sábado, julho 23, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA






Episódio Nº 160




A NOITE EM QUE TEREZA BATISTA DORMIU COM A MORTE


1

Ai Tereza, geme o doutor Emiliano Guedes desprendendo-se do beijo, e a cabeça de prata tomba no ombro da amásia. Ainda a se expandir em gozo, Tereza percebe nos lábios o gosto de sangue e no braço o aperto de uma garra, a testa caída a lhe tocar o ombro, na boca entreaberta a baba vermelha, sente o peso da morte sobre o corpo nu. Tereza Batista abraçada com a morte, tendo-a sobre o peito e o ventre, por entre as coxas a penetrá-la, com ela fazendo amor. Tereza Batista na cama com a morte.

2

Então não é? É o torto falando do aleijado e o nu do esfarrapado. Criticar é fácil, nada mais simples e agradável do que botar defeito no alheio, meu jovem. Dizer que Tereza Batista não cumpriu a palavra e deixou todo o mundo no ora veja, com a festa pronta, a pitança na mesa, aquele mundo de garrafas de pinga, não custa esforço; buscar os porquês de tal procedimento, isso sim que dá trabalho, não é para qualquer borra-botas.

Meu jovem, debaixo de angu tem sempre carne, quem mexe e remexe encontra os bons bocados. Quem deseja saber como deveras se passou um acontecido de tal porte, com todos os etecéteras, tem de bancar o intrometido, o bisbilhoteiro, sair perguntando a todo o mundo como, aliás, o jovem está fazendo.

Não se importe se algum mal-educado lhe virar as costas e não prestar atenção ao seu pedido, dê o desprezo. Vá remexendo o angu, pondo a mão no bonito e no feio, no limpo e no sujo, vá fuçando em toda a parte. Se tocar em bosta ou em pus, não se aflija, acontece com frequência. Mas não acredite em tudo o que lhe contarem, atente a quem responde, não saia por aí dando crédito barato, muita gente gosta de falar do que não sabe, de inventar o que não houve. Ninguém quer confessar ignorância, considerando uma vergonha não conhecer todas as passagens da vida de Tereza. Tenha cuidado sendo o senhor moço moderno, é fácil ser enganado e enganar-se.

De mim, meu jovem, lhe digo: do sucedido desse porto da Bahia, cais onde nasci e me fiz gente ouvindo e entendendo, posso algumas regras lhe fornecer sobre Tereza e seus enredos, a ordem de despejo, a greve, a ignorância da polícia, a cadeia, o casamento e o mar sem cancela e sem fronteira, atropelos de luta e de amor. Sou velho mas ainda faço filho, já fiz mais de cinquenta em minha vida torta, já fui rico, tive dezenas de alvarengas a singrar o golfo, hoje sou pobre de marre-marré mas quando entro no terreiro de Xangô, todos se levantam e me pedem a bênção, sou Miguel Santana Obá Aré e por Tereza ponho a mão no fogo sem o menor receio.

Tereza nunca abrigou no peito a traição nem usou de falsidade. Com ela, sim, usaram e abusaram. Nem por isso se dobrou à sina má, não inventou urucubaca dando-se por vítima de ebó ou coisa-feita, perdida a esperança, entregue. Nunca? Não posso garantir, meu jovem, veja como é difícil dar informação certeira. Pensando bem, acho ter ela chegado, após o rolo da greve e as funestas notícias do mar distante, ao cansaço e à indiferença, portos ruins de arribação onde apodrecem os barcos abandonados como as minhas alvarengas. (clik na imagem e aumente)

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