TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio nº 102
Não apenas por julgá-lo amante de Teodora como porque, pertencendo Tereza ao capitão, só um louco de hospício se atreveria. A não ser no segredo maior da mão e do cuspo, nas trevas da noite.
Nem sempre Tereza estava em frente à pequena mesa a fazer contas. Cabia-lhe ocupar-se com o quarto e as roupas do capitão. A limpeza somaria da casa e do armazém, inclusivé da latrina situada no quintal, faziam-na os caixeiros ao chegar de manhã cedinho. Chico Meia-Sola punha a panela no fogo com feijão, carne seca, abóbora, aipim, inhame, um naco de linguiça – aprendera a cozinhar na cadeia. Na hora de meio-dia, de escasso movimento, Chico e os dois rapazes entravam para almoçar, ficando Tereza sozinha no armazém para o caso de aparecer algum freguês.
Estando o capitão na cidade, Tereza punha a toalha na mesa, os pratos, os talheres, servindo-lhe a cachaça antes do almoço, a cerveja durante. A comida de Justiniano vinha da pensão de Corina, em marmita farta e variada. O capitão comia com vontade, pratos enormes, e podia beber quanto quisesse sem se alterar. Chico Meia-Sola tinha direito a um cálice de cachaça ao almoço, outro ao jantar, um único, engolido de um trago. Em compensação, nas noites de sábado, das vésperas de feriado e de dias santos, bebia até cair como morto na cama de vento ou em quarto de mulher dama barata. Na ausência do patrão, Tereza não colocava toalha na mesa, não usava talheres, comendo de mão a bóia feita por Chico, acocorada a um canto.
Dos usos e costumes do armazém Daniel se informou com rapidez, em perguntas casuais aos caixeiros, enquanto, para gáudio dos rapazolas, exibe-se às irmãs firmes nas janelas do chalé.
Aflitas irmãs, devoradas de impaciência e estranheza: porque essa absurda timidez? Chegado da capital, com fama de audaz conquistador, de terror dos maridos, e até de gigolô – dona Ponciana de Azevedo, sabedora das andanças de Dan no passeio fronteiro, aparecera em visita e detalhara escândalos – o formoso mantinha-se distante, discretíssimo, sem tentar aproximação maior, perdido em preliminares e, o que era ainda mais extraordinário, interessado igualmente nas quatro irmãs, pelas quatro se distribuindo em gentilezas e insinuações – quem sabe provinha a inconcebível timidez exactamente da dificuldade em decidir-se por uma delas?
Teodora, caçula e heroína, dera por descontado ser o único motivo da presença do estudante antes do almoço e no fim da tarde. Preferência contestada pelas irmãs – hoje ele me deu adeus, referia Magda; jogou-me um beijo, anunciava Berta; fez o gesto de me apertar contra o seu peito, declamava Amália. Teodora nada dizia, senhora da verdade.
As quatro empenhadas numa batalha de vestidos, penteados e maquiagem – sedas e rendas com cheiro de naftalina e bolor, abertas as arcas. Antes tão unidas, desentendiam-se agora num clima de desconfiança e pendência, de palavras agres e risos de deboche. Cada uma em sua janela, Daniel na calçada em frente, sorriso na boca. Duas, três voltas, passeio acima, passeio abaixo, sob o sol do meio-dia ou a brisa da tarde, recolhia-se à sombra do armazém.
Suspiros das quatro irmãs nas sacadas; Berta ia correndo fazer pipi, só de vê-lo lhe dava um frio por baixo, tinha de prender-se para não urinar.
Também o capitão queria saber dos progressos de Daniel.
- Então, já provou da fruta.
- Calma, capitão. Quando se der, lhe conto. (clik na imagem para aumentar)
Nem sempre Tereza estava em frente à pequena mesa a fazer contas. Cabia-lhe ocupar-se com o quarto e as roupas do capitão. A limpeza somaria da casa e do armazém, inclusivé da latrina situada no quintal, faziam-na os caixeiros ao chegar de manhã cedinho. Chico Meia-Sola punha a panela no fogo com feijão, carne seca, abóbora, aipim, inhame, um naco de linguiça – aprendera a cozinhar na cadeia. Na hora de meio-dia, de escasso movimento, Chico e os dois rapazes entravam para almoçar, ficando Tereza sozinha no armazém para o caso de aparecer algum freguês.
Estando o capitão na cidade, Tereza punha a toalha na mesa, os pratos, os talheres, servindo-lhe a cachaça antes do almoço, a cerveja durante. A comida de Justiniano vinha da pensão de Corina, em marmita farta e variada. O capitão comia com vontade, pratos enormes, e podia beber quanto quisesse sem se alterar. Chico Meia-Sola tinha direito a um cálice de cachaça ao almoço, outro ao jantar, um único, engolido de um trago. Em compensação, nas noites de sábado, das vésperas de feriado e de dias santos, bebia até cair como morto na cama de vento ou em quarto de mulher dama barata. Na ausência do patrão, Tereza não colocava toalha na mesa, não usava talheres, comendo de mão a bóia feita por Chico, acocorada a um canto.
Dos usos e costumes do armazém Daniel se informou com rapidez, em perguntas casuais aos caixeiros, enquanto, para gáudio dos rapazolas, exibe-se às irmãs firmes nas janelas do chalé.
Aflitas irmãs, devoradas de impaciência e estranheza: porque essa absurda timidez? Chegado da capital, com fama de audaz conquistador, de terror dos maridos, e até de gigolô – dona Ponciana de Azevedo, sabedora das andanças de Dan no passeio fronteiro, aparecera em visita e detalhara escândalos – o formoso mantinha-se distante, discretíssimo, sem tentar aproximação maior, perdido em preliminares e, o que era ainda mais extraordinário, interessado igualmente nas quatro irmãs, pelas quatro se distribuindo em gentilezas e insinuações – quem sabe provinha a inconcebível timidez exactamente da dificuldade em decidir-se por uma delas?
Teodora, caçula e heroína, dera por descontado ser o único motivo da presença do estudante antes do almoço e no fim da tarde. Preferência contestada pelas irmãs – hoje ele me deu adeus, referia Magda; jogou-me um beijo, anunciava Berta; fez o gesto de me apertar contra o seu peito, declamava Amália. Teodora nada dizia, senhora da verdade.
As quatro empenhadas numa batalha de vestidos, penteados e maquiagem – sedas e rendas com cheiro de naftalina e bolor, abertas as arcas. Antes tão unidas, desentendiam-se agora num clima de desconfiança e pendência, de palavras agres e risos de deboche. Cada uma em sua janela, Daniel na calçada em frente, sorriso na boca. Duas, três voltas, passeio acima, passeio abaixo, sob o sol do meio-dia ou a brisa da tarde, recolhia-se à sombra do armazém.
Suspiros das quatro irmãs nas sacadas; Berta ia correndo fazer pipi, só de vê-lo lhe dava um frio por baixo, tinha de prender-se para não urinar.
Também o capitão queria saber dos progressos de Daniel.
- Então, já provou da fruta.
- Calma, capitão. Quando se der, lhe conto. (clik na imagem para aumentar)
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home