TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 252
DE COMO O SEMINARISTA RICARDO, PONDO À PROVA (INTENSAMENTE) SUA VOCAÇÃO, COMETE UMA IMPRUDÊNCIA
Ao retirar a alva e a estola, no domingo, após a missa, padre Mariano observa Ricardo movimentando-se na sacristia, transmitindo ordens a Vavá Muriçoca, opinando sobre o inventário encomendado pela Arquidiocese:
- Você hoje não comungou, Ricardo. Por quê?
- Ontem à noite eu pequei, padre, e não tive tempo de me confessar. Discuti com seu Modesto Pires, fiquei com raiva, desfeiteei ele…
- Desfeiteou seu Modesto Pires? Você? – boquiaberto, o reverendo balança a cabeça, incrédulo.
O seu protegido transformou-se durante as férias em Mangue Seco. Ao chegar dos exames ainda era um meninão, de físico avantajado, risonho e afável, preocupado apenas com a pesca e a bola de futebol, quando não estava em casa fazendo banca ou na Matriz ajudando. De repente virara um rapagão, sempre risonho, afável, porém com outros modos e com outro ar., interessando-se por assuntos sérios, vibrando indignado contra a instalação da fábrica de dióxido de titânio, atrevendo-se a discutir com Modesto Pires e a criticá-lo. Que bicho o teria mordido?
- Disse o que pensava dessa fábrica e dos que são a favor dela. Cometi o pecado da ira, padre.
Ao responder, comete o pecado da mentira. Trocara realmente umas palavras com Modesto Pires mas sem chegar ao insulto. Ao desrespeito, certamente: menos pela agressiva conversa na rua do que pela discreta actividade no cinema; ao lembrar-se, sente um arrepio de prazer. Aconteceram pecados, sim, a impedir a comunhão, porém à tarde e à noite, os da carne; na torre da igreja, no escuro do cinema, nas ribanceiras do rio. O padre sente a transformação ocorrida mas não sabe quanto mudou o compasso da vida do seu pupilo. Envolvido num turbilhão de acontecimentos, Ricardo põe à prova a sua vocação, atravessa um caminho de luz e trevas. Ah!, padre, não queira saber que bicho o mordeu!
- Tem-se confessado com Frei Timóteo? Ele continua seu director espiritual?
- Sim, Padre. Está passando o verão no arraial.
- E como vai esse santo varão? Sempre delicado de saúde?
- Diz que na praia tem melhorado.
- Deus o conserve. É um luminar da igreja.
Padre Mariano repete o que ouve dizer em Aracaju e em Salvador. Todos louvam as virtudes e o saber do frade, mesmo quando discordam das suas teses, Ricardo aprova o elogio com entusiasmo, por sabê-lo merecido. Frei Timóteo lhe revelou a existência de realidades e problemas sobre os quais padre Mariano nunca lhe falara, certamente por jamais ter reflectido neles. Deu-lhe nova compreensão dos deveres do sacerdócio, cujos limites não se restringem ás obrigações do culto, cumpridas com rigor pelo padre do Agreste. Aproximara-o de Deus.
No seminário Ricardo concebera um Deus terrível e abstrato, desligado da vida e dos homens, a quem se é obrigado a servir para não sofrer as penas do inferno durante a eternidade. O Deus de Frei Timóteo participa da vida, compreende os problemas dos homens, entre familiar e concreto, amorável. As palavras das orações, repetidas no seminário, soavam ocas, agora ele aprendeu sua significação real, com o Franciscano. Amantíssimo coração, por exemplo: Deus é amor e paz, disse-lhe o velho monge. Quando Ricardo se julgara indigno de continuar aspirando ao sacerdócio por haver pecado, o frade aconselhara:
- Você ainda tem tempo de sobra para provar sua vocação, antes de se decidir. Se o mundo se impuser, escolha outro ofício, sirva a Deus como um simples cristão, nem por não usar batina e não dizer missa, será menor seu merecimento. Caso sua vocação permaneça viva e você a sinta como uma exigência interior, então prossiga de batina, cumpra seu destino e a lei de Deus. Mas nunca tenha medo, não fuja, não se esconda nem se negue. Amantíssimo é o coração de Deus.
