TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 242
A conversa teve lugar na popa da barcaça ancorada de fronte das luzes da cidade, batida pelo vento sul a encapelar as águas mansas do golfo.
Noite de perigo no mar, noite ruim para os saveiros. Janaína desatada em tempestade, em busca de noivo para bodas no fundo do oceano, explicara mestre Gunzá tocando as águas com a ponta dos dedos, levando-os à testa e repetindo a saudação da sereia: Odóia! O patrão do veleiro recebera a Tereza com amizade, mas sem alegria.
Soube que estava na Bahia e que me procurou. Estou ao largo porque amanhã atraco junto do cargueiro para descarregar directamente.
Sentaram-se, o vento nos cabelos negros de Tereza, o aroma do cacau seco subindo do porão. Tereza perguntou com medo da resposta:
- Que se passa com Janu? Onde anda? Estou na Bahia vai fazer dois meses e ainda não consegui saber nada direito sobre ele. Cada pessoa diz uma coisa diferente. De certeza, só a morte da mulher dele.
- Pobre da minha comadre, no fim dava pena ver, era um fio de gente, pele e osso. O compadre não arredou pé de junto dela até lhe fechar os olhos. Nos últimos dias o pai apareceu para fazer as pazes e botar a filha no hospital, tarde de mais. A comadre já não tinha serventia de mulher, mas o compadre sentiu muito.
Tereza ouvia em silêncio, por trás da voz de mestre Gunzá rota pelo vento e pela tristeza, ela escuta Januário a lhe dizer na fímbria do mar da Atalaia: a que eu amei e quis, a que roubei da família, era sadia, alegre e bonita, hoje é doente, feia e triste, mas tudo que ela tem sou eu, não vou largá-la na rua, no alvéu. Homem direito, Janu.
- Depois, ele pegou dois ou três carregamentos para ganhar uns cobres e, tendo deixado o saveiro aos meus cuidados, tocou-se à sua procura. Se lembra, compadre de Tereza Batista, aquela moça morena de Aracaju? Pois vou buscar ela para viver comigo, vou-me casar de novo. Assim ele me disse.
Mestre Gunzá acendeu o cachimbo, que o vento apagara. A barcaça sobe e desce, as vagas aumentam, o vento sul desatinado, chamando a morte num assobio agudo. Tereza em silêncio, imaginando Janu à sua procura, livre das grilhetas, pássaro de voo solto, pronto para trazê-la para casa, para o saveiro. Ai, o desencontro!
- Levou para mais de três meses fora, lhe procurando. Chegou sem vintém, veio de ajudante de chofer num caminhão. Acabrunhado de mais, sem jeito. Me contou toda a viagem, foi bem adiante de Sergipe, atravessou Alagoas, Pernambuco, Paraíba, esteve em Natal e só parou em Ceará, conheceu muita terra e muita gente, só não encontrou quem ele buscava. Perdeu seu rasto no Recife, mas só desanimou em Fortaleza. De novo em Aracaju, saiu Sergipe adentro e foi aí que lhe contaram de sua morte, atacada de bexiga, deram dia e hora e descreveram seu retrato, tudo direitinho.
Só não souberam dizer o lugar onde tinham enterrado o corpo. Era tanta a abastança de defuntos, não dava tempo para funeral, punham cinco e seis na mesma cova. Foi o que contaram ao meu compadre.
Sim, Tereza saíra ao encontro da morte e a enfrentara, no desespero de não estar com ele e por haver tentado esquecê-lo na cama do doutorzinho Oto Espinheira, director do posto de saúde, rei dos covardes.
A morte a rejeitara, nem a bexiga a quis. Na noite de tormenta, a face de pedra de Tereza, a brasa do cachimbo de mestre Caetano Gunzá e a tempestade a naufragar saveiros. Janaína busca um noivo. No assobio do vento, seu canto de sereia.
Meu compadre tinha mudado, não era mais o mesmo, nem com o saveiro tinha gosto de se ocupar. Ficava sentado aqui, na pompa da Ventania, calado, só abrindo a boca para me dizer: como é que ela foi morrer, compadre? Em tudo se dá jeito menos na morte, e eu pensando que um dia ia viver com ela!
O vento cessou de chofre e na calmaria os saveiros ficaram à deriva, perdido o rumo. No mar alto, Janaína com o noivo, núpcias fatais. A voz de mestre Gunzá cai no madeirame da barcaça:
- Foi quando sucedeu o caso do navio panamenho, um cargueiro grande. Entrou no porto para deixar no hospital seis tripulantes, todos atacados de raiva. Um cachorro de bordo adoecera e antes que pudessem acabar com ele mordera os seis. Para seguir viagem, o comandante recrutou gente daqui. Januário foi o primeiro a se engajar.
