quarta-feira, janeiro 26, 2011

TEREZA
BATISTA


CANSADA

DE

GUERRA

Episódio Nº 14


Antes de se estabelecer com a quitanda – frutas, legumes, carvão de lenha – a velha Adriana dedicara-se ao ramo. Ali, naquela casa, própria, recebida em herança, facilitara a vida de casais clandestinos em busca de abrigo furtivo – e vez por outra para servir um amigo, ainda facilita, embora actualmente prefira alugar por mês o quarto disponível à moça empregada em escritório ou à rapariga discreta, se possível protegida; assim pelo menos tem companhia. De seu tempo de alcoviteira guarda rancor por Veneranda, distante, superior, cheia de nas pelas costas, de empáfia, tratando as modestas colegas por cima do ombro.

- Essa não-sei que diga esteve aqui, atrás de Tereza, toda metida a caga-sebo. Eu recomendei: menina, tome cuidado com essa fulana, que ela não é boa bisca.

- Não lhe fiz nada – admirou-se Tereza – Me chamou para ir com ela, eu não quis, foi tudo o que houve.

A velha Adriana, curiosa, perguntadeira:

- Quem mais não gosta de Tereza? Me conte.

- Para começar, Libório das Neves. Está uma fera, se dependesse dele, Tereza estaria gramando cadeia; só não deu parte na delegacia de medo, a vida dele é tão suja que, mesmo com toda a protecção da polícia, não se atreve a bulir com gente da minha estima. Sobretudo agora, que sou advogado num caso contra ele.

- Seu Libório… – a velha pronunciava o nome com certo respeito medroso – manda um bocado…

- É um merda – falou o rábula: via-se que trazia Libório atravessado na garganta. – Não há nessa terra sujeito pior do que esse filho-de-uma-puta, um canalha, um patife. O que me dá raiva é que funcionei duas vezes em processos contra ele e perdi todas as duas. Agora estou com um terceiro caso na mão e vou perder de novo.

- Você, Lulu, perder no júri? – estranhou a velha – diz que você não perde nunca.

Não é no júri, é no cível. O crápula sabe armar suas misérias. Mas um dia hei-de pegar esse cabrão pelo pé.

- O que é que ele faz? – interessou-se Tereza.

- Você não sabe? Um dia lhe conto, é preciso tempo e está na hora do cinema, temos que sair em seguida. Amanhã ou depois eu lhe conto quem é Libório das Neves, o gatuno número um de Aracajú, explorador da pobreza. – Tomava das muletas para levantar-se, – Adriana, minha bela, obrigada pelas mangas, é as melhores de todo o Sergipe.

Vinha a brisa dos lados do porto, da ilha dos Coqueiros, adoçando a noite de mormaço, quente e húmida. Uma quietude, uma paz, o céu de estrelas, hora de ouvir histórias, porque meter-se no calor insuportável do cinema? E se Januário ainda aparecesse?

- Não Lulu, vamos deixar o cinema para outra vez. É melhor a gente ficar aqui no fresco, ouvindo suas histórias, do que morrer de calor no cinema.

- Como prefira, princesa. Está bem, fica o cinema para amanhã, vou-lhe dizer quem é o Libório. Mas tape o nariz que o tipo fede.

Lulu Santos encosta de novo as muletas, acende um charuto – não gastava em charutos, recebendo-os de graça, enviados de Estância por seu amigo Raimundo Sousa, da fábrica Walkyria
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