sexta-feira, outubro 30, 2009


TIETA DO
AGRESTE

EPISÓDIO Nº 272




DO MISTERIOSO CORRESPONDENTE



Como pudera suceder inconfidência de tal monta? Mestre Hélio Colombo não falara a ninguém a propósito da desapropriação, a não ser ao moço candidato. Ascânio Trindade, por sua vez, guardara absoluto sigilo acerca da conversa com o advogado. Não obstante, poucos dias depois, A Tarde publicava uma Correspondência de Agreste, relatando a estada do ilustre jurisconsulto, na qualidade de patrono da Brastânio. Referia-se à manhã no cartório, debruçado sobre livros e documentos, e ao encontro à tarde, no sobrado da Prefeitura, com Ascânio Trindade, quando ordenara ao candidato a prefeito desapropriar a imensa área, para revendê-la, no todo ou em parte, à companhia Brasileira de Titânio S. A., obtendo imediata aquiescência do obediente funcionário. A desapropriação por motivo de utilidade pública fora a solução encontrada pelo advogado para garantir ao seu constituinte a posse da área, diante da intransigência de alguns herdeiros, irredutíveis na posição de se absterem de qualquer negócio com a controvertida empresa, considerando que os eflúvios poluentes da indústria de titânio poderiam ocasionar irreparáveis danos à região. O correspondente usara o verbo ordenar e o adjectivo obediente. Os exemplares da gazeta passaram de mão em mão.

Jamais se tirou a limpo quem tivesse sido o misterioso correspondente. Doutor Hélio Colombo, recordando a curta visita a Agreste, a pavorosa travessia de ida e volta, o caminho de mulas, a poeira e a sede, a mesa farta, o sabor e o tamanho dos pitus, a cor doirada e o incomparável paladar da ambrósia, reflecte sobre as manhas e espertezas da gente do interior – caipiras, tabaréus. Parecem ingénuos e tolos, uns tabacudos. Vai-se ver, são uns finórios, enrolam os sabichões das metrópoles, na maciota. O mestre rememora a evidente curiosidade do tabelião, as perguntas capciosas durante o almoço. Pensava tê-lo engambelado. Volta a ouvir o ressonar do simpático gorducho, inexpressiva cara de lua cheia, o ar apalermado, semimorto na sala da
prefeitura, portador das certidões e da lata de doce de araçá. Pai e filho, que dupla!

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