sexta-feira, julho 23, 2010


ENTREVISTAS


FICCIONADAS


COM JESUS CRISTO


Entrevista Nº 45




TEMA – ENDEMONIADOS



Raquel – Emissoras Latinas cobrindo em exclusivo a 2ª vinda de Jesus Cristo à terra. Os nossos microfones encontram-se agora muito próximos da Mesquita de El Agsa com sua belíssima cúpula de prata.

Jesus – Antes, era aqui que estavam as cavalariças do famoso rei Salomão.

Raquel – Pois, prossigamos falando de outro rei mais famoso, o Príncipe das Trevas.

Jesus – O Príncipe das Trevas!

Raquel – O senhor ri-se do diabo, mas nos catecismos, nos livros de Teologia, nas orações, sempre aparece Lucífer. O senhor nega a sua existência mas negá-lo equivale à excomunhão. Não o preocupa?

Jesus – Não, Raquel, já fui excomungado por contradizer muitas das crenças da minha religião. Os sacerdotes do meu tempo expulsaram-me da Sinagoga.

Raquel – Jesus Cristo excomungado, uma afirmação que surpreenderá a nossa audiência, como aquela que nos fez na anterior entrevista: o senhor, Jesus Cristo, atreveu-se a negar a existência do diabo. Mantém a sua posição?

Jesus – Sim, mantenho-a.

Raquel – Um ouvinte escandalizado enviou-me este correio electrónico: “como é que ele diz agora que não existe se ele mesmo arremessava demónios?”

Jesus – Esse amigo tem razão ao fazer essa pergunta.

Raquel – Eu confirmei os factos. Uma vez em Gerasa o senhor tirou de um homem não um, mas uma legião de demónios. Eram tantos que se meteram numa vara de porcos e logo se atiraram ao mar por um precipício… Recorda-se?

Jesus – Eu explico-te, Raquel. Os meus conterrâneos não sabiam de doenças. Pensavam que era o diabo que atava a língua aos mudos e fechava os ouvidos aos surdos, e haviam ainda coisas piores. Quando um homem caía, estrebuchava, e deitava espuma pela boca pensávamos que era mesmo o demónio que havia metido no corpo…

Raquel – Um ataque de epilepsia…

Jesus – Com os loucos era o mesmo. Acreditávamos que estavam possuídos por espíritos imundos…

Raquel – E o que faziam com eles?

Jesus – Tiravam-nos de suas casas, escondiam-nos, amarravam-nos. Recordo esse infeliz de Gerasa. Tinham-no amarrado com correntes e vivia num cemitério, sem comer… Se não estava completamente louco acabaram por enlouquecê-lo.

Raquel – E o senhor pôde fazer alguma coisa por ele?

Jesus – Tranquilizá-lo. Pedro e Santiago tiraram-lhe as correntes. Eu falei com ele, não havia outros demónios para além dos vizinhos. Tinham-no amarrado como a um animal…

Raquel – Então não lhe tirou nenhum demónio?

Jesus – Não podia tirar aquilo que não tinha entrado.

Raquel – Conclusão. Os demónios não entram nos nossos corpos?

Jesus – Não, porque não existem.

Raquel – E a vara de porcos atirando-se ao mar?

Jesus – Isso deve ter sido acrescentado mais tarde pelos gerasenos ou galarenos dos quais Mateus dizia que eram muito violentos e possuídos pelo demónio… eles eram exagerados e muito supersticiosos. São coisas do passado, por não saberem nada de medicina.

Raquel – Não creio que sejam tanto assim do passado porque todos os dias sai um filme novo sobre os possessos do diabo. O senhor não viu o Exorcista?

Jesus – Não, perdi-o…

Raquel – É um filme terrível de uma menina possuída pelo demónio.

Jesus – Há muitos demónios que possuem meninas mas são de carne e osso. Esses deviam arder no vale de Gehenna.

Raquel – E tanta gente que viu o diabo, os cultos satânicos, os exorcismos! No Vaticano há escolas de exorcistas, sabia-lo?

Jesus – Histórias de samaritanos.

Raquel – Então, podemos dormir tranquilos, os demónios não andam à solta.

Jesus – Se Deus nos ama como uma mãe ama seus filhos, acreditar como acreditar que vai deixar soltos pelo mundo espíritos malvados para fazerem mal às pessoas?

Raquel – Um momento, que temos uma chamada… Sim, alô? É o mesmo do outro dia…

Homem – Diga a esse falso profeta que a senhora está a entrevistar que o melhor truque do diabo é fazer-nos crer que ele não existe. Diga-lhe isso.

Raquel – Que lhe parece esta opinião, Jesus Cristo?

Jesus – Eu acredito no contrário. O melhor truque é exactamente o oposto, fazer crer que ele existe.

