domingo, agosto 23, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 213








DE COMO UM PERSONAGEM ATÉ AGORA SECUNDÁRIO DESEMBARCA NA MARINETE DE JAIRO DECLARANDO-SE ANTUNES E HERDEIRO; NO QUAL SE FAZ IGUALMENTE REFERÊNCIA ÀS ASPIRAÇÕES SECRETAS DE FIDÉLIO E A UM GRANDE PLANO DE AMINTHAS.


Enganava-se o optimista Josafá ao afirmar que as outras partes ainda não haviam constituído advogado. Na mesma tarde daquela conversa, para ser exacto, no começo da noite., atraso devido a entupimento do carburador, desembarcaram da marinete dois outros bacharéis e ocuparam aposentos na pensão de dona Amorzinho, aliás os últimos quartos vagos, transformando-a num repositório de cultura jurídica, dando lugar e validade à gozação de Aminthas acerca do Congresso de Mestres de Direito.

A presença simultânea nas ruas de Agreste de três cultores das ciências legais, aves raras em terras do município há muitos e muitos anos – o único bacharel em direito a viver na cidade era o doutor Franklin; exercendo função pública, nunca praticara a advocacia – colocou em evidência a abundância de problemas provenientes da simples possibilidade de instalação, em comuna pobre e atrasada, de indústrias, poluidoras ou não. Não existe indústria que não seja poluidora, seu ignorante. Viram? Já começa a discussão!

Dando razão aos que defendem o progresso a todo o custo, imediatamente as terras se valorizaram uma enormidade. Senão as de todo o município, pelo menos as das margens do rio, próximas ao coqueiral de Mangue Seco, local previsto para a construção do complexo industrial da Brastânio. Especulação nascida de uma onda de boatos, anunciando o interesse de várias e diferentes fábricas que viriam a transformar em realidade aquele pólo industrial referido por Ascânio Trindade em histórico discurso quando da inauguração dos melhoramentos da Praça do Curtume (Praça Modesto Pires, a população não se habitua aos novos nomes).

A discutida propriedade do coqueiral, que trouxera à cidade o ilustre doutor Marcolino Pitombo com a bengala de castão de ouro, a astúcia e a envolvente simpatia, trouxe também o emproado doutor Baltazar Moreira e o galante doutor Gustavo Galvão, pelo qual suspiraram as moças do lugar.

Doutor Baltazar Moreira, gordo, respeitável papada, voz grave, estampa arrogante, veio de Feira de Sant’Ana a chamada de dona Carlota Antunes Alves – assim se passara a se assinar, com nome completo. Quem diz dona Carlota quer dizer Modesto Pires, a quem ela se associara, não tendo dinheiro com que sustentar causa na justiça. A Escola Ruy Barbosa, onde aprendem as primeiras letras os filhos dos abastados, rende-lhe o necessário para viver e a prudente professora não se dispõe a negociar sua casa própria para pagar advogado. Alguns amigos apontaram-lhe o exemplo de Jarde e Josafá, que se desfizeram de terras e rebanho; ela, porém, manteve-se firme. Mas tendo sido procurada por Modesto Pires, entrara em acordo com o dono do curtume sobre despesas e lucros. Em caso de lucros, o usurário ficaria com a parte de leão; em troca, concorreria com as despesas. De qualquer maneira, para dona Carlota, bom negócio: aquelas terras semi-alagadas do coqueiral jamais lhe haviam rendido um único tostão. Nem ao menos sabia possuir direitos sobre elas. Fora o doutor Franklin – grato à professora paciente, capaz de interessar Bonaparte no abc e na tabuada e de lhe dotar aquela caligrafia extraordinária – quem a informara, exibindo-lhe a vetusta escritura. Não o houvesse feito, dona Carlota
continuaria a ignorar.

Site Meter