segunda-feira, setembro 06, 2010

DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
AMORES

Episódio Nº 217



- Não entendo nada mas ouço tudo, porque qualquer coisa me diverte, até sino em toque de finados é bonito. Topo tudo: concerto e ópera, opereta nem se fala e sou doida por um programa musical na rádio. Uma coisa é certa: não tem nada igual, nada que se compare com modinha de Caymmi. Mas, para mim, tudo serve, tudo me diverte e passa o tempo, até esses ensaios do doutor Teodoro, basta a gente não prestar muita atenção…

Para dona Rozilda era uma blasfémia comparar a música da orquestra de amadores, papa-fina para ouvidos delicados, com essa bombochada de moleques ao violão. Boa pessoa, dona Norma, bem casada, rica, mas seus gostos eram de gentinha… Por outro lado, a professora só por ser americana era metida a catedrática. Pode ser que dona Gisa, lá em seu país, tivesse conhecido coisa melhor, mais erudita superior aos Filhos de Orfeu. Ela, dona Rozilda, duvidava e desconhecia. A seu ver eles eram o non-plus-ultra até prova em contrário. Uns senhores daqueles, da mais alta distinção…

Sorridente e silenciosa, acompanhara dona Flor os termos do debate, só abrindo a boca para defender os ensaios da orquestra de amadores considerados por dona Gisa, o “cúmulo da cacetação”.

- Não seja exagerada…

- Pois não é? E tem que ser assim, pois é ensaio. Onde já se viu convidar alguém para ouvir ensaio de música?

- Eles não têm culpa, a culpada sou eu que convidei… Nos ensaios deles vai quem quer, amigos, pessoas de família. Quando tiver um concerto, vou-lhe convidar e aí você vai ver…

Dona Gisa mantinha-se pessimista:

- Num concerto, quem sabe? Mas ainda assim penso que esses diletantes, me desculpe, Flor, não valem grande coisa…

Valiam e muito, a acreditar-se nos redactores de jornais e críticos de música, afinal obrigados a entender do assunto. A cada exibição da orquestra – numa estação de rádio ou no auditório da Escola de Música – derramavam-se em louvores. Um desses críticos, um tal Finerkaes, nascido por assim dizer no seio da música, pois de procedência alemã, num transporte de entusiasmo, comparara Os Filhos de Orfeu às “melhores orquestras congéneres da Europa, às quais nada ficam a dever, muito ao contrário”. Ao chegar a Munich, esse Finerkaes até que era bastante sóbrio em seus conceitos. O trópico o conquistou inteiro, perdeu a continência e nunca mais voltou a seu gelado Inverno.

Doutor Teodoro possui um álbum onde colecciona os programas dos concertos, notícias e elogios, artigos sobre a orquestra, muita tinta impressa. Depois do casamento é dona Flor quem cuida desse repositório dos sucessos, desses comprovantes da pequena glória do marido. A última notícia ali colada diz ter o maestro Agenor composto uma romanza em honra do casal Teodoro Madureira, sua obra-prima, actualmente em ensaios. Os Filhos de Orfeu se propunham executá-la. “Por falar em Filhos de Orfeu, quando essa excelente orquestra nos dará a graça de um concerto insistentemente reclamado pelos amantes da boa música na Bahia?” perguntava o jornalista. Como se vê, tinham os
amadores fiéis amigos, muitos e fanáticos.

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