TIETA DO AGRESTE
Episódio Nº 198
Episódio Nº 198
A referência fetichista denota a estreita ligação do artista com os candomblés, num dos quais concederam-lhe um posto, não sei se de babalorixá ou de iaô. Na segunda entrevista, felicita-se e felicita o povo da cidade da Bahia pelo facto de que, ante a onda de protestos provenientes de todo o país, inclusive de admiradores da beleza de Arembepe do porte de Rubem Braga e Fernando Sabino, a Brastânio parece ter renunciado ao propósito inicial de “cavar em Arembepe seu esgoto de fezes mortais”. Vitória considerável mas, nem por isso, a luta contra a empresa deve sofrer solução de descontinuidade, prosseguindo para impedir que a “indústria assassina se instale em terras da Bahia ou em qualquer outra parte do território brasileiro”.
Entrevista retada, de repercussão garantida, devido à projecção e popularidade do senhor Carybé. Aliás, se até àquele momento apenas Giovanni Guimarães, o prefeito de Estância e o poeta De Matos Barbosa, em dois poemas publicados no Suplemento Literário do mesmo jornal, haviam elevado a voz em defesa de Agreste, do rio Real, da costa de Mangue Seco, dos município vizinhos, os protestos contra a instalação da fábrica em Arembepe sucediam-se cada vez mais numerosos.
Praia de pescadores conhecida pela abundância e qualidade da fauna marítima, pela extrema beleza da paisagem, pela quieta e pitoresca aldeia de casario alegre, celebrada em reportagens e artigos no sul do país, tendo servido mais de uma vez de cenário para filmes, proclamada em certo momento e por curto tempo capital dos hipies da América Latina, como lembrou certa feita o comandante Dário, Arembepe teve inúmeros campeões a defender-lhe a beleza e a paz, todos eles importantes, a começar pelo egrégio pintor acima citado.
Por coincidência, trata-se do mesmo dúbio personagem que já cruzou as páginas deste folhetim com o aleivoso intento, coroado de êxito, de adquirir a preço vil, ao ingénuo padre Mariano, a imagem em madeira da Senhora Sant’Ana, obra de santeiro do século XVII, de inestimável valor.
Na ocasião, a quantia paga parecera enorme ao pacato reverendo, que entregou de mão beijada a carcomida santa ao espertalhão. Pobre cura sertanejo! Encheu-se de remorso, anos depois, quando dona Carmosina lhe mostrou numa revista do Rio fotografias em vários ângulos da imagem restaurada, “peça maior na notável colecção de mestre Mirabeau”. Somente então deu-se conta do logro e desde aquele dia passou a existir um segredo tumular entre ele e a agente dos Correios e Telégrafos. Se bem pouco afeita à igreja, proclamando-se ao mesmo tempo agnóstica, incrédula e ateia, prometeu dona Carmosina dar fim ao exemplar da revista e esquecer o incidente, sensível à ignorância artística de um humilde sacerdote perdido nos confins de Judas.
Aproveito para contar haver dona Carmosina respondido ao mural de Ascânio Trindade, pendurado na parede da sala do Conselho Municipal, com outro, maior ainda e mais chamativo, com frases tiradas de todas as matérias aqui citadas e da crónica de Giovanni Guimarães, tudo em letras garrafais. Completado com macabra ilustração: a fumaça amarela saindo das chaminés da Brastânio, pavorosa mancha de dióxido de enxofre a degradar sempre o azul do céu, os efluentes gasosos; rio de peixes mortos no esgoto podre onde escorrem os detritos assassinos do sulfato ferroso e do ácido sulfúrico, os efluentes líquidos – dona Carmosina sabe tudo sobre o dióxido de titânio e sua produção. O coqueiral de Mangue Seco reduzido à miséria tapeta onde uma população de mendigos agoniza asfixiada.
Obra de arte igualmente primitiva ou primária, nada fica a dever à do tesoureiro Lindolfo; ao contrário, a supera, pois, ao realizá-la o artista usou tintas de aguarela e não simples bateria de lápis de cor. Trabalho de Seixas, amador que, nas horas vagas deixadas pelo bilhar e pelas primas – e pela repartição, acrescentamos, onde ele faz diário acto de presença – pinta seus quadrinhos em segredo para evitar a gozação da malta. Segredo, é claro, do conhecimento de dona Carmosina.
