domingo, julho 26, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 190







DA IMPORTÂNCIA DO SOBRENOME ANTUNES E DA PROMOÇÃO DE ASTÉRIO AO POSTO DE MAJOR


- Estou virando o maior freguês do seu cartório, doutor Franklin – pilheria Tieta ao cumprimentar o tabelião, na tarde do dia 2 de Janeiro. Chega acompanhada de Astério para ali encontrar-se com Jarde e Josafá.

- Será que a senhora também quer saber se é herdeira das terras do coqueiral? Quase meia cidade já desfilou nesta sala nos últimos dias para examinar os livros antigos, tive de trancá-los no cofre com medo que rasurassem as folhas ou as rasgassem. Nunca vi uma coisa assim em toda a minha longa vida de tabelião.

- Olhe que sua pergunta não deixa de ter propósito, doutor. Não vim ver se meu nome está nos livros mas estou comprando uma propriedade dos Antunes, do velho Jarde e do filho Josafá, para minha irmã e meu cunhado, e eles estão vendendo por causa dessa questão do coqueiral.

Doutor Franklin, a par do assunto, concordou num aceno de cabeça enquanto sorria para Astério: felizardo, beneficiando-se da cunhada milionária, presente de terras e cabras, bendito seja! O mundo é assim: uns nascem empelicados, de bunda para a lua, encontram o prato feito, a papa dada na boca. Para os demais é o que se vê e sabe.

- É, o nome dos Antunes consta dos livros, eu disse a Josafá, mas avisei logo que ele não está sozinho, tem muita gente…

- Antunes aqui, em Agreste, seu doutor Franklin, nunca ouvi falar que houvesse outros, fora de mim, de meu pai e de minha falecida mãe que Deus haja.

Interrompendo o tabelião, ressoa na porta a voz potente de Josafá. Atravessa o batente, Jarde a reboque:

- Nós temos um papel, lhe mostramos e foi o senhor mesmo quem falou do nome dos livros. Telegrafei para Itabuna ao meu advogado, ontem de manhã, assim dona Antonieta me deu sua palavra. Fui incomodar dona Carmosina em casa dela no dia de ano. Comigo é assim, na rapidez, na cadência grapiúna, não é essa lazeira daqui. Lá, se o fulano dormir no ponto, quando acordar está em sua roça de cacau. Tomara que a fábrica venha logo, para mudar esses usos daqui, para dar pressa ao povo.

- Você teve sorte de dona Antonieta manter a palavra dada por José Esteves. Não fosse assim, muito havia de penar para conseguir comprador e, se conseguisse, o negócio ia se arrastar na malemolência de nossa batida descansada.

O tabelião retira os óculos, limpa-os no lenço, sem pressa, tem todo o tempo do mundo diante de si, prossegue:

- Vou lhe dizer uma coisa, meu amigo. Pode ser que, com a vinda dessa indústria tão falada, meu cartório que é um dos menos rendosos do Estado, aumente o movimento e eu ganhe um pouco mais de dinheiro, de que bem preciso. Contudo, prefiro que essa tal de Brastânio não se instale aqui. Li o artigo de A Tarde, a carta ao nosso poeta, me arrepiei todo. Antes já tinha ouvido falar na poluição causada pela fábrica de titânio, o comandante me contou do acontecido na Itália ou na França, não me lembro mais. Prefiro nossa cadência, devagar e sempre, a água pura, o bom peixe, os usos daqui – Repondo os óculos, faz um gesto com a mão para impedir qualquer réplica, terminara com aquele assunto: - Vamos à vaca-fria: Bonaparte, tome nota. A Escritura de compra e venda da propriedade de nome…

- Visa Alegre…murmura Jarde, taciturno. No cartório não tem sequer o consolo da visão das mamas de dona Antonieta, opulentas nas rendas abertas do quimono.

Josafá retira do bolso pequena agenda de capa azul, dita medidas, demarcações, datas, números, entrega as públicas formas do inventário dos haveres de dona Gercina da Mata Antunes, reduzidos, aliás a um único bem, a Vista Alegre, plantação de mandioca e milho, criatório de cabras. Bonaparte, filho do doutor Franklin, cabeçorra e baixote, uma pipa de banha, escrivão juramentado, anota os dados, recebe os documentos. Doutor Franklin marca a data da assinatura e do pagamento para daí a três dias; feliz ou infelizmente, caro Josafá, Bonaparte não lavra um termo de compra e venda na cadência grapiúna. Tieta paga o sinal, Josafá trouxe o recibo pronto: a filha sabe onde pisa, não é como o velho tonto a largar dinheiro em mãos alheias recusando comprovante. Tieta guarda o papel, dirige-se ao tabelião:

Minha presença não vai mais ser necessária pois a escritura é passada em nome de Astério e Elisa, são eles que têm de assinar. Me toco amanhã para Mangue Seco, estou dando a última demão de cal na choupana que construí.

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