TIETA DO AGRESTE
DAS RAZÕES DIFÍCEIS DE EXPLICAR E DE ENTENDER
Na Alcova, a sós com Tieta, Leonora narra alegrias e tristezas, exaltada:
- Mãezinha, não sei como lhe agradecer por me ter trazido. Tem sido tão bom… É verdade que vamos demorar mais uns tempos? – Toma a mão de Tieta, beija-a, nela encosta o rosto, grata e terna.
- É bem capaz, mais umas semanas, ainda não sei quanto. Mas, cabrita, deixe para pensar na separação quando estiver na marinete. Até lá aproveite o mais que puder, esqueça que tem de ir embora…
- Se eu pudesse…
- Deixe para lá, já te disse. E a beira do rio? Me conta…
- Tu nem imagina, Mãezinha como foi difícil convencer Ascânio. Não queria nem tocar no assunto, foi arrastado por mim. Tem medo de ver meu nome na boca do povo, que eu vire moça falada… Pobrezinho, fico até com remorso. Outro dia, no bilhar, perdeu a partida para Astério porque achou que dona Edna estava referindo-se a mim, numa conversa com Osnar.
- Vai ver, estava mesmo, a puta descarada.
- Para dizer a verdade não sei. A gente toma muito cuidado, Ascânio é por demais cauteloso. Sabe, Mãezinha, do que eu tinha vontade? De dormir uma noite inteira com ele, pelo menos uma, antes de ir embora. Numa cama de verdade, em cima de um colchão, os dois pelados, sem pressa, sem sustos, sem ter de falar baixo. Só que não vejo onde.
- Tu não vê? E a casa dele? Ao que sei mora sozinho.
- Sozinho, não. Tem Rafa…
- A criada é uma velha broca, surda, quase cega? Então, cabrita?
Não sei como tu ia se arranjar senão fosse eu…
- Será que ele topa? É tão escrupuloso! Ai, Mãezinha, não me conformo quando penso que tenho de ir embora. Vou morrer de saudades.
- Saudade é igual a amor, Nora. Não mata, ajuda a viver.
Leonora não se limita ao relato do namoro, fugas nocturnas para os esconsos do rio, sussurrando poemas, suspiros contidos. Refere também desagradáveis episódios; com essa história da desapropriação do coqueiral, Ascânio não tem um minuto de sossego. De tudo, o mais triste, fora a ruptura das relações com Carmosina. Ascânio tentara o possível e o impossível para evitar aquele desfecho, deixando inclusive de aparecer na agência dos Correios para não ouvir provocações e dichotes. Mas ao saber da visita da fofoqueira à Fazenda Tapitanga, onde fora com o objectivo de intrigá-lo com o padrinho e protector, Ascânio não mais se conteve. A pérfida assacara cobras e lagartos contra a Brastânio, lera recortes de jornais, criticara o apoio da Prefeitura aos planos da Companhia, referira-se a abuso de confiança. O Coronel, baratinado, mandara chamar o afilhado, exigira explicações, o que fora fazer à Bahia, que história era essa da desapropriação? Ascânio indignado e ferido, sem atender aos rogos de Leonora, dirigira uma carta – carta comovente, Mãezinha, até chorei quando ele leu para mim – à intrigante, rompendo relações pondo fim a uma amizade “que eu pensara ao abrigo das divergências. Epistológrafa não menos competente, dona Carmosina revidara as acusações de aleive e insídia em missiva de estilo e conteúdo igualmente dramáticos: “você atirou minha amizade, provada em momentos cruciais na lata de lixo da Brastânio”.
- Que horror essa briga, Mãezinha. Antes, antes eram todos tão unidos. Gosto muito de Carmosina, morro de pena.
Tieta acarinha a fulva cabeleira da moça:
- Tu não sabe ainda porque voltei de Mangue Seco.
- Me admirei. Pensei que Mãezinha só ia vir no dia da festa.
- era essa a minha intenção. Se tu está contente aqui, muito mais estava eu em Mangue Seco. Gozando as delícias do paraíso, cuidada por meu arcanjo. Pois bem larguei tudo e vim.
- E por quê, Mãezinha?
- Porque não pude me impedir. Fiz tudo para não vir, acabei vindo. O pior é que eu sei que, no fim, não vai adiantar nada. Não foi Mãezinha quem veio, Nora. Foi Tieta, aquela menina das cabras que brigava com a polícia ao lado dos pescadores. Não sei explicar mas, se eu não viesse, acho que nunca mais teria coragem de pôr os pés aqui.
Tão pouco Leonora tem certeza de entender. Tieta levanta-se, chega à janela, olha o beco, pobre Leonora!
- Vim acabar com a candidatura de Ascânio. Por bem ou por mal.
- Ai, Mãezinha! O que vai ser de mim?
- Isso não tem nada a ver com o teu xodó. Não se meta em nossa briga, tu não é daqui, está de passagem, esse assunto só interessa a quem é de Agreste.
Trata de amparar teu homem, se tu gosta tanto quanto diz. Ele vai precisar.