Colocado entre as duas portas de entrada do Areópago, o jornal mural de dona Carmosina, em cujo centro estão a crónica de Giovanni Guimarães, os dois Poemas da Maldição do vate Barbozinha, glória local, e o retrato do pintor Carybé, glória nacional, é muito mais lido e comentado do que o de Ascânio Trindade, posto na sala da Câmara Municipal – a frequência de público às duas repartições não admite termo de comparação. Na Prefeitura aparece apenas quem tem assunto a tratar, pedido a fazer; ali se vai exclusivamente por necessidade ou obrigação. À agência dos Correios vai-se por necessidade e prazer, para bater papo, ouvir os notáveis em erudito cavaco, informar-se do que ocorre pelo mundo, as poucas alegrias, as desgraças tantas, os perigos inúmeros.
Entrevista retada, de repercussão garantida, devido à projecção e popularidade do senhor Carybé. Aliás, se até àquele momento apenas Giovanni Guimarães, o prefeito de Estância e o poeta De Matos Barbosa, em dois poemas publicados no Suplemento Literário do mesmo jornal, haviam elevado a voz em defesa de Agreste, do rio Real, da costa de Mangue Seco, dos município vizinhos, os protestos contra a instalação da fábrica em Arembepe sucediam-se cada vez mais numerosos.
Praia de pescadores conhecida pela abundância e qualidade da fauna marítima, pela extrema beleza da paisagem, pela quieta e pitoresca aldeia de casario alegre, celebrada em reportagens e artigos no sul do país, tendo servido mais de uma vez de cenário para filmes, proclamada em certo momento e por curto tempo capital dos hipies da América Latina, como lembrou certa feita o comandante Dário, Arembepe teve inúmeros campeões a defender-lhe a beleza e a paz, todos eles importantes, a começar pelo egrégio pintor acima citado.
Por coincidência, trata-se do mesmo dúbio personagem que já cruzou as páginas deste folhetim com o aleivoso intento, coroado de êxito, de adquirir a preço vil, ao ingénuo padre Mariano, a imagem em madeira da Senhora Sant’Ana, obra de santeiro do século XVII, de inestimável valor.
Na ocasião, a quantia paga parecera enorme ao pacato reverendo, que entregou de mão beijada a carcomida santa ao espertalhão. Pobre cura sertanejo! Encheu-se de remorso, anos depois, quando dona Carmosina lhe mostrou numa revista do Rio fotografias em vários ângulos da imagem restaurada, “peça maior na notável colecção de mestre Mirabeau”. Somente então deu-se conta do logro e desde aquele dia passou a existir um segredo tumular entre ele e a agente dos Correios e Telégrafos. Se bem pouco afeita à igreja, proclamando-se ao mesmo tempo agnóstica, incrédula e ateia, prometeu dona Carmosina dar fim ao exemplar da revista e esquecer o incidente, sensível à ignorância artística de um humilde sacerdote perdido nos confins de Judas.
Aproveito para contar haver dona Carmosina respondido ao mural de Ascânio Trindade, pendurado na parede da sala do Conselho Municipal, com outro, maior ainda e mais chamativo, com frases tiradas de todas as matérias aqui citadas e da crónica de Giovanni Guimarães, tudo em letras garrafais. Completado com macabra ilustração: a fumaça amarela saindo das chaminés da Brastânio, pavorosa mancha de dióxido de enxofre a degradar sempre o azul do céu, os efluentes gasosos; rio de peixes mortos no esgoto podre onde escorrem os detritos assassinos do sulfato ferroso e do ácido sulfúrico, os efluentes líquidos – dona Carmosina sabe tudo sobre o dióxido de titânio e sua produção. O coqueiral de Mangue Seco reduzido à miséria tapeta onde uma população de mendigos agoniza asfixiada.
Obra de arte igualmente primitiva ou primária, nada fica a dever à do tesoureiro Lindolfo; ao contrário, a supera, pois, ao realizá-la o artista usou tintas de aguarela e não simples bateria de lápis de cor. Trabalho de Seixas, amador que, nas horas vagas deixadas pelo bilhar e pelas primas – e pela repartição, acrescentamos, onde ele faz diário acto de presença – pinta seus quadrinhos em segredo para evitar a gozação da malta. Segredo, é claro, do conhecimento de dona Carmosina.
Colocado entre as duas portas de entrada do Areópago, o jornal mural de dona Carmosina, em cujo centro estão a crónica de Giovanni Guimarães, os dois Poemas da Maldição do vate Barbozinha, glória local, e o retrato do pintor Carybé, glória nacional, é muito mais lido e comentado do que o de Ascânio Trindade, posto na sala da Câmara Municipal – a frequência de público às duas repartições não admite termo de comparação. Na Prefeitura aparece apenas quem tem assunto a tratar, pedido a fazer; ali se vai exclusivamente por necessidade ou obrigação. À agência dos Correios vai-se por necessidade e prazer, para bater papo, ouvir os notáveis em erudito cavaco, informar-se do que ocorre pelo mundo, as poucas alegrias, as desgraças tantas, os perigos inúmeros.
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