EPISÓDIO Nº 252
DE COMO O SEMINARISTA RICARDO, PONDO À PROVA (INTENSAMENTE) SUA VOCAÇÃO, COMETE UMA IMPRUDÊNCIA
Ao retirar a alva e a estola, no domingo, após a missa, padre Mariano observa Ricardo movimentando-se na sacristia, transmitindo ordens a Vavá Muriçoca, opinando sobre o inventário encomendado pela Arquidiocese:
- Você hoje não comungou, Ricardo. Por quê?
- Ontem à noite eu pequei, padre, e não tive tempo de me confessar. Discuti com seu Modesto Pires, fiquei com raiva, desfeiteei ele…
- Desfeiteou seu Modesto Pires? Você? – boquiaberto, o reverendo balança a cabeça, incrédulo.
O seu protegido transformou-se durante as férias em Mangue Seco. Ao chegar dos exames ainda era um meninão, de físico avantajado, risonho e afável, preocupado apenas com a pesca e a bola de futebol, quando não estava em casa fazendo banca ou na Matriz ajudando. De repente virara um rapagão, sempre risonho, afável, porém com outros modos e com outro ar., interessando-se por assuntos sérios, vibrando indignado contra a instalação da fábrica de dióxido de titânio, atrevendo-se a discutir com Modesto Pires e a criticá-lo. Que bicho o teria mordido?
- Disse o que pensava dessa fábrica e dos que são a favor dela. Cometi o pecado da ira, padre.
Ao responder, comete o pecado da mentira. Trocara realmente umas palavras com Modesto Pires mas sem chegar ao insulto. Ao desrespeito, certamente: menos pela agressiva conversa na rua do que pela discreta actividade no cinema; ao lembrar-se, sente um arrepio de prazer. Aconteceram pecados, sim, a impedir a comunhão, porém à tarde e à noite, os da carne; na torre da igreja, no escuro do cinema, nas ribanceiras do rio. O padre sente a transformação ocorrida mas não sabe quanto mudou o compasso da vida do seu pupilo. Envolvido num turbilhão de acontecimentos, Ricardo põe à prova a sua vocação, atravessa um caminho de luz e trevas. Ah!, padre, não queira saber que bicho o mordeu!
- Tem-se confessado com Frei Timóteo? Ele continua seu director espiritual?
- Sim, Padre. Está passando o verão no arraial.
- E como vai esse santo varão? Sempre delicado de saúde?
- Diz que na praia tem melhorado.
- Deus o conserve. É um luminar da igreja.
Padre Mariano repete o que ouve dizer em Aracaju e em Salvador. Todos louvam as virtudes e o saber do frade, mesmo quando discordam das suas teses, Ricardo aprova o elogio com entusiasmo, por sabê-lo merecido. Frei Timóteo lhe revelou a existência de realidades e problemas sobre os quais padre Mariano nunca lhe falara, certamente por jamais ter reflectido neles. Deu-lhe nova compreensão dos deveres do sacerdócio, cujos limites não se restringem ás obrigações do culto, cumpridas com rigor pelo padre do Agreste. Aproximara-o de Deus.
No seminário Ricardo concebera um Deus terrível e abstrato, desligado da vida e dos homens, a quem se é obrigado a servir para não sofrer as penas do inferno durante a eternidade. O Deus de Frei Timóteo participa da vida, compreende os problemas dos homens, entre familiar e concreto, amorável. As palavras das orações, repetidas no seminário, soavam ocas, agora ele aprendeu sua significação real, com o Franciscano. Amantíssimo coração, por exemplo: Deus é amor e paz, disse-lhe o velho monge. Quando Ricardo se julgara indigno de continuar aspirando ao sacerdócio por haver pecado, o frade aconselhara:
- Você ainda tem tempo de sobra para provar sua vocação, antes de se decidir. Se o mundo se impuser, escolha outro ofício, sirva a Deus como um simples cristão, nem por não usar batina e não dizer missa, será menor seu merecimento. Caso sua vocação permaneça viva e você a sinta como uma exigência interior, então prossiga de batina, cumpra seu destino e a lei de Deus. Mas nunca tenha medo, não fuja, não se esconda nem se negue. Amantíssimo é o coração de Deus.
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