TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 248
Sabia dessa particularidade o bravo campeão dos explorados? Aliás, para elas tudo é mais caro e mais difícil, e todos acham justo, ninguém protesta. Nem o nobre defensor do povo. Não sabia? Pois fique sabendo.
E sabia ainda mais que despejo de puta não depende de acção judicial, basta a polícia decidir, ordem de um delegado, um comissário, um tira, faz-se a mudança. Não cabe à puta a escolha de onde morar e exercer.
Quando uma puta se despe e se deita para receber homem e conceder-lhe o supremo prazer da vida em troca de paga escassa, sabe o ilustre combatente da justiça social quantos estão comendo dessa paga? Do proprietário da casa ao sublocador, da caftina ao delegado, do gigolô ao tira, o governo e o lenocínio.
Puta não tem quem a defenda, ninguém por ela se levanta, os jornais não abrem colunas para descrever a miséria dos prostíbulos, assunto proibido. Puta só é notícia nas páginas de crimes, ladrona, arruaceira, drogada, mariposa do vício, presa e processada, acusada dos males do mundo, responsável pela perdição dos homens. A quem cabe a culpa de tudo de ruim quanto acontece universo afora? Pois às putas, sim senhor.
O indomável advogado das oprimidas por acaso tomou conhecimento da existência de milhões de mulheres que não pertencem a nenhuma classe, por todas elas repudiadas, postas à margem da luta e da vida, marcadas a ferro e fogo?
Sem carta de reivindicações, sem organização, sem carteira profissional, sem sindicato, sem programa, sem manifesto, sem bandeira, sem contar tempo de ofício, podres de doenças, sem médico de instituto nem cama em hospital, com fome e sede, sem direito a pensão alimentar, a aposentadoria, a férias, sem direito a filhos, sem direito a lar, sem direito a amor, apenas putas, nada mais? Sabe ou não sabe? Pois fique sabendo de uma vez.
Puta, enfim, é caso de polícia, xilindró e necrotério. Mas já imaginou o caridoso pai dos pobres se um dia as putas do mundo unidas decretassem greve geral, trancassem a flor e se recusassem a trabalhar? Já pensou o caos, o Dia de Juízo, o fim dos tempos?
O último dos últimos encontra quem por ele brade e lute, só as putas não. Sou o poeta Castro Alves, morto há cem anos, do túmulo me levanto, na Praça de meu nome e monumento, na Bahia, assumo a tribuna de onde clamei pelos escravos, no Teatro São João que o fogo consumiu, para conclamar as putas a dizer basta.
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A firma H. Sardinha & C.ª, investimentos, financiamentos, construções, locações, imóveis em geral, adquirira extensa área ao sopé da montanha, com vista para o golfo, beneficiando das vantagens oferecidas pelo governo às obras destinadas a incrementar o turismo.
No local dever ser levantado moderno, imponente conjunto arquitectónico: edifícios de apartamentos, hotéis, restaurantes, lojas, casa de diversão, supermercados, ar refrigerado, jardins tropicais, saunas, piscinas olímpicas, parques de estacionamento, enfim, quanto falta à cidade para o conforto dos moradores e o lazer dos visitantes.
Coloridos folhetos de propaganda convidam o povo a participar do gigantesco empreendimento, nele investindo, adquirindo quotas a serem pagas em vinte e quatro meses, plano ideal, benefícios garantidos, vantagens inúmeras. Seja você também proprietário do Parque Bahia de Todos Os Santos, a maior realização imobiliária do Nordeste. Faça turismo sem sair da Bahia: cada quotista terá direito a vinte dias de hospedagem por ano num dos hotéis do conjunto, pagando apenas cinquenta por cento do preço tabelado para os hóspedes.
Na parte mais baixa da área, na pequena e esconsa Ladeira do Bacalhau, ao lado de meia dúzia de casebres, mantinham-se de pé quatro ou cinco sobradões, remanescentes de solares antigos ao abandono há vários anos. Habitados por marginais, esconderijos de capitães de areia, de maconheiros. Para começo de conversa, a firma mandou derrubar os barracos, expulsar os moradores.
Examinando a área na companhia dos engenheiros o velho Hipólito Sardinha, o grande patrão, capaz de tirar leite de pedra, na opinião geral do mundo dos negócios, considerou longamente os sobradões.
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