terça-feira, agosto 09, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA






Episódio Nº 174



Se não acredita, por que então contribui com dinheiro para a igreja, abate novilhos e porcos e contrata padre para celebrar missa na usina? Tereza dava-se conta não passar o palavreado e o ateísmo de Lulu de Santos de pura exibição, da boca para fora, não existindo ninguém mais supersticioso, a benzer-se antes de entrar no recinto do júri ou na sala de audiência.

Mas, tratando-se do doutor, ela estranhava a contradição em homem de ordinário tão coerente na maneira de agir.

Não lhe disse nada mas ele concerteza percebeu ou adivinhou – no começo Tereza pensara que o doutor possuía o dom de adivinhar os pensamentos. Quando o padre se retirou em companhia do excelente Nascimento Filho de novo a declamar Guerra Junqueiro, e Lulu Santos a acender o último charuto, deu boa-noite e recolheu-se, deixando-os a sós no jardim, o doutor, tomando-a nos braços, falou:

- Sempre que não entender uma coisa me pergunte, não tenha medo de me ofender, Tereza. Você só me ofende se não for franca comigo. Você está admirada e não entende como é que eu, não sendo crente, contrato um padre para dizer missa na usina e ainda por cima faço uma festança, não é verdade?

Sorrindo, ela se encostou contra o peito do doutor, para ele levantando os olhos.

- Não faço por mim, faço pelos outros e pelo que sou para eles. Entende? Faço pelos outros que acreditam e pensam que eu acredito. O povo precisa de religião e de festa, leva vida triste e onde já se viu usina sem missa e padre-mestre, sem festa de baptizado e casamento uma vez por ano? Cumpro meu dever.

Beijou-lhe a boca e completou:

- Aqui em Estância, nesta casa, junto de você, eu sou eu, somente. Lá fora sou dono da usina, banqueiro, director de empresa, chefe de família, sou quatro ou cinco, sou católico, sou protestante, sou judeu.

Só na última noite, após a conversa no jardim, Tereza deu-se inteira conta do que então ele quisera lhe dizer.


11


Nina trouxe a bacia e o balde, lulu a lata de água quente. Prontos para ajudá-la, mas Tereza os despachou: se precisar eu chamo.

Sozinha, lavou o corpo do doutor com algodão e água morna, e, tendo-o enxugado, da cabeça aos pés o perfumou com água-de-colónia, a inglesa, a dele. Ao tomar do vidro no armário do banheiro, recordou-se do episódio da água-de-colónia, logo no início da amigação; agora só lhe cabe recordar. Cada vez em que, no decorrer dos anos, se lembrou do sucedido sentira-se excitada, acesa: ai, a hora é imprópria. Tais memórias, aromas e deleites se acabaram para sempre, mortos com o doutor. Apagada fagulha, extinta labareda, Tereza não imagina sequer possível nela renovar-se um dia a sombra do desejo.

Peça por peça ela o vestiu e calçou, escolhendo camisa, meias, gravata, a roupa azul-marinho, combinando as cores sóbrias ao gosto do doutor, como ele lhe ensinara. Só chamou Lula e Nina para a arrumação do quarto. Queria tudo limpo e em ordem. Começaram pela cama e, enquanto mudavam fronhas e lençóis, sentaram-no na cadeira de braços ao lado da mesinha repleta de livros misturados. (clik na imagem e aumente).

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