DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 79
Sentadas dona Norma e dona Flor, fez-se um breve silêncio mas logo Dionísia o encheu com a sua voz macia. Desenvolveu-se para o lado do dia tão bonito, queixando-se de ainda não poder sair rua afora:
- Não sei ficar em casa quando a chuva lava a cara do dia e ele reluz novo em folha, todo faceiro…
Dona Norma também não; e assim foram as duas falando do sol e da chuva e das noites de luar em Itapoã, ou no Cabula, e nem se sabe como desembarcaram no Recife, onde habitava uma irmã de dona Norma, casada com um engenheiro pernambucano, e onde Dió residira alguns meses:
- Para mais de sete meses, fui atrás de um clandestino, um que me alumbrou a vista, um desatinado. Me largou por lá…
Onde não chegariam as duas, a que distantes portos, nesse diálogo sem compromisso nem consequência – a conversa pelo prazer da conversa – se dona Flor, ouvindo o carrilhão de uma Igreja do Terreiro a anunciar a hora do meio-dia, não se alarmasse, interrompendo a amável prática:
- Norminha, assim a gente vai demorar muito…
- Por mim não me atrapalha, é um prazer… - disse Dionísia.
Noutra ocasião a gente vem com mais tempo – prometeu dona Norma – Hoje a gente veio com um propósito…
- Estou ouvindo…
- Essa minha amiga, dona Flor, não tem filho nem pode ter. É coisa mesmo de conformação, enfim…
- Sei como é. Tem o oveiro virado, não é?
- Mais ou menos…
- Mas pode desvirar, Marildes, uma conhecida minha, desvirou.
- Com Flor não tem jeito, o médico já disse.
- Médico? – riu uma risada divertida, de pouco-caso – Médico só sabe dizer palavra bonita e ter caligrafia ruim. Se dona moça aí procurar Paizinho, ele dá jeito em dois tempos. Que é que acha, seu João?
João Alves apoiou:
- Paizinho? Faz uns passes na barriga dela, é filho todo o ano.
Dona Norma resolveu desconhecer o novo assunto, evitar o feiticeiro com toda a sua fama, sua reputação de babalaô. Pousara o olhar na criancinha adormecida. Não seria melhor, primeiro tirar a limpo, saber se era realmente filho de Vadinho? Pois tão escura assim, não parecia. Mas dona Flor precipitava a conversa, elevando a voz naquela obstinada decisão dos tímidos:
- Vim aqui para falar de um assunto sério, para lhe fazer uma proposta e ver se a gente chega a um acordo.
- Pois fale, dona moça, que do meu lado faço de meu melhor para lhe atender.
- O menino… - disse dona Flor e ficou sem saber como prosseguir.
Dona Norma retomou a palavra:
- Você teve o menino faz dias, não é?
Dionísia olhou o filho, sorriu numa alegre confirmação.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 79
Sentadas dona Norma e dona Flor, fez-se um breve silêncio mas logo Dionísia o encheu com a sua voz macia. Desenvolveu-se para o lado do dia tão bonito, queixando-se de ainda não poder sair rua afora:
- Não sei ficar em casa quando a chuva lava a cara do dia e ele reluz novo em folha, todo faceiro…
Dona Norma também não; e assim foram as duas falando do sol e da chuva e das noites de luar em Itapoã, ou no Cabula, e nem se sabe como desembarcaram no Recife, onde habitava uma irmã de dona Norma, casada com um engenheiro pernambucano, e onde Dió residira alguns meses:
- Para mais de sete meses, fui atrás de um clandestino, um que me alumbrou a vista, um desatinado. Me largou por lá…
Onde não chegariam as duas, a que distantes portos, nesse diálogo sem compromisso nem consequência – a conversa pelo prazer da conversa – se dona Flor, ouvindo o carrilhão de uma Igreja do Terreiro a anunciar a hora do meio-dia, não se alarmasse, interrompendo a amável prática:
- Norminha, assim a gente vai demorar muito…
- Por mim não me atrapalha, é um prazer… - disse Dionísia.
Noutra ocasião a gente vem com mais tempo – prometeu dona Norma – Hoje a gente veio com um propósito…
- Estou ouvindo…
- Essa minha amiga, dona Flor, não tem filho nem pode ter. É coisa mesmo de conformação, enfim…
- Sei como é. Tem o oveiro virado, não é?
- Mais ou menos…
- Mas pode desvirar, Marildes, uma conhecida minha, desvirou.
- Com Flor não tem jeito, o médico já disse.
- Médico? – riu uma risada divertida, de pouco-caso – Médico só sabe dizer palavra bonita e ter caligrafia ruim. Se dona moça aí procurar Paizinho, ele dá jeito em dois tempos. Que é que acha, seu João?
João Alves apoiou:
- Paizinho? Faz uns passes na barriga dela, é filho todo o ano.
Dona Norma resolveu desconhecer o novo assunto, evitar o feiticeiro com toda a sua fama, sua reputação de babalaô. Pousara o olhar na criancinha adormecida. Não seria melhor, primeiro tirar a limpo, saber se era realmente filho de Vadinho? Pois tão escura assim, não parecia. Mas dona Flor precipitava a conversa, elevando a voz naquela obstinada decisão dos tímidos:
- Vim aqui para falar de um assunto sério, para lhe fazer uma proposta e ver se a gente chega a um acordo.
- Pois fale, dona moça, que do meu lado faço de meu melhor para lhe atender.
- O menino… - disse dona Flor e ficou sem saber como prosseguir.
Dona Norma retomou a palavra:
- Você teve o menino faz dias, não é?
Dionísia olhou o filho, sorriu numa alegre confirmação.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home