Raquel – Por que diz isso?

Jesus – Porque o diabo é um negócio.

Raquel – Como um negócio?

Jesus – Sim, falar do diabo e pregar o diabo tem sido sempre um grande negócio. Mas disso falaremos amanhã, que te parece?

Raquel – O senhor manda. Senão manda sobre os demónios manda sobre os jornalistas. Raquel Perez, Emissoras Latinas, Jerusalém.



NOTA


O Endemoniado de Gerasa – Gerasa era uma cidade situada na margem oriental do lago da Galileia. Fazia parte da chamada Décapolis, ou Liga das Dez Cidades, um território de costumes gregos habitado quase exclusivamente por estrangeiros. Por isso, os israelitas consideravam-na terra de gentios. O relato do endemoniado curado aí por Jesus aparece nos três evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas). É uma narração baseada numa lenda oral que posteriormente se transformou em assunto de catequese.

Endemoniados eram Enfermos – Nos tempos de Jesus desconhecia-se a origem da maioria das doenças. Todas as que hoje já sabemos que têm origem psíquica ou neurológica – epilepsia, convulsões, loucura, diversos transtornos mentais – para além da surdez e a mudez, eram consideradas consequência da presença do demónio nos corpos, sinal de posse diabólica.


Os Endemoniados de Hoje – Uma grande quantidade de filmes: “A Semente do Diabo” de Roman Polanski, 1968; “A Profecia” de Richard Donner, 1976; e especialmente “O Exorcista”de William Friedklin, de 1973, de todos os filmes de terror o mais popular dos anos 70 que deu a lugar a saga do Exorcista 2,3,4,5,6… Todos eles contribuíram para popularizar o tema das possessões diabólicas e, seguramente, propiciaram o aparecimento de casos que requeriam a intervenção de exorcistas.

Respondendo a estes casos mediáticos, a Academia Pontifícia do Vaticano oferece, desde o início do ano de 2000 um curso especial para Sacerdotes que queiram aprender a lidar com o diabo, graduando-se em Exorcistas. São preparados nos aspectos bíblicos, teológicos, históricos e legais do satanismo. Os Legionários de Cristo – uma das congregações mais conservadoras do catolicismo, fundada por Marcel Maciel, um sacerdote pedófilo – são os responsáveis por esta Academia. Nas faculdades de teologia católicas que seguem o pensamento oficial do Vaticano, como a Universidade de Navarra, em Espanha, existe a especialidade de Demoniologia.


Como Tirar Demónios – Segundo o Ritual Romano do Papa Paulo V (1614), vigente durante séculos, os três sinais claros de possessão diabólica são: poder falar em línguas estranhas, poder informar sobre acontecimentos secretos e o poder de desenvolver uma força física sobre-humana.

Em 1999, o Vaticano actualizou o seu ritual exorcista. Começa com rezas, uma bênção e salpiques de água benta. A fórmula para exorcizar começa assim: “Ordeno-te a ti, Satanás”… e termina com a ordem:…”Vai-te Satanás”.


Os Nossos Demónios – A palavra “demónio” (“daimon” em grego) que significa literalmente “desgarrado” (separado de um todo de que faz parte). Uma visão sociológica deste conceito entende os demónios como a sombra da nossa própria consciência, aquilo que se conhece como “componentes neuróticos” da personalidade, a face oculta da nossa psique. Se recusarmos essas “sombras” elas perseguir-nos-ão e terminaremos atribuindo-as a um ser malvado e exterior a nós próprios, por exemplo: um “demónio” ou o “diabo”, aquilo que, afinal, são as nossas próprias debilidades, limitações, os nossos lados obscuros.

Há que aprender a lidar com os nossos “demónios”. Quanto mais os negarmos e combatermos mais poder eles terão sobre nós. Um mestre budista dizia: “a tua raiva, amigo, faz parte de ti próprio, é a tua energia vital. Não cortes o dedo quando ele te dói”.

Quanto menos aceitarmos as nossas sombras, menos as conheceremos e projectá-la-emos nos outros: nos de outra raça, de outra cultura, nos homossexuais, nos emigrantes, nas mulheres… assim “endemoniaremos” os nossos semelhantes… serão sempre os outros os responsáveis, os culpados.

Nestes “demónios”, nos nossos, sim, podemos acreditar. Agora, acreditar em demónios sobrenaturais que entram nos nossos corpos e nas nossas vidas, que circulam pelo mundo para nos “danarem” é crença anti-cristã, contraria o Deus de que falou Jesus Cristo. Para os que não são crentes a questão nem se põe: ofende a razão, o bom senso, a seriedade intelectual e os conhecimentos da ciência médica dos nossos dias.

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