TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 244
EPISÓDIO Nº 244
DE COMO ASCÂNIO TRINDADE, PALMILHANDO VERSOS DO POETA BARBOZINHA, EMBARCA NA ESTEIRA FULVA DE UM COMETA, CAPÍTULO DE UM ROMANTISMO MAIS QUE ATROZ – SILENTE E LÍVIDO
A lua veleja do outro lado do mundo ou descansa no fundo do mar, no negrume da noite, os cômoros são brancos vestidos de noiva cravejados de estrelas reflectidas do céu de Mangue Seco; assim escrevera Barbozinha num dos Poemas de Agreste, recordando o encontro com Tieta. Límpido manto de areia, teu vestido de núpcias, grinalda de estrelas, é desfolhada rosa, noiva dissoluta, abscôndita lua negra – versos antigos, bons de recitativo em festas de outrora. Leonora os lera naqueles dias agoniados quando Ascânio ficara como doido e o sonho ameaçara ruína e término. Para ilustrar o poema de De Matos Barboza, Calasans Neto fincara uma lua negra no abismo do mar, traçara nas dunas um caminho de estrelas para a bem – amada. Um sol azul, uma lua negra, dias e noites de Leonora.
No rio, ruído de motor de popa do barco de Pirica:
- É ele Mãezinha, o coração me diz – Leonora levanta-se, precipita-se para a porta do Curral do Bode Inácio.
Chegara na véspera com o Comandante e dona Laura, atendendo ao recado de Mãezinha: venha ajudar na arrumação. Apesar de alérgica ao cheiro de tinta fresca, Tieta, de tão apressada, mudara-se com as portas verdes ainda recém pintadas. Exibe com orgulho cada cômodo: um ovo, o meu barraco, mas uma graça, não é? Sala, dois quartos, banheiro; agasalhante tem de um tudo, até geladeira movida a querosene. Tieta não fez conta de dinheiro, mandou buscar do bom e do melhor. No domingo, algumas pessoas amigas virão para o almoço e o banho de mar. Os ritos da morte, tão severos em Agreste, não permitem festa de inauguração: apenas uns quantos dias decorreram após o enterro de Zé Esteves, que Deus o tenha em sua guarda. Deus ou o Diabo?
Tieta anda até à porta, abraça Nora pela cintura:
- Aproveita a ocasião, cabrita. Eu vou bater um papo com o Comandante e dona Laura. Se tu está apaixonada de verdade, como tu diz, segura teu bode pelos chifres, arreia as ancas; está chegando o dia da gente ir embora. Toma tento para não subir no mesmo combro que Pedro e Marta, é hora do casal estar lá em cima, dando a deles. Não perdem uma noite.
Abandona Leonora ali, parada, some no escuro em direcção à Toca da Sogra onde brilha a luz de acetileno dos lampiões marítimos do Comandante. Apoia no bordão, não o larga desde a morte do Velho. Ricardo partira para Agreste, deixando-a carente. As noites de sábado para domingo pertencem a Deus. Depois da confissão, à tarde, com frei Timóteo, no arraial do Saco, abstinência total, nem um beijo para remédio. Somente na volta, domingo, após a missa.
Naquele sábado, porém, ele viajara antes da hora habitual, embarcando de madrugada na canoa de Jonas. Deve chegar a Agreste a tempo de comparecer à missa comemorativa do aniversário de Peto, leva presentes de Tieta e Leonora, além de se ter comprometido a ajudar padre Mariano, ela não sabe exactamente em que espécie de cerimónia, não é entendida em coisas de religião.
A sociedade estabelecida entre Tieta e a Santa Madre Igreja para gerir o emprego do tempo de Cardo, bem comum, começa a afectá-la. No auge da paixão, desvairada e possessiva, ela o exige em cada instante, sabendo quanto é breve o prazo que lhe resta junto a seu menino. Capricho igual a esse, xodó tão forte, jamais sentiu em toda a vida, rabicho de cabra velha por cabrito ainda cheirando a leite. Ah!, se a Senhora Sant’Ana aceitasse cedê-lo em regime de dedicação integral, durante aqueles poucos dias, menos de um mês, em troca de uma benfeitoria qualquer na Matriz! Na família Esteves, como se comprova, mercadejar com o Céu torna-se um hábito. Sem possuir os merecimentos de Perpétua, Tieta estaria disposta a pagar caro a essas últimas noites de sábado para domingo, a essas breves horas em que Ricardo cumpre obrigações de levita do Templo.
