DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Saiu para o banheiro levando o pijama e os chinelos, quase numa fuga. Dona Flor preparou-se ante o espelho e rápida, ouvindo a água correr no banho do marido. Quanto a ela recendeu em água-de-colónia em perfume de héliotrópio (que dona Dagmar lhe tinha dito ser o mais apropriado para a sua cor). Sobre o corpo nu, sobre o pelado ventre tão-só o perfume e as rendas negras da diáfana camisola de cambraia. Um brilho de desejo quase impúdico querendo impor-se sobre a pudicícia honesta a lhe baixar os olhos, a fazê-la trémula e medrosa. Cobriu desejo e formosura, as rendas e os babados transparentes, com o casto lençol onde a alfazema punha um cheiro de família e de inocência.
Doutor Teodoro regressou em amarelo, fascinante; crescera no pijama, dona Flor pensou: “Que enorme que ele é! Tendo pendurado o terno novo do casório – calças de lista e paletó de mescla – ele apagou as luzes do lustre de cristal, deixando apenas o vacilante e ínfimo brilho da lamparina de azeite em frente aos santos, no oratório secular.
“Não vai me ver quando despir da camisola”. Não vai ver seu corpo jovem, igual ao de moça virgem, seios de donzela pois não amamentaram, ventre sem as deformações da gravidez, sem a marca do parto, e uma rosa de cobre e de veludo.
Mas, que importa? Já ele verá seu corpo ao fim da cavalgada, no nascer da aurora, em sua baça claridade matinal. Agora só importa que o sinta jovem e árdego e para sempre seu.
Adivinhando-lhe a proximidade, dona Flor cerrou os olhos, o coração em descompasso.
Imaginava no entanto como seria, pois fora casada e, mesmo antes de o ser, partira a vadiar num leito de maresia e tempestade. Tinha certeza de como seria, pois guardara memória fiel e exacta, no pensamento e em cada minúcia de seu corpo. Mais um instante, e ele, seu novo marido, transpondo as fronteiras da fina educação e do pudor, alijando lençóis e camisola, num tropel de carícias e palavras, num desatino, num vendaval de esfomeadas bocas, de sábias mãos, a retiraria do recato e da vergonha, atingindo o chão de sua húmida verdade. Sente o corpo do marido junto ao seu, na cama.
Sempre fora preciso conquistá-la, a cada vez. Encolhia-se, fechava-se numa vergonha a recobrir com nodosa casca o cerne do desejo. Necessário transpor essa barreira, trazendo à tona sua cupidez de fêmea, sua recôndita apetência. Agora, porém, após tantos meses de viúva honesta (ah!, jovem e carente), meses que foram uma noite imensa e insone, quando não prenhe de sonos lancinantes em rua de marafas, desgarrada noite, mortal vigília, agora esse duro invólucro de pudor transformara-se em frágil e delgada cobertura, incapaz de resistir ao menor apelo.
O coração aos saltos, os olhos fechados, ela espera o gesto brusco do marido a arrancar o lençol e camisola, exibindo-a toda. Pois, como aprendera à custa de seu perdido pejo, onde já se viu vadiar de camisola, corpo vestido ou coberto ainda que pela mais leve cambraia transparente, onde já se viu tal absurdo?
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Episódio Nº 188
Saiu para o banheiro levando o pijama e os chinelos, quase numa fuga. Dona Flor preparou-se ante o espelho e rápida, ouvindo a água correr no banho do marido. Quanto a ela recendeu em água-de-colónia em perfume de héliotrópio (que dona Dagmar lhe tinha dito ser o mais apropriado para a sua cor). Sobre o corpo nu, sobre o pelado ventre tão-só o perfume e as rendas negras da diáfana camisola de cambraia. Um brilho de desejo quase impúdico querendo impor-se sobre a pudicícia honesta a lhe baixar os olhos, a fazê-la trémula e medrosa. Cobriu desejo e formosura, as rendas e os babados transparentes, com o casto lençol onde a alfazema punha um cheiro de família e de inocência.
Doutor Teodoro regressou em amarelo, fascinante; crescera no pijama, dona Flor pensou: “Que enorme que ele é! Tendo pendurado o terno novo do casório – calças de lista e paletó de mescla – ele apagou as luzes do lustre de cristal, deixando apenas o vacilante e ínfimo brilho da lamparina de azeite em frente aos santos, no oratório secular.
“Não vai me ver quando despir da camisola”. Não vai ver seu corpo jovem, igual ao de moça virgem, seios de donzela pois não amamentaram, ventre sem as deformações da gravidez, sem a marca do parto, e uma rosa de cobre e de veludo.
Mas, que importa? Já ele verá seu corpo ao fim da cavalgada, no nascer da aurora, em sua baça claridade matinal. Agora só importa que o sinta jovem e árdego e para sempre seu.
Adivinhando-lhe a proximidade, dona Flor cerrou os olhos, o coração em descompasso.
Imaginava no entanto como seria, pois fora casada e, mesmo antes de o ser, partira a vadiar num leito de maresia e tempestade. Tinha certeza de como seria, pois guardara memória fiel e exacta, no pensamento e em cada minúcia de seu corpo. Mais um instante, e ele, seu novo marido, transpondo as fronteiras da fina educação e do pudor, alijando lençóis e camisola, num tropel de carícias e palavras, num desatino, num vendaval de esfomeadas bocas, de sábias mãos, a retiraria do recato e da vergonha, atingindo o chão de sua húmida verdade. Sente o corpo do marido junto ao seu, na cama.
Sempre fora preciso conquistá-la, a cada vez. Encolhia-se, fechava-se numa vergonha a recobrir com nodosa casca o cerne do desejo. Necessário transpor essa barreira, trazendo à tona sua cupidez de fêmea, sua recôndita apetência. Agora, porém, após tantos meses de viúva honesta (ah!, jovem e carente), meses que foram uma noite imensa e insone, quando não prenhe de sonos lancinantes em rua de marafas, desgarrada noite, mortal vigília, agora esse duro invólucro de pudor transformara-se em frágil e delgada cobertura, incapaz de resistir ao menor apelo.
O coração aos saltos, os olhos fechados, ela espera o gesto brusco do marido a arrancar o lençol e camisola, exibindo-a toda. Pois, como aprendera à custa de seu perdido pejo, onde já se viu vadiar de camisola, corpo vestido ou coberto ainda que pela mais leve cambraia transparente, onde já se viu tal absurdo?
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