sexta-feira, julho 10, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 178





Se seu Osnar não se interessar, vamos ter de nos mexer para conseguir comprador e quando a gente tem pressa, a senhora sabe como é…

- Por que corre tanta pressa, seu Josafá? Foi essa pressa, essa correria que abalou o coração do Velho.

- Precisamos desse dinheiro, meu pai e eu, para contratar um advogado em Itabuna, doutor Marcolino Pitombo; não tem outro como ele em questão de litígio por posse de terra.

- O senhor está em questão por lá?

- Lá não. Aqui. Vou trazer doutor Marcolino a Agreste, é para isso que preciso do dinheiro e quero vender os roçados e o rebanho. Tenho alguma coisa em Itabuna mas preciso de um dinheiro maior, disponível, para contratar o doutor e trazer ele aqui.

- Aqui? E por que, se mal lhe pergunto?

A senhora conhece o coqueiral de Mangue Seco, comprou um terreno na parte que é de seu Modesto Pires, seu Zé Esteves me disse. Sabe quem é o dono do resto, das terras que vão do Quebra Pedra até aos limites de seu Modesto? Essas terras que agora a tal companhia quer comprar para botar a fábrica? Pois são da gente, de meu pai e desse seu criado.

- O coqueiral? Me disseram que ninguém sabe direito quais são os donos, ainda outro dia o Comandante falou nisso.

- Se tem mais alguém com direito, não sei. Possa ser que sim. Se tem que apareça, constitua advogado como eu vou fazer e apresente as provas porque eu vou apresentar as minhas. Herança antiga, dona Antonieta, consta dos livros do cartório. Só que meu pai e meu avô nunca ligaram, quem dava valor ao coqueiral, mais mangue do que terras? Eu mesmo só vim ligar importância agora, aqui chegando. Meu pai me falou da história da fábrica, lembrou que esses terrenos são da gente. Assuntei o zunzum, soube que os engenheiros andam por lá. Ontem mesmo seu Zé Esteves me disse que tinha um helicóptero voando por cima dos coqueiros, que ele e a senhora tinham visto.

- É verdade. O senhor precisa mesmo andar depressa porque muita tem muita gente graúda interessada no coqueiral.

- E não havia de ser, com os alemães querendo comprar?

- Os alemães?

- Foi o que eu ouvi dizer em Itabuna, eles andaram sondando por lá também; procurando lugar para fábrica no rio cachoeira mas houve uma grita danada, e ainda está havendo, porque diz que esta tal fábrica acaba com tudo quanto é peixe e marisco e bota veneno no ar. Até eu assinei um papel protestando contra essa ideia deles se instalarem ali. Mas aqui, eu sou a favor. Lugar bom para uma fábrica dessas, não tem lavoura que pague a pena e cabra é um bicho que não morre mesmo.

- Cabra pode ser que resista. Mas os peixes se envenenam e morrem, a pescaria se acaba.

- Ora, dona Antonieta, em Mangue Seco o que tem é meia dúzia de preguiçosos, vivendo do contrabando. Com a instalação da fábrica vão ser operários, aprender a trabalhar, vão virar gente.

Mas no Saco a pesca é o único sustento do povo. E lá a colónia de pescadores é grande.

Josafá ri, matreiro, pela boca e pelos olhos astutos, repete em voz alta o argumento que Ascânio Trindade pensara sem ousar dizer:

- O povo do arraial do Saco? Mas isso é lá com os sergipanos, o Saco fica do outro lado da barra, eles que se arranjem. Por mim quero é vender meus terrenos aos alemães. Nós temos um papel.

Estão conversando de pé, Jarde não resiste, espicha os olhos para as rendas do neglichê, pele mais bonita, redondos úberes de cabra feita. Josafá mete a mão no bolso interno do paletó, tira a carteira e dela uma folha de papel amarelada, estende a Tieta. Uma carta velhíssima, a tinta desbotada, onde há referências às terras na beira-rio, no rumo do mar, pertencentes à família Antunes.

- Antunes em Agreste, que eu saiba, só eu e meu pai, não existem outros. Fui saber ao cartório, doutor Franklin me disse que o nome de Manuel Bezerra Antunes, meu tetravô, está lá, na escritura. Com a história da fábrica tem não sei quantos se dizendo dono. É por isso que vou constituir advogado, entrar logo com acção de posse. Para isso preciso trazer doutor Marcolino; para questão de terras não há igual a ele. Começou a carreira como advogado do coronel Basílio, já pensou?

- Coronel Basílio? Não sei quem seja.

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