TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 258
- Volta-lhe a vivacidade no impacto da estupefaciente revelação, súbita revelação de navegador perdido ao avistar terra longínqua e ignota – Nunca me passou pela cabeça. Nem acredito.
Na cama, nas noites de fornicação, na hora final, a mão do marido roça-lhe as ancas, a medo; somente agora Elisa empresta significação e valor ao hesitante gesto. Dona Carmosina sente vontade de lhe revelar que, por ocasião do noivado e do casamento, a cidade unânime atribuíra à forma sumptuosa e exuberante dos quadris de Elisa a desvairada paixão de Astério. Mas conteve-se pois seu objectivo é animar a amiga, fazê-la reviver, superando a decepção sofrida e não lhe fornecer novos motivos de desgosto e revolta contra Agreste.
Retorna aos detalhes da festa de Peto:
- Aminthas me contou que a festa foi um barato. Barbozinha, velho sem vergonha, fez um soneto louvando as qualidades de Zuleika, a papa – meninos. Barbozinha é um poeta de verdade, enfrenta qualquer tema e se sai bem de todos – Elogia com uma ponta de inveja; a construção de um verso custa esforço e vigília a dona Carmosina, enquanto Barbozinha, com a maior facilidade, rima jovem canhestro com jovem destro, pudicícia com malícia, coloca o cabaço (de Peto) no regaço (de Zuleika).
Mas Elisa permanece na surpresa da revelação dos destemperos (ou temperos) do marido:
- Farrista e ainda por cima tarado. Em casa todo ao contrário.
Tu é a esposa dele, Astério te respeita. Assim age um bom marido.
Não escapa a dona Carmosina o muxoxo de desagrado a marcar o lábio de Elisa, demonstração de desprezo e repúdio aos hábitos do sertão. Com o que, se dá por convencida: Astério jamais usara Elisa por detrás como certamente desejaria fazê-lo. Mais forte que o desejo, impunha-se a lei não escrita mas gravada dentro de cada um. Esposa é dona de casa, a mãe dos filhos, com quem se cumpre os deveres matrimoniais na contenção e no respeito. Para o prazer, os requintes, os desvarios, estão as putas na pensão de Zuleika.
Não é por acaso que Elisa se sente frustrada e sonha ir-se embora. Em São Paulo, terra civilizada, os hábitos são outros, o código feudal não prevalece. Quem sabe, lá Astério aprenderia que esposa é mulher igual a qualquer outra, na cama deseja incontinência de macho e não respeito de marido. Caso não aprendesse, então…
Mas Tieta é sábia, advinha as intenções mais recônditas, e boa irmã, defende o lar e a tranquilidade de Elisa e de Astério. Cabe a Elisa conformar-se, buscar motivo de alegria na residência nova e confortável, para a qual se mudará no dia seguinte, na segurança dada pelas terras e cabras da Vista alegre, não se enterrar no desgosto, reencontrar o equilíbrio. Mirar-se no exemplo dela própria, Carmosina.
Muito maiores são seus motivos para sentir-se carente, frustrada, amarga, odiando os homens e a vida. Nem sequer o limitado prazer concedido às esposas pelos maridos respeitosos, nem esse teve. Nem marido, nem noivo, namorado ou amante. Virgem, incólume, total e completamente. Não mereceu palavras de amor, nem ousadias. Ninguém a quis, ninguém lhe pediu nem lhe propôs. Contudo, não vive em desespero, supera a carência, a solidão, ama a vida, tem amigos, sabe rir. Elisa retorna do silêncio e do muxoxo:
- Como era mesmo o apelido? Consolo…
- … do Fiofó das Vitalinas… Dizem que Astério comeu o rabo de uma quantidade de beatas.. Atrás do balcão da loja. Vivia entre o balcão e a casa de Zuleika, consolando.
A dona Carmosina não consolara, tratando-a sempre com deferência. Bem poderia tê-lo feito, não faltara ocasião. Ancas magras, murchas nádegas, bunda chulada, Carmosina ai, não lhe acendera o vício. Nem o dele nem o dos outros; falam que Osnar é bom de língua, ela sabe apenas por ouvir dizer. Tão injustiçada não perdeu, no entanto, o gosto da vida.
Conseguiu fazer Eliza rir, esquecer a decepção, retornar às conversas distraídas, sair do poço onde afundara. Mas ela, dona Carmosina, no barco de Pirica, sente de súbito imensa solidão, a ausência de qualquer esperança. Esperança de homem, mais nenhuma. Mas ainda assim continuará a defender Agreste contra a poluição e a consumir as noites em cima do caderno e do dicionário buscando novas rimas para desejo, fúria, amor, Osnar.
Muda de assunto, desfia outro tema apaixonante:
- Fidélio se revelou um homem de bem. Graças a ele os bandidos da Brastânio não poderão comprar o coqueiral. Não ligou para o dinheiro, recusou as ofertas, passou procuração ao Comandante. Rapaz direito e, ainda por cima, bonitão.
