TIETA DO
AGRESTE
EPISÓDIO Nº 296
- Compensar teu filho? De quê? Era um donzelão, capaz de terminar veado, dando por aí, fiz dele um homem. Como se você acreditasse que padre tem de ser virgem.
- Era um menino imaculado, bem ouvido, respeitoso, só pensava em seus deveres. Agora nem parece o mesmo, tomou a rédea nos dentes. Tu fez dele teu igual. Está igual ao que tu era, maldita! Tem coragem de negar?
- O que você quer é que eu pague o cabaço do seu filho, não é?
Levanta-se, desce da cama, o corpo lascivo e afrontoso. Rebolante, dirige-se para o armário, toma da maleta onde guarda o dinheiro, destranca-a e suspende a tranca, separa um maço de notas e as atira em direcção à irmã. Espalham-se no chão:
- Toma, eu pago o cabaço que comi. Foi bom, valeu a pena, me fartei. Vai, recolhe a paga, caftina de merda. Tu me dá nojo.
Perpétua pousa o candeeiro, penetra no quarto, agacha-se, cata as cédulas. A voz se eleva do chão, fanhosa mas abrandada, conciliadora.
- O que tu deve fazer é adoptar os dois meninos…
- Adoptar? Como meus filhos? – de novo em cima da cama, Tieta observa Perpétua de quatro, juntando e recolhendo as notas – É isso que você deseja… Para serem meus únicos herdeiros, não é? Não faz mal que eu passe a ser mãe do meu macho? Tu é demais.
Ao vê-la andando de gatas, o braço estendido sob a cama, em busca de alguma cédula extraviada, os peitos murchos balouçando sob o camisolão, o coque desfeito, os cabelos tombando sobre o rosto azedo de beata, a feiura de bruxa e o olho aceso, apossa-se de Tieta um sentimento misto de admiração e pena, a juntar-se à raiva – que diabo de mulher capaz de tudo pelos filhos.
- E dizer que teve um homem que te quis, te desejou, dormiu contigo e te fez filhos. Contando, não se acredita.
Relembra então uma ideia louca, grotesca imagem que certa ocasião lhe atravessara o pensamento: imaginara Perpétua em cima daquela cama, sobre o fofo colchão de lã de barriguda, embolada com o marido na hora da folgança, espantosa visão! De súbito a raiva desaparece, Tieta começa a rir:
- Se você disser uma coisa, contar a verdade, eu prometo te botar no meu testamento.
Perpétua eleva o rosto, suspeitosa e interessada, cúpida.
- Na hora agá, me diga, tu e o major ficavam no papai e mamãe ou faziam sacanagem? Ele gostava de uma boquilha?
Ao pensar na irmã tentando o ipicilone com o marido, Tieta é sacudida por um ataque de riso incontrolável. Quer parar e não consegue, o riso desdobra em gargalhada monumental: enxerga Perpétua agarrada ao badalo do Major – bem servido a julgar pelo filho. Na risada foram-se os cornos, todos eles, os cravados na beira do rio por Maria Imaculada e os outros, dos quais nunca teve conhecimento.
- Respeite os mortos, desgraçada! – Perpétua se levanta feito doida, as mãos gadanhando as cédulas, os olhos esbugalhados fitando o leito, sentindo os cheiros, revendo os gestos.
Ruído de chave na porta, passos leves no corredor. Perpétua trata de compor-se, enfia o dinheiro nos bolsos da saia para que a outra desavergonhada, de volta do pecado – cada noite chega mais tarde – não fique a par do acontecido. Ao aperceber movimento, luz e riso na alcova, Leonora se aproxima:
- Boa noite, dona Perpétua. De que ri tanto, mãezinha?
Mãezinha não consegue deter o frouxo do riso, visão mais cómica! Tendo conseguido apagar dos olhos a figura do Major, viril e apaixonado, a despir o pijama de listas amarelas, Perpétua explica:
- A gente estava conversando, as duas. Tieta achou graça numa bobagem que eu disse… - levanta o candeeiro – Amanhã a gente continua, mana.
Se Tieta pensa ter colocado ponto final no assunto com aqueles contos de réis, ah!, se engana, não conhece a irmã mais velha. Perpétua quer e há-de obter papel passado no cartório, firma reconhecida, não faz por menos. Vai saindo mas retorna, rápida, para recolher uma cédula junto ao armário. Deve haver outras. Voltará amanhã, antes de Aracy varrer o quarto.
