terça-feira, setembro 08, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 227




- Sim, esperamos ser úteis à sua região. Pensamos dar a maior cobertura, em todos os sentidos às iniciativas que o senhor vier a tomar para levantar a economia e a cultura de Agreste. Infelizmente subsistem no Brasil grandes desníveis regionais, perduram ilhas de pobreza e atraso. Precisamos de modificar rapidamente este panorama, liquidar tais diferenças, entraves no caminho do desenvolvimento do país – Bate com a mão na coxa de Ascânio num gesto amigável – Homens como o senhor são preciosos para a comunidade. Nossa obrigação de idealistas é dar-lhes todo o apoio de que venham a necessitar. Porque o senhor também é um idealista e o nosso ideal é comum, é o progresso!

Expressa essas brilhantes considerações, quase um discurso, com naturalidade, em tom de conversa mas de conversa convincente, ao mesmo tempo a que atende a uma loira e a uma morena, ambas de biquini, cada uma sentada sobre os largos braços da cómoda cadeira de desenho moderno – desenho igualmente do citado Lew. A voz modulada e segura, a pronúncia clara, sem hesitação, não se modifica sequer ao reclamar do garçon a qualidade do uísque contido numa requintada garrafa de tons verdes, feita de reentrâncias e saliências. Tendo se servido e provado, Rosalvo Lucena deixa escapar educada porém viva indignação: uísque mais falsificado, que horror! Chama a atenção do Magnífico: é sempre assim, bebida servida em garrafa de cristal, semelhante escultura, bela e anónima não presta jamais, torpe engodo. Entre suas várias competências, o jovem tecnocrata inclui conhecimento profundo daquele sublime licor escocês, o único verdadeiro néctar dos deuses, em sua opinião. Da qual o doutor Mirko discorda: gosta de uísque mas prefere um vinho francês de qualidade, nada se compara a uma boa champanhota. Qual a opinião do amigo Ascânio? Não tem uma opinião formada, pouco sabe de uísque, menos ainda de champanha.

Rosalvo Lucena devolve ao garçon o copo cheio e a garrafa verde:

- Jogue essa porcaria fora, companheiro, traga outro copo. Quanto à garrafa diga ao barman para guardá-la para um bêbado qualquer que não saiba distinguir uísque verdadeiro do falsificado. Quero scotch e não esse vomitório. Traga-me uma garrafa de Chivas, fechada, para examiná-la e abrir aqui. E diga que vou me queixar ao maître dessa falta de respeito.

A tranquilidade e a desenvoltura com que Rosalvo fala do desenvolvimento do país e repudia o uísque conspurcado enchem Ascânio de admiração, culminando quando o ouve comentar:

- Repare, Mirko, com que prazer teu amigo Ismael saboreia essa zurrapa. Esse tem estômago para tudo. Repugnante!

Estômago e testa, pensa Ascânio, chifrudo antes de casar-se, ciente, sem dúvida, das distracções da noiva; quem sabe, conivente. Mais que repugnante, abjecto!

O barman chega aflito, na mão a garrafa pedida, na boca desculpas humildes: se soubesse que era para a mesa do doutor… Afável e generoso, Rosalvo Lucena o despacha em paz, nada dirá ao maître.

Anima-se Ascânio e felicita o empresário pela entrevista magnífica com a qual arrasara o cronista de A Tarde, Giovanni Guimarães, possibilitando o esclarecimento da população do Agreste, afectada com a Carta ao Poeta De Matos Barbosa. É que esse tal de Giovanni andara, há alguns anos, de visita à cidade, fizera amizades, gozava de certo prestígio. Rosalvo responde, enquanto examina a garrafa de Chivas, antes de aprová-lo e ele próprio abri-la, servir-se e servir o Magnífico, a Ascânio e a uma das moças, a outra prefere Compari:

- Giovanni? Um bom rapaz, inteligente, engraçado, sabe escrever. Mas nunca passará de um jornalista provinciano, com o seu empreguinho público e salário de repórter. Não tem estofo para mais. Faltam-lhe ambição e idealismo – Prova a bebida, repete o trago: - Isso, sim, é uísque – Pousa os olhos em Ascânio, toca-lhe novamente a coxa para chamar a sua atenção para a importância do que vai dizer: - Sem idealismo e sem ambição, meu caro, ninguém pode ir adiante. Um ideal elevado: ser alguém na vida, um construtor de progresso. Servido pela ambição. A ambição é a mola do mundo.

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