sexta-feira, março 11, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA


Episódio Nº 52


Algumas custaram-lhe pouco, baratas, quase de graça, a troco de nada. Outras mais caras, tivera de pagá-las, despendendo presentes e dinheiro contado. Tereza Batista, a mais cara de todas, tirando Dóris.

Devia colocar Dóris na relação? Com ela fora diferente, tivera de noivar e casar, no padre e no juiz, e não a derrubara em nenhum dos dois quartinhos escuros e, sim, na alcova de solteira da casa da Praça de Matriz, quando, após o acto civil e a cerimónia religiosa, “a gentil nubente que hoje inicia a trajectória da felicidade na senda florida do matrimónio” (na frase poética do padre Cirilo) se retirara para trocar as fraldas, vestir-se em função da viagem de trem no início da lua-de-mel, para cada situação um traje diferente, cada qual mais caro, de lascar!

Nem em cubículo de colchão sem cama, nem em quarto elegante do Hotel Meridional, na Bahia, onde ficaram hospedados. Ali mesmo, na alcova, nas vizinhanças da sala, na qual, sob o comando da sogra, dezenas de convidados liquidavam os comes e bebes, um desparrame de comida, um desperdício de bebida. Ali mesmo o capitão começou a cobrar a despesa feita, aquele disparate de dinheiro posto fora.

Acompanhara Dóris e a ajudara a despir-se, arrancando véu, grinalda, vestido de noiva num atropelo, na pressa de romper lhe os ossos magros. Pôs-lhe os dedos sobre os lábios a impor-lhe silêncio: na sala próxima a elite da cidade, o que nela havia de mais importante e fino, a nata, matava a fome e a sede, vorazmente, uns ratos. A casa cheia, Dóris não poderia sequer gemer.

Nas mãos pesadas de Justiniano Duarte da Rosa saltaram os botões do corpinho, desfizeram-se as rendas da calçola. Dóris arregalou os olhos, cruzou os braços sobre o peito de tísica, não pôde conter um estremeção, sua única vontade era gritar, gritar bem alto, tão alto que toda a cidade ouvisse e acorresse.

O capitão viu os braços em cruz sobre os seios mínimos, os olhos fixos, o estremecimento, tanto medo, tanto que o esgar dos lábios a prender os soluços parecia um sorriso. Arrancou o paletó e as calças novas, passou a língua nos beiços, aquela lhe custara fortuna, conta aberta no armazém, vestidos e festas, despesas diversas, a hipoteca e o casamento.


8

Justiniano Duarte da Rosa festejara trinta e seis anos de idade quando se uniu em matrimónio à Dóris Curvelo, de catorze anos completos, filha única do falecido doutor Ubaldo Curvelo, ex-perfeito, ex-chefe da oposição, médico cujo desaparecimento toda a cidade lastimara. A memória abalada, a fama de honradez no exercício da medicina – “um crânio no diagnóstico”, segundo o farmacêutico Trigueiros; “a providência dos pobres”, na voz geral – fora tudo quanto deixara à mulher e à filha, de doze anos, além da casa hipotecada e montes de consulta a cobrar.

Em vida do doutor, não passaram dificuldades. Dono da maior clínica da cidade, onde quatro médicos lutavam para sobreviver, obtinha o necessário ao sustento da família e4 a certa ostentação ao gosto de dona Brígida, primeira-dama da comuna por condição e merecimento; pudera, inclusive, comprar e pagar casa na Praça da Matriz.

Boa parte da clientela, constituíam-na pobres diabos sem ter onde cair mortos. Muitos andavam léguas e léguas para chegar ao consultório; os mais afortunados traziam como honorários raízes de inhame ou de aipim, uma abóbora, uma jaca; outros nem isso, somente palavras tímidas, “Deus lhe pague seu doutor”; alguns recebiam ainda dinheiro para os remédios, não tem limites a necessidade naquele país da divisa. (clique na imagem da Tereza com o vira-latas) .

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