TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 244
De natural repousado e alegre, nem a viuvez nem a paixão recolhida conseguiram afectar o ânimo de Almério das Neves, prendê-lo em casa. Festeiro por demais apesar dos modos tranquilos, tinha sempre um convite a fazer quando aparecia, sólido e risonho, no Flor de Lotus.
Cordial por excelência, presente na vida popular da cidade, dava-se com meia Bahia. Certa noite, ao querer apresentá-lo ao pintor Jenner Augusto que viera ao cabaré para vê-la e contratá-la de modelo para um quadro, Tereza admirou-se: os seus dois amigos se conheciam, amigos entre si também, companheiros nas festas da Conceição da Praia e do Bonfim, no candomblé de Mãe Senhora e em carurus de Cosme e Damião.
Em vida de Natália, no mês de Setembro, o caruru de Almério reunia dezenas de convidados e durante a festa do Bonfim o padeiro se instalava por toda a semana numa das casas de romeiros, na Colina Sagrada, tome festa todos os dias.
Na sala dos milagres da Igreja do Bonfim encontra-se a fotografia da inauguração da nova panificadora, os empregados, os amigos, o padre Nélio, mãe senhora, Natália e Almério, prósperos e festivos. Entre os convidados, o pintor Jenner Augusto.
- Se esqueceu de mim, Almério? E o caruru? (comida do ritual do candomblé)
- Perdi minha adorada esposa, amigo Jenner, fatal desgosto. Antes de tirar o luto, não posso dar festa em casa.
Só então Jenner reparou na tarja preta na botoeira do paletó de linho branco do filho de Oxalá.
- Não soube, me desculpe. Aceite meus pêsames.
Olhou para Tereza, desconfiou haver ali gato escondido. O modesto comerciante, sempre risonho e descansado, a puxar a fumaça do charuto, assim como enfrenta o monopólio dos espanhóis sem se alterar, na maciota, era muito homem para tirar Tereza do Flor de Lótus e levá-la para casa. A moça aceitaria?
Aparentando jovialidade, vive emersa na tristeza, há na sua vida um marinheiro a navegar. Mas Almério é igual a mestre sapo: espera calado, o tempo trabalha a seu favor. Junto dele, Tereza sente-se segura.
7
O pintor a encontrara por acaso, algum tempo antes, nas imediações do Mercado, onde conversava com Camafeu de Oxóssi e mais dois indivíduos, ambos estranhos, extravagantes: um deles com melenas e bigodes enormes, o outro de olho redondo e paletó aberto atrás.
Camafeu, ao ver Tereza, veio-lhe falar, davam-se há tempos. Também o pintor se aproximou:
- Mas se é Tereza Batista! Por aqui?
Ficou a par do Flor de Lótus, onde ela fazia sala aos fregueses e apresentava o número de dança, aquele mesmo de Aracaju com umas fuleragens a mais. Apareceu no cabaré, primeiro sozinho, depois com um bando de boémios, artistas de pouco dinheiro e muita animação. Todos eles, é claro, candidatos a dormirem com ela por xodó e simpatia, no gratuites.
De nenhum ela aceitou cantata e cama e nem por isso se ofenderam.
Para alguns serviu de modelo, incorporando mais uma profissão de reles pagamento às tantas que exerceu.
Quem pousar os olhos na Iemenjá vermelha e azul de Mário Cravo (o bigodudo), madeira viva, poderosa humanidade, amante, esposa e mãe, hoje na posse de um amigo do escultor, pode facilmente reconhecer a face de Tereza e a longa cabeleira negra. Também a Oxum de Carybé (o outro sujeito, o dos olhos redondos, dono do invejado paletó aberto atrás), erguida na agência de um banco, nasceu de Tereza, basta reparar a bunda, a elegância e o dengue. E as mulatas de Genaro de Carvalho, quem as inspirou? Multiplicadas Terezas com gatos e flores, aquele ar de ausência, perdidas todas na distância do mar.
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