terça-feira, junho 21, 2011

TEREZA


BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA
Episódio Nº 132





Mas, para tratar bexigoso, enfrentando o fedor e o cheiro, as ruas apodrecidas e o lazareto, não basta a coragem desses valentes de araque: além de colhões, é preciso ter estômago e coração e só as mulheres perdidas possuem tamanha competência, ganha no exercer do duro ofício.

Nas moléstias do mundo se acostumam ao pus, no desprezo dos virtuosos, dos amargosa e dos bem-postos aprendem quão pouco vale a vida e o mundo que ela vale; têm a pele curtida e um travo na boca, ainda assim não são áridas e secas, indiferentes a sofrimento alheio – são valentes de desmedida coragem, mulheres-da-vida, o nome diz tudo.

Macho naqueles dias virou maricas, levou sumiço; machidão só elas tiveram, as putas, a velha e a menina. Se o povo de Muricapeba dispusesse de dinheiro e de poder, ergueria, na praça de Buquim monumento a Tereza Batista e às mulheres à toa ou bem a Omolu, orixá das doenças e em particular da bexiga, havendo quem diga ter sido ele o verdadeiro responsável, encarnado em Tereza, não passando ela de cavalo-de-santo na memorável peleja.

Não se deve discutir tais opiniões, são termos de fé, merecem respeito. Estivesse ela senhora de si, dona de pensamentos e acções, utilizando a lição aprendida ainda criança com os moleques na roça, nos jogos de cangaceiro e soldado, reforçada na refrega da vida, no que se viu e ainda se há-de ver, ou a revestisse frega da vida, no que se viu e ainda se há-de ver, ou a revestisse a coragem sobrenatural do encantado, do bexiguento Omolu, que se levantou e fez frente à peste foi Tereza Batista – e a coragem dos orixás, a beleza dos anjos e arcanjos, a bondade de Deus e a maldade do Cão não serão por acaso e somente reflexo da coragem, da beleza, da bondade e da maldade da gente?

C

Cega, vazios os buracos dos olhos, os gadanhos pingando pus, feita de chaga e fedentina, a bexiga negra desembarcou em Buquim de um trem cargueiro da Leste Brasileira, vindo das margens do Rio são Francisco, entre suas múltiplas moradas uma das preferidas: naquelas barrancas as pestes celebram tratos e acordos, reunidas em conferências e congressos – o tifo acompanhado da fúnebre família das febres tifóides e dos paratifos, a malária, a lepra, milenária e cada vez mais jovem, a doença de Chagas, a febre amarela, a disenteria, especialista em matar crianças, a febre bubónica ainda na brecha, a tísica, febres diversas e o analfabetismo, pai e patriarca. Ali, nas margens de São Francisco, em sertão de cinco estados, as epidemias possuem aliados poderosos e naturais: os donos das terras, os coronéis, os delegados da polícia, os comandantes da força pública, os chefetes, os mandatários, os politiqueiros, enfim, o soberano governo.

Contam-se nos dedos os aliados do povo: Bom Jesus da Lapa, alguns beatos e uma parte do clero, uns poucos médicos e enfermeiros, professorinhas mal pagas, tropa minúscula contra o numeroso exército dos interessados na vigência da peste.

Se não fosse a bexiga, o tifo, a malária, o analfabetismo, a lepra, a doença das chagas, a xistossomose, outras tantas meritórias pragas soltas no campo, como manter e ampliar os limites das fazendas do tamanho de países, como cultivar o medo, impor o respeito e explorar o povo devidamente? (clik na imagem para aumentar)

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