DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 167
Partido igual, filha minha, só muito de raro em raro: cidadão maduro, na boa idade para dona Flor, feito na vida, doutor de grau e anel, dono da farmácia, ressumando saúde, se o tivessem inventado não o fariam melhor.
- Você acha mesmo, Norminha, que ele está com algum interesse? Está coisa nenhuma: quem quer comer pão adormecido, carne moída, sobejo de defunto? Ninguém há-de querer…
Dona Norma mediu a amiga de alto a baixo:
- Benza-te Deus… - disse num muxoxo aprovativo
Porque dona Flor, numa certa excitação devida à notícia, entre curiosa e encafifada, nada tinha de pão dormido, pão de véspera com gosto a bolor, menos ainda de carne com aftim de podre; muito ao contrário: tez suave de cabo-verde num cobre antigo e definitivamente em face louça e fresca, carne perfumada e jovem, aroma de pitanga, um pedaço de retado de mulher. Sobejo, sem dúvida; tivera marido, deitara com ele em leito de ferro a barrunchar, porém mais apetitosa que muita donzela de alfenim, pois o cabaço não é tudo nem muito menos, se bem goze de tanto apreço e fama. No fundo é um quase nada, frágil película, gota de sangue, um ai e sobretudo velho preconceito, e se alcança tão alto custo é porque se beneficia de milenar publicidade, conta com o exército e o clero, a polícia e o meretrício, todos a fazerem dos tampos da mulher o rei do mundo. Mas o que é uma donzela, tola e ignorante em seu desejo, se comparado a uma viúva, cujo anseio é feito de conhecimento e de ausência, de contenção e de penúria, de fome e de jejum, é lúcido e insolente? “Ore me deixe, Flor, por sobejo assim suspiram não só o doutor Teodoro mas, certamente, alem dele, muitos outros de que não se tem notícia.” O que dona Norma queria saber era outra coisa:
- E tu, o que é que dizes? Que te parece ele? Serás capaz de amá-lo?
Primeiro ela não quis sequer considerar o problema dos seus sentimentos antes de ter a certeza de existir inclinação do farmacêutico, de não ser tudo aquilo burla ou equívoco, não estando disposta a novos logros e a humilhar-se como já sucedera antes com aquela história do Príncipe e com os saimentos de seu Aluísio. Mas ante a pressão de dona Norma a exigir pronta resposta, numa pertinência amigável, dona Flor confessou não lhe ser indiferente o boticário. Cavalheiro de fino trato, um primor de distinção, e homem vistoso de encher o olho. Lembrava-lhe artista de cinema muito em voga. Parecença ligeira mas bastante para marcá-lo em sua simpatia; enfim, se fosse realmente verdade, era possível e mesmo provável viesse dona Flor a sentir por ele…
O que sentira pelo finado? Isso não, era diferente… Ela própria era outra, não a mesma de quando, há mais de oito anos, quase nove, conhecera o doidivanas na festa do Major e de súbito, sem pesar nem reflectir, lhe dera seu coração (e em seguida, alegremente, seus seios e suas coxas, na balbúrdia do Largo, no escuro da praia). Doida por ele, perdida a ponto de entregar-se, de se dar inteira e grátis quando ele pediu, esfregando os arrombados três vinténs na cara de dona Rozilda, que se fizera inimiga do namoro e proibira o casamento.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 167
Partido igual, filha minha, só muito de raro em raro: cidadão maduro, na boa idade para dona Flor, feito na vida, doutor de grau e anel, dono da farmácia, ressumando saúde, se o tivessem inventado não o fariam melhor.
- Você acha mesmo, Norminha, que ele está com algum interesse? Está coisa nenhuma: quem quer comer pão adormecido, carne moída, sobejo de defunto? Ninguém há-de querer…
Dona Norma mediu a amiga de alto a baixo:
- Benza-te Deus… - disse num muxoxo aprovativo
Porque dona Flor, numa certa excitação devida à notícia, entre curiosa e encafifada, nada tinha de pão dormido, pão de véspera com gosto a bolor, menos ainda de carne com aftim de podre; muito ao contrário: tez suave de cabo-verde num cobre antigo e definitivamente em face louça e fresca, carne perfumada e jovem, aroma de pitanga, um pedaço de retado de mulher. Sobejo, sem dúvida; tivera marido, deitara com ele em leito de ferro a barrunchar, porém mais apetitosa que muita donzela de alfenim, pois o cabaço não é tudo nem muito menos, se bem goze de tanto apreço e fama. No fundo é um quase nada, frágil película, gota de sangue, um ai e sobretudo velho preconceito, e se alcança tão alto custo é porque se beneficia de milenar publicidade, conta com o exército e o clero, a polícia e o meretrício, todos a fazerem dos tampos da mulher o rei do mundo. Mas o que é uma donzela, tola e ignorante em seu desejo, se comparado a uma viúva, cujo anseio é feito de conhecimento e de ausência, de contenção e de penúria, de fome e de jejum, é lúcido e insolente? “Ore me deixe, Flor, por sobejo assim suspiram não só o doutor Teodoro mas, certamente, alem dele, muitos outros de que não se tem notícia.” O que dona Norma queria saber era outra coisa:
- E tu, o que é que dizes? Que te parece ele? Serás capaz de amá-lo?
Primeiro ela não quis sequer considerar o problema dos seus sentimentos antes de ter a certeza de existir inclinação do farmacêutico, de não ser tudo aquilo burla ou equívoco, não estando disposta a novos logros e a humilhar-se como já sucedera antes com aquela história do Príncipe e com os saimentos de seu Aluísio. Mas ante a pressão de dona Norma a exigir pronta resposta, numa pertinência amigável, dona Flor confessou não lhe ser indiferente o boticário. Cavalheiro de fino trato, um primor de distinção, e homem vistoso de encher o olho. Lembrava-lhe artista de cinema muito em voga. Parecença ligeira mas bastante para marcá-lo em sua simpatia; enfim, se fosse realmente verdade, era possível e mesmo provável viesse dona Flor a sentir por ele…
O que sentira pelo finado? Isso não, era diferente… Ela própria era outra, não a mesma de quando, há mais de oito anos, quase nove, conhecera o doidivanas na festa do Major e de súbito, sem pesar nem reflectir, lhe dera seu coração (e em seguida, alegremente, seus seios e suas coxas, na balbúrdia do Largo, no escuro da praia). Doida por ele, perdida a ponto de entregar-se, de se dar inteira e grátis quando ele pediu, esfregando os arrombados três vinténs na cara de dona Rozilda, que se fizera inimiga do namoro e proibira o casamento.
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