TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 233
EPISÓDIO Nº 233
Não tomam o rumo habitual da barra onde a arrebentação, mesmo quando muito forte em dias assim de mau tempo, não oferece maior perigo além do susto. Embicam em direcção aos vagalhões, na esteira do contrabando.
Fazem esse caminho nas noites de tráfico e o fizeram também conduzindo polícias de punhos atados. Um polícia perdera a cabeça de tanto medo, se soltara das mãos que tentaram retê-lo e se atirara à água, os tubarões o estraçalharam num minuto; o sangue durou pouco varrido pelas vagas. Por isso Jonas mandara amarrar os homens uns aos outros em dois grupos, um em cada lancha, e colocou as quatro mulheres sob a ameaça do bastão de Tieta:
-Não se movam cabritas, senão o pau vai cantar.
Nas lanchas ouvem-se gritos, choros, pedidos de socorro, de piedade pelo amor de Deus. Indiferentes os pescadores penetram por entre as ondas descomunais, atravessam no espaço mínimo onde elas se alteiam imensas e se rebentam furiosas contra as dunas. Encharcados, chegam com as embarcações onde só mesmo eles, os ali nascidos e criados, conseguem chegar. Eles e os tubarões.
Erguem os remos, silenciam os motores, estacionam na porta da morte. Lanchas e saveiros rodopiam, sobem e descem, ameaçam virar, emborcar, soçobrar, a duras penas os pescadores mantêm os lemes e o precário equilíbrio.
Os vagalhões tentam atirar os barcos contra as montanhas de areia. Estão diante da morte. Da morte multiplicada, pois os vultos de chumbo se aproximam, sombras sob a água revolta.
De repente um deles salta, não tem tamanho tão grande, eleva-se no ar, a dois metros da lancha comandada por Isaías. Um grito uníssono e o choro das mulheres. Saltam mais três, juntos, e mais dois e outro mais, quantos serão? Abertas em fome as bocas monstruosas, exibindo os dentes pontiagudos, ávidos, sinistros. Jonas é coto de um braço, não precisa contar como o perdeu, todos se dão conta. Ouvem e sentem o baque dos tubarões contra o costado das lanchas. Quanto tempo demoram ali, diante da morte, face a face? Talvez apenas uns minutos, foi uma eternidade, espaço de tempo de pavor abissal.
Kátia grita para o marido: quero morrer contigo e desmaia nos braços de Tieta. Vários vomitaram e pelo menos dois fizeram feio, se borraram. Mesmo os mais valentes entenderam.
Lanchas e saveiros novamente em marcha, rompem os vagalhões, rumam para o largo, os tubarões os acompanham durante certo trecho, ainda na esperança; depois se vão. A chuva cai, começa a lavar o céu. Antes de devolver o comando da lancha e embarcar no saveiro, Jonas eleva a voz mansa e terminante de profeta pobre:
- Não voltem nunca mais e avisem os outros.
A chuva lavou completamente o céu, amansou as ondas, a noite desce leve e cálida, noite para conversa sem compromisso, boas recordações e festejos.
Reunidos em torno às choupanas, sentados na areia, emborcam uns tragos de cachaça. Não se referem ao acontecido, como se nada se houvesse se passado. Apenas o engenheiro ri sozinho; contente, fortalecido em sua confiança nas massas: por um momento duvidara.
Daniel traz a harmónica, Budião é bom de bola e bom de dança; exibe-se com Zilda, sua prometida nos passos do xaxado. O engenheiro rodopia com Marta. Pena seminarista não poder dançar, besteira, não é? Ricardo fita o céu, limpo de nuvens, pontilhado de estrelas: os caminhos do mundo estão abertos à sua frente, sabe do mal e do bem, atravessou a maldição e aprendeu a desejar. Ao lado de Tieta, atento à conversa com Jonas, sente o chamado que dela se evola e o cerca, exigente. Talvez por lhe restar pouco tempo em Agreste, pois partirá após a inauguração da luz nova, a tia o quer junto a ela, em permanência, noite e dia.
Jonas e Tieta recordam tempos passados. Histórias de conflito com a polícia, detalhes, nomes, a valentia do mascate, lembra-se dele, dona Tieta? Era um macho. Na sombra dos cômoros, Tieta enxerga a figura de mascate, aspira na maresia seu cheiro forte de cebola e alho. Morrera de bala, na Vila de Santa Luzia, enfrentando os soldados.
