DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
- Não sou estudante…
- Ora senhor… Por isso não, fica sendo… Só que tem de andar depressa, o navio sai daqui a duas horas…
O tempo de correr até em casa, juntar umas cuecas e umas camisas, o terno azul de casimira, enquanto Mirandão, amigo para qualquer sacrifício, arrostava com as lágrimas de dona Flor.
Nunca mais ele voltaria, ela tinha a certeza. Não era tão palerma a ponto de acreditar naquela história absurda da Embaixada estudantil, de viagem de estudos. Se Vadinho não era estudante de coisa nenhuma, como fazer parte de uma caravana de universitários? O único estudo de Vadinho era o dos Livro dos Palpites com completa interpretação dos sonhos e dos pesadelos, indispensável a quem quisesse ganhar no jogo do bicho. Partira sem dúvida na esteira de alguma vagabunda para o abismo da depravação do Rio de Janeiro.
Quanto mais jurava Mirandão, pela sagrada memória de sua mãe, pela saúde de seus filhos, mais céptica dona Flor, aquela história não lhe merecia crédito. Por que vinha Mirandão, seu compadre, fazer tal papelão, causar-lhe tamanho desgosto, zombando de seus sentimentos, com mentira tão reles?
Se não lhe dispensava consideração e estima, por que então a convidara para madrinha do menino? Se Vadinho queria abandoná-la, ir-se embora com qualquer marafona, mudar-se para o Rio, pelo menos agisse como homem, viesse em pessoa, falando a verdade, não mandasse o compadre com aquele conto da carochinha para abusar de sua amizade e lhe passar diploma de idiota. “Mas, comadre, se é verdade, a pura verdade…?” “Juro que daqui a um mês a gente volta”.
Para que essa comédia toda? Nunca mais Vadinho voltaria, ela tinha certeza.
Voltou, no entanto, na data prevista, com a caravana – de cuja existência já se convencera dona Flor, pois o filho mais velho de dona Sinhá Terra, sua aluna, participava da excursão e, numa carta, referia-se a Vadinho, “um companheirão batuta”.
Não só voltou como lhe trouxe um régio corte de seda, tecido estrangeiro, bonito e caro. Sinal de sorte na roleta, pensara dona Flor, e de que Vadinho não a esquecera durante os passeios, as festas, as novidades do Rio, as noites de jogatina e farra. “Como havia de esquecer você, meu bem, se eu só fui para fazer favor aos rapazes, a embaixada não podia ficar incompleta”. Chegara usando colete, muito carioca, todo bem-falante. Fizera relações, citara nomes: o cantor Sílvio Caldas, Beatriz Costa, estrela de teatro.
A Sílvio fora apresentado por Caymmi, no Casino de Urca, onde o seresteiro cumpria contrato. Vadinho rasgava-lhe elogios à simplicidade, à modéstia. “Nem parece que é ele, de tão igual, você vai ver quando ele vier aqui. Me disse que vem em Março e eu prometi que tu ia fazer um almoço para ele, com tudo o que é prato baiano. Ele é metido a entendedor de cozinha”. Com que prazer cozinharia dona Flor esse almoço, se um dia surgisse tão remota oportunidade; era admiradora entusiasta do cantor, escutando-o ao rádio a voz tão brasileira!
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 93
- Não sou estudante…
- Ora senhor… Por isso não, fica sendo… Só que tem de andar depressa, o navio sai daqui a duas horas…
O tempo de correr até em casa, juntar umas cuecas e umas camisas, o terno azul de casimira, enquanto Mirandão, amigo para qualquer sacrifício, arrostava com as lágrimas de dona Flor.
Nunca mais ele voltaria, ela tinha a certeza. Não era tão palerma a ponto de acreditar naquela história absurda da Embaixada estudantil, de viagem de estudos. Se Vadinho não era estudante de coisa nenhuma, como fazer parte de uma caravana de universitários? O único estudo de Vadinho era o dos Livro dos Palpites com completa interpretação dos sonhos e dos pesadelos, indispensável a quem quisesse ganhar no jogo do bicho. Partira sem dúvida na esteira de alguma vagabunda para o abismo da depravação do Rio de Janeiro.
Quanto mais jurava Mirandão, pela sagrada memória de sua mãe, pela saúde de seus filhos, mais céptica dona Flor, aquela história não lhe merecia crédito. Por que vinha Mirandão, seu compadre, fazer tal papelão, causar-lhe tamanho desgosto, zombando de seus sentimentos, com mentira tão reles?
Se não lhe dispensava consideração e estima, por que então a convidara para madrinha do menino? Se Vadinho queria abandoná-la, ir-se embora com qualquer marafona, mudar-se para o Rio, pelo menos agisse como homem, viesse em pessoa, falando a verdade, não mandasse o compadre com aquele conto da carochinha para abusar de sua amizade e lhe passar diploma de idiota. “Mas, comadre, se é verdade, a pura verdade…?” “Juro que daqui a um mês a gente volta”.
Para que essa comédia toda? Nunca mais Vadinho voltaria, ela tinha certeza.
Voltou, no entanto, na data prevista, com a caravana – de cuja existência já se convencera dona Flor, pois o filho mais velho de dona Sinhá Terra, sua aluna, participava da excursão e, numa carta, referia-se a Vadinho, “um companheirão batuta”.
Não só voltou como lhe trouxe um régio corte de seda, tecido estrangeiro, bonito e caro. Sinal de sorte na roleta, pensara dona Flor, e de que Vadinho não a esquecera durante os passeios, as festas, as novidades do Rio, as noites de jogatina e farra. “Como havia de esquecer você, meu bem, se eu só fui para fazer favor aos rapazes, a embaixada não podia ficar incompleta”. Chegara usando colete, muito carioca, todo bem-falante. Fizera relações, citara nomes: o cantor Sílvio Caldas, Beatriz Costa, estrela de teatro.
A Sílvio fora apresentado por Caymmi, no Casino de Urca, onde o seresteiro cumpria contrato. Vadinho rasgava-lhe elogios à simplicidade, à modéstia. “Nem parece que é ele, de tão igual, você vai ver quando ele vier aqui. Me disse que vem em Março e eu prometi que tu ia fazer um almoço para ele, com tudo o que é prato baiano. Ele é metido a entendedor de cozinha”. Com que prazer cozinharia dona Flor esse almoço, se um dia surgisse tão remota oportunidade; era admiradora entusiasta do cantor, escutando-o ao rádio a voz tão brasileira!
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