quarta-feira, dezembro 16, 2009


TIETA DO


AGRESTE


EPISÓDIO Nº 306





DA POLUIDA VIA SACRA NA LONGA NOITE DE AGRESTE – TERCEIRA ESTAÇÃO: A SANTA DESPOJADA DA TÚNICA E DO RESPLENDOR


Muita gente na sentinela de Jarde mas falta a animação habitual dos bons velórios. Apesar da qualidade dos salgados e doces preparados por dona Amorzinho, da quantidade de cachaça e cerveja mandadas vir do bar por Josafá, o ambiente é morno. Nos grupos reunidos na sala de frente onde repousa o corpo e na calçada, não espocam risos. Temas graves dominam as desenxabidas conversas. Tieta palestra com padre Mariano que pede notícias de Ricardo. Em São Cristóvão, no convento dos Franciscanos, a convite de Frei Timóteo? Esse seu sobrinho, minha caríssima dona Antonieta, vai ser um luminar da igreja. Com a ajuda de Deus, o exemplo materno, os ensinamentos de frei Timóteo e a generosidade da tia. O reverendo aproveita para incensar a benemérita, colocando-lhe na graciosa cabeça um resplendor de santa: figura de proa, pilar da Igreja, símbolo de preclaras virtudes. Tieta, coberta com túnica de louvores, arvora um sorriso modesto. Ah!, se o padre soubesse quais os exemplos dados pela mãe, as virtudes inculcadas pela tia! Ainda bem que restam a ajuda de Deus e os ensinamentos de frei Timóteo.

Osnar esforça-se por degelar a vigília, honrando a memória do defunto como devido. Narra para o doutor Marcolino Pitombo e para o gordo Bonaparte a manjadíssima história da polaca. Inédita para o advogado, amiúde repetida para Bonaparte, que não se cansa de escutá-la, cada versão acrescenta novos detalhes, o escrevente se regala.

No caixão, o corpo magro de Jarde, a face de cera. Numa cadeira ao lado, Josafá recebe os pêsames. Lauro Branco, capataz da fazenda de Osnar, vizinho de Vista Alegre, íntimo do falecido, veio da roça despedir-se do amigo.

- Vim por mim e pelas cabras – diz a Josafá – Tomara que ele encontre um rebanho grande no céu, para cuidar. Era só do que gostava.

Escutam-se as nove badaladas do sino, apaga-se a luz dos postes, silencia o descompassado ruído do motor. Termina o dia das famílias, começa a noite dos perdidos. Dona Amorzinho acende as placas. Da escuridão surge um vulto, está bêbado, doente ou louco?

Mesmo na obscuridade todos se dão imediata conta do estado de confusão e desordem de Ascânio Trindade. Osnar interrompe a narrativa:

- O que é que há capitão Ascânio?

O capitão da aurora do poema de Barbozinha entra na sala desfigurado, olhos de demente. Localiza Tieta junto ao padre, estica o braço para apontá-la, grita as palavras arrancadas com esforço, numa voz rouca, terrível, tumular:

- Sabem o que ela é? Pensam que é viúva, dona de fábricas, mãe de família? Não passa de uma cafetina, tem casa de raparigas em São Paulo, vive disso. Quem me disse foi a outra. Pedi a mão dela em casamento, me respondeu: não posso sou mulher dama. Faz a vida no rendevu dessa

nojenta que está aí, passando por santa. Duas vagabundas e um palhaço.

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