quarta-feira, novembro 25, 2009


TIETA DO
AGRESTE


EPISÓDIO Nº 288


O nome de Leonora não foi sequer pronunciado durante a conversa, não houve referência ao namoro. Dona Antonieta lhe informou ter regressado a Agreste devido ao assunto da Brastânio. Ela e alguns amigos tinham opinião negativa sobre a instalação da Brastânio no município, como era do conhecimento de Ascânio, e estavam dispostos a lutar para impedi-la. Não queriam agir, porém, antes de ouvi-lo, para isso ela solicitara aquele encontro. Estimava-o, acreditava-o honrado. Honrado, porém ingénuo, deixando-se envolver por empresários sem entranhas, ela conhecia bem essa raça.

Para Tieta e seus amigos, o ideal seria dar completo apoio à candidatura de Ascânio. Para tanto fazia-se necessário que ele mudasse de posição, opondo-se à indústria de dióxido de titânio, mortalmente poluidora. Se assim agisse, tudo em paz. Cabe a Ascânio decidir, entre eles e a Brastânio. Não pede uma resposta imediata mas a deseja em prazo curto, o tempo urge.

- Agradeço à senhora ter vindo falar comigo, antes de fazer qualquer coisa. Mas não agradeço aos outros. Na cidade, todo o mundo já sabe que o Comandante quer ser candidato. Sobre Carmosina…

- Basta que você me diga sim eu e todos os demais estaremos a seu lado. Vim conversar com você em nome de todos. Pense, depois me responda.

- Não tenho mais o que pensar, dona Antonieta. A última coisa que eu desejava era desgostar a senhora. Me peça o que quiser, eu farei correndo. Mas não me peça para virar a casaca. Mesmo que eu fique sozinho lutando pelo progresso de Agreste, mesmo que a senhora nunca me perdoe e se torne minha inimiga…

- Epa! Calma! Quem falou em inimizade? Não tenho nada a lhe perdoar ou não perdoar. Você pensa de uma maneira eu penso de outra, vamos decidir na eleição mas não somos inimigos. Você ainda é muito novo, se afoga em pouca água. Felipe era o maior adversário do doutor Ademar mas se dava muito bem com ele. Não confunda alhos com bugalhos.

Separaram-se em meio a expressões de amizade, mas Ascânio sentia ressentimento e azedume. Esperara que Tieta não se metesse no assunto, mantendo-se distante da contenda, demorando-se em Mangue Seco, como anunciara até ao dia da festa. Nem lhe falara na homenagem, receoso de que ela o levasse a mal, vendo na placa da rua uma forma de suborno. Suborno, palavra terrível, andava no ar.

Após o jantar, como de hábito, Ascânio veio buscar Leonora na porta da
casa de Perpétua. Rodaram na praça enquanto durou a cansada iluminação do motor, antes de tomarem os desvios para os escuros dos chorões. Contou a Leonora a difícil conversa. Ela já sabia, Mãezinha lhe falara.

- Você também vai pedir para eu mudar meu pensamento, entregar os pontos? Depois de meu padrinho e de dona Antonieta, só falta você… - o acento amargo.

- Só peço que me ames, nada mais – beijou-lhe a mão naquele gesto submisso, de ternura e devotamento – Mãezinha me disse: tu não é daqui, não se meta nessa briga. Pode ser egoísmo meu, Ascânio, mas até fiquei contente porque, com essa encrenca, Mãezinha adiou viagem para São Paulo. Tinha marcado para o dia seguinte ao da festa, agora vai se demorar para ajudar o Comandante. Minha avó sempre dizia que tudo no mundo tinha seu lado bom.

Não deixa de ser verdade, reflecte Ascânio. Se a conversa com dona Antonieta deixara-o estomagado, o encontro com o padrinho o assustara. O Coronel estimava o afilhado, pensara dar-lhe a filha em casamento, fizera-o secretário da Prefeitura, proclamara-o candidato quando da morte do doutor Enoch. Não lhe retirara o apoio, apesar da intriga de Carmosina, mas tão pouco ficara convencido das benemerências da Brastânio. A candidatura do Comandante vai irritar o Coronel, fazendo-o esquecer exigências sem sentido e jogar todo o peso do seu prestígio na eleição de Ascânio. O Coronel Artur da Tapitanga não está acostumado a suportar oposição, inexistente no município há muitos e muitos anos.

Ainda bem, porque senão Ascânio seria obrigado a recorrer à Brastânio para enfrentar as despesas da campanha, pequenas mas obrigatórias; ele não tem um tostão furado. Não deseja pedir auxílio aos industriais nessa oportunidade, está em jogo seu orgulho. Dissera a doutor Mirko: não preciso, estou eleito. Mais tarde, porém, quem sabe? Nos dias de amanhã, após o pleito, a posse, a desapropriação, quando o complexo fabril erguido em Mangue Seco estiver produzindo riqueza e prestígio para Agreste, todos compreenderão, Carmosina e dona Antonieta. Comprovada a justeza da sua atitude, estará à vontade para aceitar qualquer oferta de ajuda a ser proposta pela Brastânio por ocasião das eleições legislativas. O marido de Leonora Cantarelli não pode reduzir suas aspirações ao cargo de Prefeito Municipal e o prestígio do coronel Artur de Figueiredo, mesmo que o cacique viva até lá, não é suficiente para eleger um deputado.

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