segunda-feira, outubro 10, 2011

TEREZA


BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA





Episódio Nº 226



O carcamano não é burro, é sabido nos negócios, capaz de dirigir, pena seja podre e tenha contaminado Aparecida. Contaminado Aparecida? Por acaso não trazia ela no sangue a podridão?

- Ai, Tereza, ao que se reduziram os Guedes de Cajazeiras!

Na voz quebrada o nojo sucedeu à ira, a fria lâmina dos olhos reflecte apenas o cansaço. Dos Guedes amanhã não restará sequer o nome. Amanhã serão os Bocatelli.

- Sangue ruim, Tereza, o meu. Apodrecido.

36

Na sala de jantar, Nina serve o café bem quente, a orelha à escuta. Nas maneiras e na voz de Túlio ela reconhece um patrão, moço bonito, o marido da filha do doutor.

Ao passar roça-se nele, os olhos baixos.

Conduzido pelo médico, Túlio já percorreu quase toda a casa, dando um balanço nos pertences. Faltam apenas a sala de visitas e a antiga alcova para completar o inventário.

- É própria ou alugada?

- A casa? Própria. O doutor comprou com os móveis e tudo mais que tinha dentro. Depois fez uma reforma e trouxe esse mundo de coisas – Doutor Amarílio se entrega às recordações:

- Chegava sempre com o automóvel cheio. De um tudo. Essa casa era a menina dos seus olhos. Aquele oratório, está vendo? Eu o descobri num buraco a três léguas daqui, no sítio de um doente, falei ao doutor Emiliano, ele queria ir ver na mesma hora, fomos na manhã seguinte, a cavalo. O dono, um pobre de Deus, não quis dar preço, uma velharia atirada num canto. Quem fez o preço foi o doutor, pagou um absurdo.

Por mais absurdo o preço pago, certamente ainda assim barato, o oratório vale uma fortuna em qualquer antiquário do Sul. Os móveis todos, aliás. Túlio percebe o dedo do sogro em cada detalhe. Nem o solar do Corredor da Vitória, na Bahia, nem a Casa-Grande da usina, guardam assim tão nítida a presença de Emiliano Guedes.

Na residência da capital predomina o luxo, o sóbrio bom gosto do doutor soçobrando mo fausto de Íris, nas extravagâncias de Aparecida e Jairo. Na casa-grande da usina, apenas na parte a ele reservada, existe essa difícil mistura de requinte e simplicidade; fora dali, nas grandes salas, nas inúmeras peças, reinam a desordem de Milton e o desleixo de Íris.

No chalé de Estância nada destoa, ao apuro de Emiliano corresponde o capricho da dona da casa. Não apenas uma boa casa, confortável e aprazível, dá-se conta Túlio. Mais do que isso, é um lar – essa espécie de místico refúgio sobre o qual Túlio sempre ouviu falar, desde menino. Assim era a casa de um tio seu, miniaturista no Palácio Pitti, em Florença: pessoal e íntima.

- Quanto tempo durou essa ligação, o senhor sabe?

Doutor Amarílio reflecte, fazendo cálculos:

- Vai para mais de seis anos…

Só no fim da vida o velho capo obtivera um lar, sua verdadeira casa, quem sabe sua verdadeira mulher.
(clik na imagem)

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