quarta-feira, outubro 05, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA


Episódio Nº 222




Levanta-se Tereza, face de pedra debruçada sobre o leito: até logo, Emiliano. Toca-lhe as pálpebras com os dedos e lhe cerra os olhos. Atravessa entre os parentes, sai do quarto. Apa suspende a cabeça para vê-la, a comentada amásia do pai. Tulio morde o lábio inferior, guloso: carina!

Agora, sim, na cama apenas o corpo de um morto, o cadáver do doutor Emiliano Guedes, antigo senhor de Cajazeiras, de olhos fechados para sempre. Ai, Papi – geme Aparecida. Il padrone é fragato e viva il padrone! Respira forte Túlio Bocatelli, o novo patrão das Cajazeiras.

33

- Tudo isso para quê, Tereza?

Trémula de vergonha, vibrante de ira, de incontida paixão, envolta em amargura, a voz do doutor se dilacera em malogro e tédio. Tédio? Não, Tereza, nojo.

A lua de ouro se derrama sobre o velho e a moça e a viração do rio é uma carícia. Noite para frases de ternura, juras de amor, idílio. A isso chegaram, mas somente após a árida rota do deserto, das areias do ódio e do amargor. Penosa caminhada, para Tereza dura prova. Na doçura de Maio, entre jasmins-do-cabo e pitangueiras, na noite de Estância, vida e morte batalharam sem trégua nem quartel pela posse do coração do velho cavalheiro. Escudo de amor a defendê-lo, Tereza sangrando junto a ele. Lá chegaram, aos jardins do idílio, mas depois.

De começo, apenas a ira e a tristeza, o coração exposto nu, em chagas:

- Sabes como me sinto? Coberto de lama, sujo.

Sujo, quem era de escrupulosa limpeza. Mesmo no exercício da violência, do atropelo. Foi terrível escutá-lo falando da família, exacto no conceito, cru na expressão, desolado, impiedoso. Inexorável.:

- Eu os arranquei do coração, Tereza.

Seria verdade? Pode alguém fazê-lo e continuar vivendo?

Não é tão fatal quanto arrancar do peito o próprio coração?

- Nem assim deixei de labutar, de me bater por eles, parecendo amo e sendo escravo. Mesmo vazio, meu coração pulsa por eles. Mesmo contra minha vontade.

Doutor Emiliano Guedes, dos Guedes das Cajazeiras do norte, o chefe da família, a cumprir o seu dever. Apenas isso?

Mesmo contra minha vontade meu coração pulsa por eles. Apenas o dever de chefe ou o amor de pai e irmão resistindo ao desaponto, ao nojo, sobrevivendo? Até onde, Emiliano, o orgulho interfere em teu árido relato de sofrimento e solidão? Frio e febre sacodem o corpo de Tereza na podre travessia dos pântanos da mesquinhez, do desconsolo.

A única serventia dos irmãos, além de desperdiçar dinheiro, era compor quadros directivos de empresas e do Banco Interestadual, eternos e inúteis vice-presidentes. Nem sequer maus, incapazes tão somente.

Milton na usina, imaginando-se perfeito senhor rural, cobrindo molecas sem se dar ao trabalho de as escolher bonitas, qualquer uma lhe serve e a todas engravida. Da esposa, Irene, mastodonte mantido a chocolate e orações, só lhe nascera um filho, pela mãe destinado ao sacerdócio; na família dos Guedes sempre houvera um varão consagrado ao serviço de Deus, o último fora tio José Carlos, latinista ilustre, morto aos noventa anos em odor de santidade. A baleia criara o futuro padre no rabo da saia, longe da bagaceira, dos moleques, do pecado.(clik na imagem e aumente)

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