Fazem esse caminho nas noites de tráfico e o fizeram também conduzindo polícias de punhos atados. Um polícia perdera a cabeça de tanto medo, se soltara das mãos que tentaram retê-lo e se atirara à água, os tubarões o estraçalharam num minuto; o sangue durou pouco varrido pelas vagas. Por isso Jonas mandara amarrar os homens uns aos outros em dois grupos, um em cada lancha, e colocou as quatro mulheres sob a ameaça do bastão de Tieta:
-Não se movam cabritas, senão o pau vai cantar.
Nas lanchas ouvem-se gritos, choros, pedidos de socorro, de piedade pelo amor de Deus. Indiferentes os pescadores penetram por entre as ondas descomunais, atravessam no espaço mínimo onde elas se alteiam imensas e se rebentam furiosas contra as dunas. Encharcados, chegam com as embarcações onde só mesmo eles, os ali nascidos e criados, conseguem chegar. Eles e os tubarões.
Erguem os remos, silenciam os motores, estacionam na porta da morte. Lanchas e saveiros rodopiam, sobem e descem, ameaçam virar, emborcar, soçobrar, a duras penas os pescadores mantêm os lemes e o precário equilíbrio.
Os vagalhões tentam atirar os barcos contra as montanhas de areia. Estão diante da morte. Da morte multiplicada, pois os vultos de chumbo se aproximam, sombras sob a água revolta.
De repente um deles salta, não tem tamanho tão grande, eleva-se no ar, a dois metros da lancha comandada por Isaías. Um grito uníssono e o choro das mulheres. Saltam mais três, juntos, e mais dois e outro mais, quantos serão? Abertas em fome as bocas monstruosas, exibindo os dentes pontiagudos, ávidos, sinistros. Jonas é coto de um braço, não precisa contar como o perdeu, todos se dão conta. Ouvem e sentem o baque dos tubarões contra o costado das lanchas. Quanto tempo demoram ali, diante da morte, face a face? Talvez apenas uns minutos, foi uma eternidade, espaço de tempo de pavor abissal.
Kátia grita para o marido: quero morrer contigo e desmaia nos braços de Tieta. Vários vomitaram e pelo menos dois fizeram feio, se borraram. Mesmo os mais valentes entenderam.
Lanchas e saveiros novamente em marcha, rompem os vagalhões, rumam para o largo, os tubarões os acompanham durante certo trecho, ainda na esperança; depois se vão. A chuva cai, começa a lavar o céu. Antes de devolver o comando da lancha e embarcar no saveiro, Jonas eleva a voz mansa e terminante de profeta pobre:
- Não voltem nunca mais e avisem os outros.
A chuva lavou completamente o céu, amansou as ondas, a noite desce leve e cálida, noite para conversa sem compromisso, boas recordações e festejos.
Reunidos em torno às choupanas, sentados na areia, emborcam uns tragos de cachaça. Não se referem ao acontecido, como se nada se houvesse se passado. Apenas o engenheiro ri sozinho; contente, fortalecido em sua confiança nas massas: por um momento duvidara.
Daniel traz a harmónica, Budião é bom de bola e bom de dança; exibe-se com Zilda, sua prometida nos passos do xaxado. O engenheiro rodopia com Marta. Pena seminarista não poder dançar, besteira, não é? Ricardo fita o céu, limpo de nuvens, pontilhado de estrelas: os caminhos do mundo estão abertos à sua frente, sabe do mal e do bem, atravessou a maldição e aprendeu a desejar. Ao lado de Tieta, atento à conversa com Jonas, sente o chamado que dela se evola e o cerca, exigente. Talvez por lhe restar pouco tempo em Agreste, pois partirá após a inauguração da luz nova, a tia o quer junto a ela, em permanência, noite e dia.
Jonas e Tieta recordam tempos passados. Histórias de conflito com a polícia, detalhes, nomes, a valentia do mascate, lembra-se dele, dona Tieta? Era um macho. Na sombra dos cômoros, Tieta enxerga a figura de mascate, aspira na maresia seu cheiro forte de cebola e alho. Morrera de bala, na Vila de Santa Luzia, enfrentando os soldados.
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