TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 225
EPISÓDIO Nº 225
SEGUNDO EPISÓDIO DA ESTADA DE ASCÂNIO NA CAPITAL OU DA FORMAÇÂO DE UM DIRIGENTE A SERVIÇO DO PROGRESSO: AMBINÇÃO; IDEALISMO, UISQUE E NILSA, A DOS PEITOS GRANDES
De prontidão desde as nove e meia, á espreita, Ascânio se aproxima quando o grupo sai do elevador. Apressado, um dos senhores passa diante dele, desaparece num dos dois automóveis negros. Ascânio jamais ficou a saber de quem se tratava, se director ou não da Brastânio, notando apenas, de relance, o cabelo escovado á escovinha como se usou há muito tempo atrás. Doutor Mirko Stefano apresenta-lhe os outros dois, ali mesmo ao pé. A cerimónia dura apenas um instante pois estão de partida para o aeroporto, em cima da hora.
- Doutor Ângelo Bardi, nosso director-presidente.
O magnata – evidentemente era um magnata – estende a mão, esboça um sorriso:
- É esse o nosso homem? Muito bem – O sorriso se amplia, aprovativo, recomenda ao Magnífico: - Encarreguem-se de que nada lhe falte, resolva de vez os problemas pendentes, veja essa história da eleição. Falei ontem pelo telefone com São Paulo. A essas horas, o Tribunal Eleitoral já deve ter recebido um telegrama – Aperta novamente a mão de Ascânio: - Prazer, passe bem.
O outro, ainda jovem – doutor Rosalvo Lucena, também director, um crânio, segundo doutor Mirko – fica de vê-lo com mais tempo ao voltar do aeroporto para onde seguem todos, inclusive o Magnífico Doutor. Ascânio os acompanha até á porta, assiste á partida dos dois possantes automóveis negros.
Outra vez encontra-se no saguão sumptuoso, sem saber o que fazer. Turistas saem para visitar as igrejas, o Pelourinho, gastar dinheiro no Mercado Modelo, bandos palradores e eufóricos, velhas espantosas, anciãos artríticos, balzaquianas indóceis, moças deslumbradas. Ascânio afunda numa das muitas poltronas de couro, dedica-se à leitura de um prospecto de propaganda do hotel, impresso em cinco línguas, fica sabendo que o design daquela poltrona e dos demais móveis foram concebidos, sob encomenda, com exclusividade, por Leo Smarchewski – não sabe quem seja mas o nome do artista e a palavra design o impressionam. Relanceia o olhar em torno, enfia o prospecto no bolso, pensa exibi-lo no Aerópago. Ultimamente nem tem comparecido á Agência dos Correios. Para quê? Para ouvir desaforos de dona Carmosina? Vai estender a mão para um jornal quando Patrícia aparece – deixara-o por volta das oito, após café e ducha – pendurada no braço de um dos três fulanos que, na véspera, estiveram bebericando com o Magnífico á beira da piscina. Dessa vez houve apresentações:
- Doutor Ascânio Trindade, um amigo do doutor Mirko. Ismael Julião, o temido colunista dos grandes furos, com ele ninguém pode – declama, gaiata, conclui séria: - Meu noivo.
Estava Ascânio apertando a mão do rapaz, toma um susto. Noivo? Com certeza mais uma piada da jovem, mas Pat, muito romântica, encosta a cabeça no ombro do jornalista de barba por fazer, enfia-lhe os dedos na despenteada cabeleira e, como se adivinhasse a dúvida de Ascânio, comunica:
- Vamos nos casar daqui a pouco mais de um mês.
- Dois, benzoca. Depois do Carnaval – Adverte Ismael: - Lua-de-mel e Carnaval, ao mesmo tempo, não dá pé.
- Carnaval, cada qual para seu lado – concorda Pat – Ele é dos Internacionais, eu sou do Bloco do Jacu.
Ascânio não entende a graça nem ela explica, em compensação convida:
- Vá botar uma sunga e venha fazer um relax na piscina com a gente.
Doutor Mirko não vai aparecer antes do meio-dia, isso se vier directamente do aeroporto para aqui. Com ele nunca se sabe.
- Je suis l’imprevisible! – O jornalista imita a voz afectada do director de relações públicas.
É que eu não trouxe calção – Ascânio tenta furtar-se ao convite.
- Por isso não. Aqui alugam, venha comigo, vou lhe mostrar. – Pisca o olho para o noivo: - Te encontro no trampolim, carinho.
- É seu noivo, de verdade? – Ascânio ainda se imagina vítima de um gracejo.
- Havia de ser mentira? Já tenho o vestido de noiva, presente do Magnífico. Ele trouxe do Rio, da Lais Modas, um barato! A grinalda é um luxo, só vendo.
- Véu e grinalda! – Nascida do espanto, a exclamação sai sem ele querer. Pat, ri bem humorada:
- Véu, grinalda e flores de laranjeira, ao som da Marcha Nupcial, adoro!
Tu é um atrasado, neném, um careta. Um careta mas um pão, um pão doce. Ismael também é um pão, não acha? Um pedaço de mulato de ninguém botar defeito, hein? – Morde o beiço, ao elogiar os predicados físicos do rapaz:
- E tem a cuca limpa, não é cafona como você. Nós estamos em 1966, neném. Ou a notícia ainda não chegou à tua terra? Precisas actualizar o calendário.
