quinta-feira, setembro 24, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 241





Pouco habituado à bebida, um tanto eufórico devido ao conhaque e à estima e admiração demonstrada pelo Magnífico Doutor, Ascânio faz-lhe confidências, cita o nome de Leonora, exalta-lhe a beleza, lastima-lhe a fortuna, obstáculo antes intransponível. Agora, quem sabe, prefeito de município industrial e próspero, com o caminho aberto em sua frente, encontrará coragem para lhe falar.

- Ascânio, caríssimo, além de tudo você é um homem de bem. Vai assumir um compromisso comigo; de volta a Agreste o seu primeiro gesto será pedir a mão dessa moça em casamento. Pedir a mão, já não se usa nos dias de hoje. Simplesmente comunique a ela que vocês os dois vão se casar. Por que não no dia da posse? – Levanta o bojudo copo onde o conhaque brilha, ouro e brasa.

- Bebo à felicidade dos noivos.

Ainda bebem à felicidade dos noivos quando o telefone toca. O doutor atende:

- Está de pé, é claro. Daqui a cinco minutos mando levá-lo aí.

Desliga, explica a Ascânio:

- É um jornalista nosso amigo, o mesmo que fez aquela entrevista com o doutor Lucena, que tanto lhe agradou. Ele gostaria de ouvir você sobre Agreste e as perspectivas que a cogitada instalação da Brastânio abre para a região. Se você não vê inconveniente, de nossa parte não temos nada a opor. Assim, você começa a se projectar.

- Inconveniente nenhum. Com prazer.

- Vou mandar lhe levar à redacção do jornal. Quando voltar, me encontre na piscina. Almoçaremos juntos.

Está Ascânio, na porta da suite, saindo, quando o Magnífico doutor lhe recorda:

- Não deixe de repetir aquela frase de ontem, uma beleza! A Brastânio é a redenção de Agreste! Deixou-me com inveja, mon vieux.

Na redacção, o jornalista, o mesmo indivíduo zarolho que no primeiro dia queria obter informações a todo o transe, ao ouvir a frase, pergunta:

- Foi Mirko que soprou essa manchete, não foi?

Ascânio não se ofende, até se sente orgulhoso:

- A frase é minha mas ele disse que gostaria de tê-la pensado.

- Não há quem possa com Mirko, é a velhacaria em pessoa. Outro dia me enrolou, a mim e aos colegas, escondeu a vinda do alemão, mas A Tarde foi na pista e deu o furo. – Suspende os ombros: - Também de que ia adiantar se ele me dissesse? Falava com o homem aí – aponta a porta da sala encimada por uma placa: Direcção – e não saía nada. Quem pode, pode.

Tudo aquilo era latim para Ascânio, não deu trela. Um fotógrafo bateu chapas enquanto conversavam. Respondeu a duas ou três perguntas – no meio de uma delas soltara a frase – o repórter se deu por satisfeito:

- Já tenho o suficiente, o resto deixe por minha conta. Vou aproveitar o carro, dar uma espiada nas fêmeas na piscina, tomar um scotch com o salafrário do Mirko.

No carro informa-se:

- Me diga uma coisa: o mulherio nessa tal praia da sua terra, vale a pena? Dá muita paulista por lá? – Brilha o único olho são, Cupido: - As turistas de São Paulo, meu chapa, já desembarcam do avião abanando o rabo.

Ascânio tem vontade de meter-lhe a mão na cara:

- Em todo o lugar, que eu saiba, existem vagabundas e mulheres direitas. As paulistas que eu conheço são honestas e decentes.

A voz zangada, quase de briga, alarma o jornalista:

- que é isso, bicho, não quis ofender sua parentela. Me refiro a umas quengas que aparecem dando sopa por aqui. Não me leve a mal.

Num dos grandes carros negros, após o almoço, o Magnífico doutor e Bety o acompanham até à estação rodoviária. Ascânio dormirá em Esplanada, em casa de Canuto Tavares e, se a marinete de Jairo se comportar, no dia seguinte, antes da uma, verá Leonora e lhe dirá: eu te amo e quero me casar contigo. Oferecendo-lhe o braço, a caminho do ônibus, Bety se aperta contra ele, carinhosa. Parece ter apreciado a noite passada em sua companhia, se bem que a ela tivessem cabido quase todas as iniciativas. Ao contrário do que pensa Osnar, não é preciso dormir com nenhuma polaca para se saber o que é mulher.

Antes do abraço de despedida, doutor Mirko Stefano, director de relações públicas da Companhia Brasileira de Titânio SA., retira do bolso um saquinho de veludo negro, onde está impresso a letras douradas o nome da Casa Moreira, joalheiros e antiquários de fama e preço:

- A Brastânio pede licença para oferecer o anel de compromisso que amanhã você colocará no dedo de sua noiva, a quem espero ter o prazer de conhecer dentro de poucos dias quando voltar a Agreste.

No ônibus, Ascânio não resiste, desata o cordão, abre o saquinho, retira pequeno estojo que contem antigo anel de ouro com roseta de diamantes, em cuja parte interna tinham sido gravadas as letras L e A, trabalho fino,
peça de gosto e de valor, digna de Leonora. Anel de compromisso.

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