EPISÓDIO Nº 282
DAS RAZÕES DIFÍCEIS DE EXPLICAR E DE ENTENDER
Na Alcova, a sós com Tieta, Leonora narra alegrias e tristezas, exaltada:
- Mãezinha, não sei como lhe agradecer por me ter trazido. Tem sido tão bom… É verdade que vamos demorar mais uns tempos? – Toma a mão de Tieta, beija-a, nela encosta o rosto, grata e terna.
- É bem capaz, mais umas semanas, ainda não sei quanto. Mas, cabrita, deixe para pensar na separação quando estiver na marinete. Até lá aproveite o mais que puder, esqueça que tem de ir embora…
- Se eu pudesse…
- Deixe para lá, já te disse. E a beira do rio? Me conta…
- Tu nem imagina, Mãezinha como foi difícil convencer Ascânio. Não queria nem tocar no assunto, foi arrastado por mim. Tem medo de ver meu nome na boca do povo, que eu vire moça falada… Pobrezinho, fico até com remorso. Outro dia, no bilhar, perdeu a partida para Astério porque achou que dona Edna estava referindo-se a mim, numa conversa com Osnar.
- Vai ver, estava mesmo, a puta descarada.
- Para dizer a verdade não sei. A gente toma muito cuidado, Ascânio é por demais cauteloso. Sabe, Mãezinha, do que eu tinha vontade? De dormir uma noite inteira com ele, pelo menos uma, antes de ir embora. Numa cama de verdade, em cima de um colchão, os dois pelados, sem pressa, sem sustos, sem ter de falar baixo. Só que não vejo onde.
- Tu não vê? E a casa dele? Ao que sei mora sozinho.
- Sozinho, não. Tem Rafa…
- A criada é uma velha broca, surda, quase cega? Então, cabrita?
Não sei como tu ia se arranjar senão fosse eu…
- Será que ele topa? É tão escrupuloso! Ai, Mãezinha, não me conformo quando penso que tenho de ir embora. Vou morrer de saudades.
- Saudade é igual a amor, Nora. Não mata, ajuda a viver.
Leonora não se limita ao relato do namoro, fugas nocturnas para os esconsos do rio, sussurrando poemas, suspiros contidos. Refere também desagradáveis episódios; com essa história da desapropriação do coqueiral, Ascânio não tem um minuto de sossego. De tudo, o mais triste, fora a ruptura das relações com Carmosina. Ascânio tentara o possível e o impossível para evitar aquele desfecho, deixando inclusive de aparecer na agência dos Correios para não ouvir provocações e dichotes. Mas ao saber da visita da fofoqueira à Fazenda Tapitanga, onde fora com o objectivo de intrigá-lo com o padrinho e protector, Ascânio não mais se conteve. A pérfida assacara cobras e lagartos contra a Brastânio, lera recortes de jornais, criticara o apoio da Prefeitura aos planos da Companhia, referira-se a abuso de confiança. O Coronel, baratinado, mandara chamar o afilhado, exigira explicações, o que fora fazer à Bahia, que história era essa da desapropriação? Ascânio indignado e ferido, sem atender aos rogos de Leonora, dirigira uma carta – carta comovente, Mãezinha, até chorei quando ele leu para mim – à intrigante, rompendo relações pondo fim a uma amizade “que eu pensara ao abrigo das divergências. Epistológrafa não menos competente, dona Carmosina revidara as acusações de aleive e insídia em missiva de estilo e conteúdo igualmente dramáticos: “você atirou minha amizade, provada em momentos cruciais na lata de lixo da Brastânio”.
- Que horror essa briga, Mãezinha. Antes, antes eram todos tão unidos. Gosto muito de Carmosina, morro de pena.
Tieta acarinha a fulva cabeleira da moça:
- Tu não sabe ainda porque voltei de Mangue Seco.
- Me admirei. Pensei que Mãezinha só ia vir no dia da festa.
- era essa a minha intenção. Se tu está contente aqui, muito mais estava eu em Mangue Seco. Gozando as delícias do paraíso, cuidada por meu arcanjo. Pois bem larguei tudo e vim.
- E por quê, Mãezinha?
- Porque não pude me impedir. Fiz tudo para não vir, acabei vindo. O pior é que eu sei que, no fim, não vai adiantar nada. Não foi Mãezinha quem veio, Nora. Foi Tieta, aquela menina das cabras que brigava com a polícia ao lado dos pescadores. Não sei explicar mas, se eu não viesse, acho que nunca mais teria coragem de pôr os pés aqui.
Tão pouco Leonora tem certeza de entender. Tieta levanta-se, chega à janela, olha o beco, pobre Leonora!
- Vim acabar com a candidatura de Ascânio. Por bem ou por mal.
- Ai, Mãezinha! O que vai ser de mim?
- Isso não tem nada a ver com o teu xodó. Não se meta em nossa briga, tu não é daqui, está de passagem, esse assunto só interessa a quem é de Agreste.
Trata de amparar teu homem, se tu gosta tanto quanto diz. Ele vai precisar.
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