Tieta ainda ri quando Leonora começa, a voz desconsolada:
- Mãezinha, ai, Mãezinha! Coitado de Ascânio. O pobre está desesperado…
- Era um menino imaculado, bem ouvido, respeitoso, só pensava em seus deveres. Agora nem parece o mesmo, tomou a rédea nos dentes. Tu fez dele teu igual. Está igual ao que tu era, maldita! Tem coragem de negar?
- O que você quer é que eu pague o cabaço do seu filho, não é?
Levanta-se, desce da cama, o corpo lascivo e afrontoso. Rebolante, dirige-se para o armário, toma da maleta onde guarda o dinheiro, destranca-a e suspende a tranca, separa um maço de notas e as atira em direcção à irmã. Espalham-se no chão:
- Toma, eu pago o cabaço que comi. Foi bom, valeu a pena, me fartei. Vai, recolhe a paga, caftina de merda. Tu me dá nojo.
Perpétua pousa o candeeiro, penetra no quarto, agacha-se, cata as cédulas. A voz se eleva do chão, fanhosa mas abrandada, conciliadora.
- O que tu deve fazer é adoptar os dois meninos…
- Adoptar? Como meus filhos? – de novo em cima da cama, Tieta observa Perpétua de quatro, juntando e recolhendo as notas – É isso que você deseja… Para serem meus únicos herdeiros, não é? Não faz mal que eu passe a ser mãe do meu macho? Tu é demais.
Ao vê-la andando de gatas, o braço estendido sob a cama, em busca de alguma cédula extraviada, os peitos murchos balouçando sob o camisolão, o coque desfeito, os cabelos tombando sobre o rosto azedo de beata, a feiura de bruxa e o olho aceso, apossa-se de Tieta um sentimento misto de admiração e pena, a juntar-se à raiva – que diabo de mulher capaz de tudo pelos filhos.
- E dizer que teve um homem que te quis, te desejou, dormiu contigo e te fez filhos. Contando, não se acredita.
Relembra então uma ideia louca, grotesca imagem que certa ocasião lhe atravessara o pensamento: imaginara Perpétua em cima daquela cama, sobre o fofo colchão de lã de barriguda, embolada com o marido na hora da folgança, espantosa visão! De súbito a raiva desaparece, Tieta começa a rir:
- Se você disser uma coisa, contar a verdade, eu prometo te botar no meu testamento.
Perpétua eleva o rosto, suspeitosa e interessada, cúpida.
- Na hora agá, me diga, tu e o major ficavam no papai e mamãe ou faziam sacanagem? Ele gostava de uma boquilha?
Ao pensar na irmã tentando o ipicilone com o marido, Tieta é sacudida por um ataque de riso incontrolável. Quer parar e não consegue, o riso desdobra em gargalhada monumental: enxerga Perpétua agarrada ao badalo do Major – bem servido a julgar pelo filho. Na risada foram-se os cornos, todos eles, os cravados na beira do rio por Maria Imaculada e os outros, dos quais nunca teve conhecimento.
- Respeite os mortos, desgraçada! – Perpétua se levanta feito doida, as mãos gadanhando as cédulas, os olhos esbugalhados fitando o leito, sentindo os cheiros, revendo os gestos.
Ruído de chave na porta, passos leves no corredor. Perpétua trata de compor-se, enfia o dinheiro nos bolsos da saia para que a outra desavergonhada, de volta do pecado – cada noite chega mais tarde – não fique a par do acontecido. Ao aperceber movimento, luz e riso na alcova, Leonora se aproxima:
- Boa noite, dona Perpétua. De que ri tanto, mãezinha?
Mãezinha não consegue deter o frouxo do riso, visão mais cómica! Tendo conseguido apagar dos olhos a figura do Major, viril e apaixonado, a despir o pijama de listas amarelas, Perpétua explica:
- A gente estava conversando, as duas. Tieta achou graça numa bobagem que eu disse… - levanta o candeeiro – Amanhã a gente continua, mana.
Se Tieta pensa ter colocado ponto final no assunto com aqueles contos de réis, ah!, se engana, não conhece a irmã mais velha. Perpétua quer e há-de obter papel passado no cartório, firma reconhecida, não faz por menos. Vai saindo mas retorna, rápida, para recolher uma cédula junto ao armário. Deve haver outras. Voltará amanhã, antes de Aracy varrer o quarto.
Tieta ainda ri quando Leonora começa, a voz desconsolada:
- Mãezinha, ai, Mãezinha! Coitado de Ascânio. O pobre está desesperado…
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