quinta-feira, setembro 10, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 229






DAS CONTROVERTIDAS OCORRÊNCIAS DE MANGUE SECO, CAPÍTULO NO QUAL SE TEM NOTÍCIA DE VIGOROSO MOVIMENTO DE MASSAS TRABALHADORAS (EM TERMOS) E POPULARES, FORNECENDO-SE ASSIM A ESTE FOLHETIM INDISPENSÀVEL CONOTAÇÃO REIVINDICATIVA E MILITANTE



A gente corre com eles daqui, na primeira vez que aparecerem, ameaçara o jovem seminarista Ricardo em conversa com Tieta, o Comandante e o engenheiro Pedro Palmeira, referindo-se ao pessoal da Brastânio. A frase merecera solidário aperto de mão do engenheiro. Ricardo disse e cumpriu. Viram-no de batina, à frente da massa. Ele e Tieta que se divertiu às pampas. Era como se houvesse voltado à primeira juventude, quando escapulia dos outeiros, deixando as cabras entregues ao bode Inácio, e vinha com algum parceiro, subir as dunas e se misturar à vida dos pescadores.

Ricardo cumpriu o prometido somente em parte, pois os primeiros enviados da Brastânio à região, após a peremptória jura, sobrevoaram a praia e coqueiral de helicóptero, no dia fatídico da morte de Zé Esteves, armados de binóculos, máquinas fotográficas e de filmagem. Mesmo sendo um anjo do Senhor, na opinião praticamente unânime das mulheres de Agreste, em especial daquelas mais chegadas à prática do esporte incomparável, à frente das quais se coloca Tieta por ser quem melhor conhece as qualidades celestiais do sobrinho, ainda assim faltam-lhe asas, se bem lhe sobre o desejo de voar.

Quem sabe, um dia o Senhor lhe concederá essa prerrogativa reservada aos anjos e arcanjos, premiando-lhe a vocação e a sinceridade.

Aquele aperto de mão marcara o início de crescente amizade entre o engenheiro e o seminarista; a diferença de idade – doze anos – não impediu que as relações se tornassem fraternas, consolidadas nos babas em companhia dos moleques da povoação; na travessia da barra para a pesca ao largo: Ricardo conseguira recuperar o molinete do qual Peto se apoderara; em longas conversas, algumas com Frei Timóteo, no arraial do Saco. Antigo dirigente universitário, Pedro actuara no Rio de Janeiro antes de formar-se, de entrar para a Petrobrás e ser mandado para a Bahia onde lhe acontecera a felicidade de conhecer Maria e tê-la por esposa e, em consequência, a infelicidade de conhecer Modesto Pires e tê-lo por sogro. Sabe lá o que é isso, Cardo? Meu sogro é o atraso, o reaccionarismo em pessoa. Há quem tenha o caralho na cabeça, me desculpe a expressão, seu Modesto tem na dele uma nota de mil cruzeiros.

Pedro deleitara-se contando a Ricardo as heróicas trapalhadas das agitações estudantis pelas não perdera o interesse nem mesmo quando, formado, casado, pai de filhos, delas deixara de participar. De longe as acompanha, ajuda com dinheiro, assina protestos. Revela a Ricardo que até seminaristas comparecem às manifestações, envolvem-se em brigas com a polícia.

Iniciaram ampla campanha de esclarecimento junto às massas proletárias – classificação do engenheiro, antigo e dogmático redactor de manifestos – ou seja a dúzia e meia de famílias de pescadores, composta por rudes homens do mar curtidos pela ventania e por moleques bons de nado, pesca e futebol na areia. Um deles, Budião, ponta de lança com pinta de craque, tendo disputado uma partida em Estância, integrando um combinado do Arraial do Saco, foi notado por um dirigente do Sergipe Futebol Clube que lhe propôs mudar-se para Aracajú. Mas quem nasce em Mangue Seco não emigra, não sabe viver longe das vagas sem tamanho e da ventania desabrida.

A pregação ideológica do engenheiro, expondo problemas graves e profundos, imperialismo, colonialismo interno, poluição, ameaça mortal à fauna marítima, apodrecimento das águas a fazer da pesca actividade condenada a desaparecer; denunciando a existência de capitais estrangeiros majoritários na indústria do dióxido de titânio, em realidade entrave e não estímulo ao desenvolvimento do país, canalizando para o estrangeiro lucros imensos, empobrecendo o povo – nada disso, diga-se com tristeza mas a bem da verdade, causou a maior impressão sobre a reduzida massa à qual ele se dirigia, patético, veemente e honrado. Ricardo vibrava, férias
sensacionais: ruem muros diante dele, abrem-se caminhos, Deus o ilumina.

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