sexta-feira, novembro 11, 2011

TEREZA


BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA





Episódio Nº 254



Será verdade a polícia ter expedido ordem de prisão contra um tal António de Castro Alves, poeta, ou seja, vagabundo, estudante, ou seja, perturbador da ordem, tendo percorrido a Barroquinha, a Ajuda, a zona inteira à procura do indiciado, estando o referido vate morto há cerca de cem anos, sendo monumento em praça pública?

Verdade ou apenas molecagem de jornalista gozador, na intenção de desmoralizar a polícia?

Ordem ditada pelo comissário Labão, alérgico a poetas, ridícula sem dúvida, mas não de todo improcedente. Em verdade, o tal rapaz pálido, de bigodes atrevidos e olhar candente, a surgir nas horas de refrega, visto a sobrevoar a passeata, quem poderia ser senão o poeta Castro Alves? Assim o descreveu Maria Petisco: “Uma aparição de luz em cima do povo, bonito por demais.” E, para concluir, ainda uma pergunta: passeata ou procissão de Santo Onofre, padroeira das putas?

Muita coisa por esclarecer, demasiadas. Sem falar na participação de Exu Tiriri e de Ogum Peixe Marinho, decisivas. Tudo foi confusão, desordem e anarquia no assunto do balaio fechado.

Greve do balaio fechado, eis como a imprensa intitulou o movimento. Devido a piedoso acto de abstinência das prostitutas, que não recebem homens a partir da meia-noite de Quinta-Feira Santa, quando “fecham o balaio”, para reabri-lo somente ao meio-dia de sábado, no romper da aleluia. Com esse devoto costume, escrupulosamente observado, comemoram na zona a Semana Santa.

No caso não se tratou de preceito religioso, detalhe, aliás, a carecer de importância pois a grande maioria dos marinheiros era constituída por crentes de diversas seitas protestantes.

16

O bacharel Hélio Cotias, o “gentleman da polícia”, na lapidar expressão do cronista Luluzinho (em certas rodas, a Devassa Lulu), não consegue esconder a irritação:

- Onde andavam os senhores, que diabo estavam fazendo?

Peixe Cação resmunga, o comissário Labão prefere guardar silêncio, fitando o delegado com aquele olhar aparentemente sem expressão, fixo e frio: bacharel de meia-tijela, filhinho de papai metido a sebo, um bosta. Não eleve a voz para mim não suporto. Se o fizer entorno o caldo e lhe respondo na tampa: não sou empregado de firma particular e até agora ninguém me disse quanto vou ganhar na transacção.

Os olhos do comissário, parados e baços, provocam calafrios. O delegado suaviza o tom de voz ao dar a ordem.

- Quero as mulheres aqui, agora mesmo. Todas, requisitem uma viatura da rádiopatrulha para trazê-las. Vamos ver se elas mudam ou não.

Retira-se o comissário em companhia de Peixe Cação, antes de chegar à porta começa a assobiar ostensivamente. O bacharel aperta os punhos: homem de sensibilidade à flor da pele, obrigado a conviver com marginais daquele tipo, sorte ingrata. Ah! Se não fossem as compensações.

A nomeação do bacharel Hélio Cotias para o cargo de delegado de Jogos e Costumes constituíra, segundo jornal amigo, prova evidente da decisão governamental de renovar os quadros da polícia civil com o aproveitamento de homens dignos, merecedores de confiança da população.

Bem nascido, melhor casado (com Cármen, née sardinha) naquela manhã tinha ouvido ao telefone belas e boas ditas pelo tio da esposa. Em hora imprópria, ainda curtindo no leito a ressaca da recepção da véspera – de escocês, o uísque do deputado só tinha o rótulo. Em troca, Bada, a esposa, era uma deusa, uma estatueta de Tanagra – assim a classificou e ela se derreteu.

Os dias a vire anunciavam-se róseos.

A voz depreciativa do velho deixara-o irritado, necessitando descarregar em alguém o mau humor. Tentara comunicar a Cármen sua opinião sobre o carácter do parente, mas ela saíra com quatro pedras na mão a defendê-lo: tio Hipólito, meu caro, é tabu.



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