TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 220
Menosprezara o direito alheio, pisara a justiça, desconhecera qualquer razão que não fosse a do clã dos Guedes. Clã ou quadrilha? Eternamente insatisfeitos, sempre a exigir mais, por eles Emiliano se batera implacável, na mão o rebenque de prata. Os cabras às ordens, os políticos, os fiscais de impostos, os juízes, os prefeitos, todas as autoridades à disposição, o clavinote e a gorjeta, a arrogância e o desprezo. Tudo para os Guedes, em primeiro lugar para Jaime e Aparecida, os filhos.
Há! Tereza, nenhum deles pagara a pena, dura pena. Nem os irmãos nem a gente deles – não se salva um único! – nem a esposa, nem os filhos. Tempo desperdiçado, energia posta fora, labuta vã. De nada valeram o esforço, o interesse, o afecto, a amizade, o amor. Inúteis as injustiças, os atropelos, as violências, as lágrimas de muitos, o desespero de tantos, o sangue derramado – até mesmo teu sangue, Tereza, por eles derramei, rompi tuas entranhas para matar nosso menino. Tudo isso para quê, Tereza?
32
A voz do doutor Amarílio, desfeita em amabilidades a indicar o caminho:
- Por aqui, faça o favor.
Emoldura-se na porta do quarto um rapagão moreno, quase tão alto quanto o doutor, belo e arrogante como ele mas, ao mesmo tempo o seu oposto. Nos olhos rapaces um brilho de astúcia, na boca um ríctus de deboche. É forte e parece frágil, é vulgar e se anuncia nobre, é dissimulado e aparenta franqueza. Enverga smoking talhado em alfaiate caro, todo ele rescende a festa, a luxo, a boa vida.
Meio escondido pelo corpo do recém-chegado, o médico apresenta:
- Tereza, este senhor é o doutor Túlio Bonatelli, o genro do doutor.
Sim, tinhas razão, Emiliano, basta pôr os olhos nele para se reconhecer o caça-dotes, o cafetão. Um assim, da alta sociedade, Tereza nunca vira, mas todos eles seja qual for o escalão onde se movimentem, possuem algo em comum, marca indefinível mas fácil de perceber para quem já exerceu de prostituta.
- Boa noite… – o acento italiano, a inflexão dolente.
Os olhos de rapina demoraram-se em Tereza, calculam-lhe o valor e o preço. Mais bonita, muito mais do que lhe haviam dito, madona mestiça, fêmea invulgar, o velho demónio sabia escolher e cuidar: com razão mantinha-a escondida ali em Estância. Fita o sogro, defunto de olhos abertos, parece vivo.
Lâmina de frio gume, os olhos do doutor liam dentro das pessoas, nunca o Túlio conseguira enganá-lo. Emiliano sempre o tratara com a máxima cortesia, porém jamais lhe concedeu a menor intimidade, nem mesmo quando ele se revelou administrador capaz de manejar negócios e ganhar dinheiro.
Desde o dia em que lhe foi apresentado, o genro só enxergou nos olhos do doutor desprezo e desapreço. Olhos límpidos, azuis, impiedosos. Ameaçadores. Na usina, Túlio nunca se sentiu inteiramente seguro: e se o velho capo o mandasse liquidar por um daqueles cabras de fala mansa e muitas mortes? Ainda agora o sogro o fita com olhar de nojo. Nojo, era o termo justo.
- Sembra vivo il padrone.
(clik na imagem)
Há! Tereza, nenhum deles pagara a pena, dura pena. Nem os irmãos nem a gente deles – não se salva um único! – nem a esposa, nem os filhos. Tempo desperdiçado, energia posta fora, labuta vã. De nada valeram o esforço, o interesse, o afecto, a amizade, o amor. Inúteis as injustiças, os atropelos, as violências, as lágrimas de muitos, o desespero de tantos, o sangue derramado – até mesmo teu sangue, Tereza, por eles derramei, rompi tuas entranhas para matar nosso menino. Tudo isso para quê, Tereza?
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A voz do doutor Amarílio, desfeita em amabilidades a indicar o caminho:
- Por aqui, faça o favor.
Emoldura-se na porta do quarto um rapagão moreno, quase tão alto quanto o doutor, belo e arrogante como ele mas, ao mesmo tempo o seu oposto. Nos olhos rapaces um brilho de astúcia, na boca um ríctus de deboche. É forte e parece frágil, é vulgar e se anuncia nobre, é dissimulado e aparenta franqueza. Enverga smoking talhado em alfaiate caro, todo ele rescende a festa, a luxo, a boa vida.
Meio escondido pelo corpo do recém-chegado, o médico apresenta:
- Tereza, este senhor é o doutor Túlio Bonatelli, o genro do doutor.
Sim, tinhas razão, Emiliano, basta pôr os olhos nele para se reconhecer o caça-dotes, o cafetão. Um assim, da alta sociedade, Tereza nunca vira, mas todos eles seja qual for o escalão onde se movimentem, possuem algo em comum, marca indefinível mas fácil de perceber para quem já exerceu de prostituta.
- Boa noite… – o acento italiano, a inflexão dolente.
Os olhos de rapina demoraram-se em Tereza, calculam-lhe o valor e o preço. Mais bonita, muito mais do que lhe haviam dito, madona mestiça, fêmea invulgar, o velho demónio sabia escolher e cuidar: com razão mantinha-a escondida ali em Estância. Fita o sogro, defunto de olhos abertos, parece vivo.
Lâmina de frio gume, os olhos do doutor liam dentro das pessoas, nunca o Túlio conseguira enganá-lo. Emiliano sempre o tratara com a máxima cortesia, porém jamais lhe concedeu a menor intimidade, nem mesmo quando ele se revelou administrador capaz de manejar negócios e ganhar dinheiro.
Desde o dia em que lhe foi apresentado, o genro só enxergou nos olhos do doutor desprezo e desapreço. Olhos límpidos, azuis, impiedosos. Ameaçadores. Na usina, Túlio nunca se sentiu inteiramente seguro: e se o velho capo o mandasse liquidar por um daqueles cabras de fala mansa e muitas mortes? Ainda agora o sogro o fita com olhar de nojo. Nojo, era o termo justo.
- Sembra vivo il padrone.
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