios quando visitara Agreste. Homem mais alegre, logo amigo de todos, sobretudo de Osnar.
No começo da crónica, Giovanni Guimarães reporta-se exactamente à visita a Agreste, havia alguns anos, a convite do poeta que “ao aposentar-se da função pública exercida com exemplar dedicação na Prefeitura de Salvador, abandonara a vida agitada da capital, os hábitos notívagos de boémio, os círculos literários, retornando aos ares saudáveis, ao clima admirável do torrão natal”.
Recorda os dias, poucos, porém felizes, de permanência na “bucólica cidadezinha, reino feliz da paz, recanto idílico” e os passeios no rio, o banho na Bacia de Catarina, as idas à praia de Mangue Seco, “obra prima da natureza, paisagem de começo do mundo, única e incomparável”. Em companhia de Barbozinha, cicerone perfeito, Giovanni pudera conhecer e desfrutar as delícias “desse paraíso na terra. Éden de beleza e harmonia, onde o homem – em que pese a língua ferina das beatas – ainda é próximo do homem.”
Durante a curta estada em Agreste, escandalizava as beatas fazendo, no adro da Igreja, na hora da bênção, o elogio do pecado e do inferno, repleto de mulheres belas e dadivosas, enquanto o céu não passa de uma chatice eterna de santos barbudos e hinos monótonos. Mas, nem mesmo as velhas xeretas resistiam ao riso comunicativo, ao calor humano que se desprendia do estroina, riam com ele. O único céu onde vale a pena viver é Agreste, paraíso na terra, conluia. Ali, ao respirar aquele ar fino e puro, sentia-se rejuvenescer, limpo os pulmões e o coração. Um pândego, cumutucavam-se as comadres.
Pois bem: “Teu paraíso está ameaçado de morte, poeta, a Magra busca instalar-se nas águas do rio Real, nas ondas de Mangue Seco, corveja sobre campos e dunas. Para transformar o diáfano céu azul em poluída mancha negra, para envenenar as águas, matar os peixes e os pássaros, reduzir os pescadores à miséria, substituir a saúde por enfermidades novas de imprevisíveis consequências”.
Dona Carmosina suspende a leitura para respirar: ai, meu Deus, por que tão terrível profecia?
Uma vez, na prosa do Areópago, Giovanni perguntara-lhe por quantos anos ainda o povo de Agreste gozaria em paz a delícia do clima perfeito, a doce convivência, distante dos males da sociedade de consumo? Mais dia menos dia, ele mesmo respondera, os horrores da civilização aportariam na Bacia de Catarina, nos cômoros da praia, adeus felicidade!
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