DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 81
- Tu tá vendo, seu João, como é que tratam os pobres? Essa que está aí – com o lábio apontava dona Flor – não sendo mulher para parir menino e querendo pagar promessa, procurou saber onde tinha nascido algum por derradeiro e soube que Dionísia Oxóssi, quenga de muita saúde e de mais pobreza, tinha tido um. Aí disse para a amiga: vamos lá buscar… ela até vai agradecer, a peste ruim…
Dona Norma tentou interromper:
- Não seja injusta… Não…
Implacável, a voz descansada da mulata, amarga de calor e gelo:
- Mas nem teve coragem de falar ela mesmo, pediu aqui para a dona sua comadre dar o recado, vir de advogada. “Vamos lá buscar o menino da Dió, é um bitelo de grande e de bonito, vai dar um padre de categoria. A mãe está morrendo à míngua e dá dado para toda a vida, de papel passado, e ainda fica contente de se ver livre do encargo. E se não quiser dar é porque não presta, é um traste ruim, só serve mesmo é para meretriz.”
Foi assim que ela falou, seu João, vosmicê ouviu. Porque ela pensa que pobre não tem sentimentos, pensa que a gente, porque é rapariga e vive nessa vida atroz, perdeu até o direito de criar os filhos…
Dona Norma ainda buscava esclarecer:
- Não diga isso…
O menino terminou de mamar, arrotava farto, Dionísio punha-se de pé com seu filho ao braço. Erguida em toda a sua beleza e em fúria, rainha em toda a sua majestade. Enquanto falava, movia-se a cuidar da criança, a limpá-la na bacia de esmalte, mudando-lhe a fralda, pondo-lhe talco e vestindo-a com a camisola perfumada de alfazema.
- Mas erraram o endereço, sou muito mulher para criar meu filho, fazer dele homem de respeito, não preciso de esmola de ninguém. Pode não vir a ser padre de batina, pode dar até para ladrão, tudo pode suceder. Mas quem vai criar ele sou eu e como bem entender. Vai ser o bamba da zona, com ele ninguém vai tirar cantiga de sotaque, e não vou dar ele para ricaça nenhuma que não quis ter o trabalho de parir…
Riu para a criança e lhe falou docemente:
- Sem esquecer que oçê tem pai pra cuidar de oçê…
Foi aí que dona Flor explodiu, quase gritando, inesperada e disposta, com a força do desespero:
- Só que o pai dele é meu marido… Não quero seu filho, quero o filho do meu marido… Você não tinha direito de ter filho com ele, se meteu com ele porque quis, direito a filho dele só quem tem sou eu…
Dionísia vacilou como se tivesse levado uma tapa na cara:
- Quer dizer que é casada com ele…? Casada mesmo?
Tendo explodido e aliviado seu coração repleto de mágoa, dona Flor retornava à sua timidez, explicando em voz baixa e sem esperança:
- Casada há três anos… Desculpe foi só por isso que pensei criar o menino como se fosse meu filho, já que eu não pude dar um filho a ele… Mas agora eu vi que a senhora tem razão, quem deve criar o menino é a senhora, que é a mãe dele… Depois, o que é que adiantava? Vim porque gosto demais do meu marido e tive medo dele se ir embora por via do menino. Por isso vim. O resto é tudo mentira. Mas depois de lhe ver me dei conta que, com filho ou sem filho, ele não vai nunca largar a senhora…
- Tu tá vendo, seu João, como é que tratam os pobres? Essa que está aí – com o lábio apontava dona Flor – não sendo mulher para parir menino e querendo pagar promessa, procurou saber onde tinha nascido algum por derradeiro e soube que Dionísia Oxóssi, quenga de muita saúde e de mais pobreza, tinha tido um. Aí disse para a amiga: vamos lá buscar… ela até vai agradecer, a peste ruim…
Dona Norma tentou interromper:
- Não seja injusta… Não…
Implacável, a voz descansada da mulata, amarga de calor e gelo:
- Mas nem teve coragem de falar ela mesmo, pediu aqui para a dona sua comadre dar o recado, vir de advogada. “Vamos lá buscar o menino da Dió, é um bitelo de grande e de bonito, vai dar um padre de categoria. A mãe está morrendo à míngua e dá dado para toda a vida, de papel passado, e ainda fica contente de se ver livre do encargo. E se não quiser dar é porque não presta, é um traste ruim, só serve mesmo é para meretriz.”
Foi assim que ela falou, seu João, vosmicê ouviu. Porque ela pensa que pobre não tem sentimentos, pensa que a gente, porque é rapariga e vive nessa vida atroz, perdeu até o direito de criar os filhos…
Dona Norma ainda buscava esclarecer:
- Não diga isso…
O menino terminou de mamar, arrotava farto, Dionísio punha-se de pé com seu filho ao braço. Erguida em toda a sua beleza e em fúria, rainha em toda a sua majestade. Enquanto falava, movia-se a cuidar da criança, a limpá-la na bacia de esmalte, mudando-lhe a fralda, pondo-lhe talco e vestindo-a com a camisola perfumada de alfazema.
- Mas erraram o endereço, sou muito mulher para criar meu filho, fazer dele homem de respeito, não preciso de esmola de ninguém. Pode não vir a ser padre de batina, pode dar até para ladrão, tudo pode suceder. Mas quem vai criar ele sou eu e como bem entender. Vai ser o bamba da zona, com ele ninguém vai tirar cantiga de sotaque, e não vou dar ele para ricaça nenhuma que não quis ter o trabalho de parir…
Riu para a criança e lhe falou docemente:
- Sem esquecer que oçê tem pai pra cuidar de oçê…
Foi aí que dona Flor explodiu, quase gritando, inesperada e disposta, com a força do desespero:
- Só que o pai dele é meu marido… Não quero seu filho, quero o filho do meu marido… Você não tinha direito de ter filho com ele, se meteu com ele porque quis, direito a filho dele só quem tem sou eu…
Dionísia vacilou como se tivesse levado uma tapa na cara:
- Quer dizer que é casada com ele…? Casada mesmo?
Tendo explodido e aliviado seu coração repleto de mágoa, dona Flor retornava à sua timidez, explicando em voz baixa e sem esperança:
- Casada há três anos… Desculpe foi só por isso que pensei criar o menino como se fosse meu filho, já que eu não pude dar um filho a ele… Mas agora eu vi que a senhora tem razão, quem deve criar o menino é a senhora, que é a mãe dele… Depois, o que é que adiantava? Vim porque gosto demais do meu marido e tive medo dele se ir embora por via do menino. Por isso vim. O resto é tudo mentira. Mas depois de lhe ver me dei conta que, com filho ou sem filho, ele não vai nunca largar a senhora…
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