De prontidão desde as nove e meia, á espreita, Ascânio se aproxima quando o grupo sai do elevador. Apressado, um dos senhores passa diante dele, desaparece num dos dois automóveis negros. Ascânio jamais ficou a saber de quem se tratava, se director ou não da Brastânio, notando apenas, de relance, o cabelo escovado á escovinha como se usou há muito tempo atrás. Doutor Mirko Stefano apresenta-lhe os outros dois, ali mesmo ao pé. A cerimónia dura apenas um instante pois estão de partida para o aeroporto, em cima da hora.
- Doutor Ângelo Bardi, nosso director-presidente.
O magnata – evidentemente era um magnata – estende a mão, esboça um sorriso:
- É esse o nosso homem? Muito bem – O sorriso se amplia, aprovativo, recomenda ao Magnífico: - Encarreguem-se de que nada lhe falte, resolva de vez os problemas pendentes, veja essa história da eleição. Falei ontem pelo telefone com São Paulo. A essas horas, o Tribunal Eleitoral já deve ter recebido um telegrama – Aperta novamente a mão de Ascânio: - Prazer, passe bem.
O outro, ainda jovem – doutor Rosalvo Lucena, também director, um crânio, segundo doutor Mirko – fica de vê-lo com mais tempo ao voltar do aeroporto para onde seguem todos, inclusive o Magnífico Doutor. Ascânio os acompanha até á porta, assiste á partida dos dois possantes automóveis negros.
Outra vez encontra-se no saguão sumptuoso, sem saber o que fazer. Turistas saem para visitar as igrejas, o Pelourinho, gastar dinheiro no Mercado Modelo, bandos palradores e eufóricos, velhas espantosas, anciãos artríticos, balzaquianas indóceis, moças deslumbradas. Ascânio afunda numa das muitas poltronas de couro, dedica-se à leitura de um prospecto de propaganda do hotel, impresso em cinco línguas, fica sabendo que o design daquela poltrona e dos demais móveis foram concebidos, sob encomenda, com exclusividade, por Leo Smarchewski – não sabe quem seja mas o nome do artista e a palavra design o impressionam. Relanceia o olhar em torno, enfia o prospecto no bolso, pensa exibi-lo no Aerópago. Ultimamente nem tem comparecido á Agência dos Correios. Para quê? Para ouvir desaforos de dona Carmosina? Vai estender a mão para um jornal quando Patrícia aparece – deixara-o por volta das oito, após café e ducha – pendurada no braço de um dos três fulanos que, na véspera, estiveram bebericando com o Magnífico á beira da piscina. Dessa vez houve apresentações:
- Doutor Ascânio Trindade, um amigo do doutor Mirko. Ismael Julião, o temido colunista dos grandes furos, com ele ninguém pode – declama, gaiata, conclui séria: - Meu noivo.
Estava Ascânio apertando a mão do rapaz, toma um susto. Noivo? Com certeza mais uma piada da jovem, mas Pat, muito romântica, encosta a cabeça no ombro do jornalista de barba por fazer, enfia-lhe os dedos na despenteada cabeleira e, como se adivinhasse a dúvida de Ascânio, comunica:
- Vamos nos casar daqui a pouco mais de um mês.
- Dois, benzoca. Depois do Carnaval – Adverte Ismael: - Lua-de-mel e Carnaval, ao mesmo tempo, não dá pé.
- Carnaval, cada qual para seu lado – concorda Pat – Ele é dos Internacionais, eu sou do Bloco do Jacu.
Ascânio não entende a graça nem ela explica, em compensação convida:
- Vá botar uma sunga e venha fazer um relax na piscina com a gente.
Doutor Mirko não vai aparecer antes do meio-dia, isso se vier directamente do aeroporto para aqui. Com ele nunca se sabe.
- Je suis l’imprevisible! – O jornalista imita a voz afectada do director de relações públicas.
É que eu não trouxe calção – Ascânio tenta furtar-se ao convite.
- Por isso não. Aqui alugam, venha comigo, vou lhe mostrar. – Pisca o olho para o noivo: - Te encontro no trampolim, carinho.
- É seu noivo, de verdade? – Ascânio ainda se imagina vítima de um gracejo.
- Havia de ser mentira? Já tenho o vestido de noiva, presente do Magnífico. Ele trouxe do Rio, da Lais Modas, um barato! A grinalda é um luxo, só vendo.
- Véu e grinalda! – Nascida do espanto, a exclamação sai sem ele querer. Pat, ri bem humorada:
- Véu, grinalda e flores de laranjeira, ao som da Marcha Nupcial, adoro!
Tu é um atrasado, neném, um careta. Um careta mas um pão, um pão doce. Ismael também é um pão, não acha? Um pedaço de mulato de ninguém botar defeito, hein? – Morde o beiço, ao elogiar os predicados físicos do rapaz:
- E tem a cuca limpa, não é cafona como você. Nós estamos em 1966, neném. Ou a notícia ainda não chegou à tua terra? Precisas actualizar o calendário.
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