GUERRA
Episódio Nº 242
A conversa teve lugar na popa da barcaça ancorada de fronte das luzes da cidade, batida pelo vento sul a encapelar as águas mansas do golfo.
Noite de perigo no mar, noite ruim para os saveiros. Janaína desatada em tempestade, em busca de noivo para bodas no fundo do oceano, explicara mestre Gunzá tocando as águas com a ponta dos dedos, levando-os à testa e repetindo a saudação da sereia: Odóia! O patrão do veleiro recebera a Tereza com amizade, mas sem alegria.
Soube que estava na Bahia e que me procurou. Estou ao largo porque amanhã atraco junto do cargueiro para descarregar directamente.
Sentaram-se, o vento nos cabelos negros de Tereza, o aroma do cacau seco subindo do porão. Tereza perguntou com medo da resposta:
- Que se passa com Janu? Onde anda? Estou na Bahia vai fazer dois meses e ainda não consegui saber nada direito sobre ele. Cada pessoa diz uma coisa diferente. De certeza, só a morte da mulher dele.
- Pobre da minha comadre, no fim dava pena ver, era um fio de gente, pele e osso. O compadre não arredou pé de junto dela até lhe fechar os olhos. Nos últimos dias o pai apareceu para fazer as pazes e botar a filha no hospital, tarde de mais. A comadre já não tinha serventia de mulher, mas o compadre sentiu muito.
Tereza ouvia em silêncio, por trás da voz de mestre Gunzá rota pelo vento e pela tristeza, ela escuta Januário a lhe dizer na fímbria do mar da Atalaia: a que eu amei e quis, a que roubei da família, era sadia, alegre e bonita, hoje é doente, feia e triste, mas tudo que ela tem sou eu, não vou largá-la na rua, no alvéu. Homem direito, Janu.
- Depois, ele pegou dois ou três carregamentos para ganhar uns cobres e, tendo deixado o saveiro aos meus cuidados, tocou-se à sua procura. Se lembra, compadre de Tereza Batista, aquela moça morena de Aracaju? Pois vou buscar ela para viver comigo, vou-me casar de novo. Assim ele me disse.
Mestre Gunzá acendeu o cachimbo, que o vento apagara. A barcaça sobe e desce, as vagas aumentam, o vento sul desatinado, chamando a morte num assobio agudo. Tereza em silêncio, imaginando Janu à sua procura, livre das grilhetas, pássaro de voo solto, pronto para trazê-la para casa, para o saveiro. Ai, o desencontro!
- Levou para mais de três meses fora, lhe procurando. Chegou sem vintém, veio de ajudante de chofer num caminhão. Acabrunhado de mais, sem jeito. Me contou toda a viagem, foi bem adiante de Sergipe, atravessou Alagoas, Pernambuco, Paraíba, esteve em Natal e só parou em Ceará, conheceu muita terra e muita gente, só não encontrou quem ele buscava. Perdeu seu rasto no Recife, mas só desanimou em Fortaleza. De novo em Aracaju, saiu Sergipe adentro e foi aí que lhe contaram de sua morte, atacada de bexiga, deram dia e hora e descreveram seu retrato, tudo direitinho.
Só não souberam dizer o lugar onde tinham enterrado o corpo. Era tanta a abastança de defuntos, não dava tempo para funeral, punham cinco e seis na mesma cova. Foi o que contaram ao meu compadre.
Sim, Tereza saíra ao encontro da morte e a enfrentara, no desespero de não estar com ele e por haver tentado esquecê-lo na cama do doutorzinho Oto Espinheira, director do posto de saúde, rei dos covardes.
A morte a rejeitara, nem a bexiga a quis. Na noite de tormenta, a face de pedra de Tereza, a brasa do cachimbo de mestre Caetano Gunzá e a tempestade a naufragar saveiros. Janaína busca um noivo. No assobio do vento, seu canto de sereia.
Meu compadre tinha mudado, não era mais o mesmo, nem com o saveiro tinha gosto de se ocupar. Ficava sentado aqui, na pompa da Ventania, calado, só abrindo a boca para me dizer: como é que ela foi morrer, compadre? Em tudo se dá jeito menos na morte, e eu pensando que um dia ia viver com ela!
O vento cessou de chofre e na calmaria os saveiros ficaram à deriva, perdido o rumo. No mar alto, Janaína com o noivo, núpcias fatais. A voz de mestre Gunzá cai no madeirame da barcaça:
- Foi quando sucedeu o caso do navio panamenho, um cargueiro grande. Entrou no porto para deixar no hospital seis tripulantes, todos atacados de raiva. Um cachorro de bordo adoecera e antes que pudessem acabar com ele mordera os seis. Para seguir viagem, o comandante recrutou gente daqui. Januário foi o primeiro a se engajar.
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