EPISÓDIO Nº 258
- Volta-lhe a vivacidade no impacto da estupefaciente revelação, súbita revelação de navegador perdido ao avistar terra longínqua e ignota – Nunca me passou pela cabeça. Nem acredito.
Na cama, nas noites de fornicação, na hora final, a mão do marido roça-lhe as ancas, a medo; somente agora Elisa empresta significação e valor ao hesitante gesto. Dona Carmosina sente vontade de lhe revelar que, por ocasião do noivado e do casamento, a cidade unânime atribuíra à forma sumptuosa e exuberante dos quadris de Elisa a desvairada paixão de Astério. Mas conteve-se pois seu objectivo é animar a amiga, fazê-la reviver, superando a decepção sofrida e não lhe fornecer novos motivos de desgosto e revolta contra Agreste.
Retorna aos detalhes da festa de Peto:
- Aminthas me contou que a festa foi um barato. Barbozinha, velho sem vergonha, fez um soneto louvando as qualidades de Zuleika, a papa – meninos. Barbozinha é um poeta de verdade, enfrenta qualquer tema e se sai bem de todos – Elogia com uma ponta de inveja; a construção de um verso custa esforço e vigília a dona Carmosina, enquanto Barbozinha, com a maior facilidade, rima jovem canhestro com jovem destro, pudicícia com malícia, coloca o cabaço (de Peto) no regaço (de Zuleika).
Mas Elisa permanece na surpresa da revelação dos destemperos (ou temperos) do marido:
- Farrista e ainda por cima tarado. Em casa todo ao contrário.
Tu é a esposa dele, Astério te respeita. Assim age um bom marido.
Não escapa a dona Carmosina o muxoxo de desagrado a marcar o lábio de Elisa, demonstração de desprezo e repúdio aos hábitos do sertão. Com o que, se dá por convencida: Astério jamais usara Elisa por detrás como certamente desejaria fazê-lo. Mais forte que o desejo, impunha-se a lei não escrita mas gravada dentro de cada um. Esposa é dona de casa, a mãe dos filhos, com quem se cumpre os deveres matrimoniais na contenção e no respeito. Para o prazer, os requintes, os desvarios, estão as putas na pensão de Zuleika.
Não é por acaso que Elisa se sente frustrada e sonha ir-se embora. Em São Paulo, terra civilizada, os hábitos são outros, o código feudal não prevalece. Quem sabe, lá Astério aprenderia que esposa é mulher igual a qualquer outra, na cama deseja incontinência de macho e não respeito de marido. Caso não aprendesse, então…
Mas Tieta é sábia, advinha as intenções mais recônditas, e boa irmã, defende o lar e a tranquilidade de Elisa e de Astério. Cabe a Elisa conformar-se, buscar motivo de alegria na residência nova e confortável, para a qual se mudará no dia seguinte, na segurança dada pelas terras e cabras da Vista alegre, não se enterrar no desgosto, reencontrar o equilíbrio. Mirar-se no exemplo dela própria, Carmosina.
Muito maiores são seus motivos para sentir-se carente, frustrada, amarga, odiando os homens e a vida. Nem sequer o limitado prazer concedido às esposas pelos maridos respeitosos, nem esse teve. Nem marido, nem noivo, namorado ou amante. Virgem, incólume, total e completamente. Não mereceu palavras de amor, nem ousadias. Ninguém a quis, ninguém lhe pediu nem lhe propôs. Contudo, não vive em desespero, supera a carência, a solidão, ama a vida, tem amigos, sabe rir. Elisa retorna do silêncio e do muxoxo:
- Como era mesmo o apelido? Consolo…
- … do Fiofó das Vitalinas… Dizem que Astério comeu o rabo de uma quantidade de beatas.. Atrás do balcão da loja. Vivia entre o balcão e a casa de Zuleika, consolando.
A dona Carmosina não consolara, tratando-a sempre com deferência. Bem poderia tê-lo feito, não faltara ocasião. Ancas magras, murchas nádegas, bunda chulada, Carmosina ai, não lhe acendera o vício. Nem o dele nem o dos outros; falam que Osnar é bom de língua, ela sabe apenas por ouvir dizer. Tão injustiçada não perdeu, no entanto, o gosto da vida.
Conseguiu fazer Eliza rir, esquecer a decepção, retornar às conversas distraídas, sair do poço onde afundara. Mas ela, dona Carmosina, no barco de Pirica, sente de súbito imensa solidão, a ausência de qualquer esperança. Esperança de homem, mais nenhuma. Mas ainda assim continuará a defender Agreste contra a poluição e a consumir as noites em cima do caderno e do dicionário buscando novas rimas para desejo, fúria, amor, Osnar.
Muda de assunto, desfia outro tema apaixonante:
- Fidélio se revelou um homem de bem. Graças a ele os bandidos da Brastânio não poderão comprar o coqueiral. Não ligou para o dinheiro, recusou as ofertas, passou procuração ao Comandante. Rapaz direito e, ainda por cima, bonitão.
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