A lua veleja do outro lado do mundo ou descansa no fundo do mar, no negrume da noite, os cômoros são brancos vestidos de noiva cravejados de estrelas reflectidas do céu de Mangue Seco; assim escrevera Barbozinha num dos Poemas de Agreste, recordando o encontro com Tieta. Límpido manto de areia, teu vestido de núpcias, grinalda de estrelas, é desfolhada rosa, noiva dissoluta, abscôndita lua negra – versos antigos, bons de recitativo em festas de outrora. Leonora os lera naqueles dias agoniados quando Ascânio ficara como doido e o sonho ameaçara ruína e término. Para ilustrar o poema de De Matos Barboza, Calasans Neto fincara uma lua negra no abismo do mar, traçara nas dunas um caminho de estrelas para a bem – amada. Um sol azul, uma lua negra, dias e noites de Leonora.
No rio, ruído de motor de popa do barco de Pirica:
- É ele Mãezinha, o coração me diz – Leonora levanta-se, precipita-se para a porta do Curral do Bode Inácio.
Chegara na véspera com o Comandante e dona Laura, atendendo ao recado de Mãezinha: venha ajudar na arrumação. Apesar de alérgica ao cheiro de tinta fresca, Tieta, de tão apressada, mudara-se com as portas verdes ainda recém pintadas. Exibe com orgulho cada cômodo: um ovo, o meu barraco, mas uma graça, não é? Sala, dois quartos, banheiro; agasalhante tem de um tudo, até geladeira movida a querosene. Tieta não fez conta de dinheiro, mandou buscar do bom e do melhor. No domingo, algumas pessoas amigas virão para o almoço e o banho de mar. Os ritos da morte, tão severos em Agreste, não permitem festa de inauguração: apenas uns quantos dias decorreram após o enterro de Zé Esteves, que Deus o tenha em sua guarda. Deus ou o Diabo?
Tieta anda até à porta, abraça Nora pela cintura:
- Aproveita a ocasião, cabrita. Eu vou bater um papo com o Comandante e dona Laura. Se tu está apaixonada de verdade, como tu diz, segura teu bode pelos chifres, arreia as ancas; está chegando o dia da gente ir embora. Toma tento para não subir no mesmo combro que Pedro e Marta, é hora do casal estar lá em cima, dando a deles. Não perdem uma noite.
Abandona Leonora ali, parada, some no escuro em direcção à Toca da Sogra onde brilha a luz de acetileno dos lampiões marítimos do Comandante. Apoia no bordão, não o larga desde a morte do Velho. Ricardo partira para Agreste, deixando-a carente. As noites de sábado para domingo pertencem a Deus. Depois da confissão, à tarde, com frei Timóteo, no arraial do Saco, abstinência total, nem um beijo para remédio. Somente na volta, domingo, após a missa.
Naquele sábado, porém, ele viajara antes da hora habitual, embarcando de madrugada na canoa de Jonas. Deve chegar a Agreste a tempo de comparecer à missa comemorativa do aniversário de Peto, leva presentes de Tieta e Leonora, além de se ter comprometido a ajudar padre Mariano, ela não sabe exactamente em que espécie de cerimónia, não é entendida em coisas de religião.
A sociedade estabelecida entre Tieta e a Santa Madre Igreja para gerir o emprego do tempo de Cardo, bem comum, começa a afectá-la. No auge da paixão, desvairada e possessiva, ela o exige em cada instante, sabendo quanto é breve o prazo que lhe resta junto a seu menino. Capricho igual a esse, xodó tão forte, jamais sentiu em toda a vida, rabicho de cabra velha por cabrito ainda cheirando a leite. Ah!, se a Senhora Sant’Ana aceitasse cedê-lo em regime de dedicação integral, durante aqueles poucos dias, menos de um mês, em troca de uma benfeitoria qualquer na Matriz! Na família Esteves, como se comprova, mercadejar com o Céu torna-se um hábito. Sem possuir os merecimentos de Perpétua, Tieta estaria disposta a pagar caro a essas últimas noites de sábado para domingo, a essas breves horas em que Ricardo cumpre obrigações de levita do Templo.
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