TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 284
Dólares ameaçados pelas negregadas raparigas. O comissário põe os olhos funestos no atrevido, mas o zarolho não se intimida com facilidade. Vive acima do medo em sua nuvem de fumaça.
No arruinado Buick, rodando sem destino, o detective tivera luminosa ideia, porque não lhe ocorrera antes? Mandou tocar para a Ladeira do Bacalhau e num dos sobradões descarregou a maconha. Tendo sempre Camões nos calcanhares, pôs-se em contacto com os especialistas encarregados da venda do produto aos marinheiros. Dirijam-se para o Bacalhau e lá aguardem um aviso.
Assim a situação se esclareça, com o retorno da ordem e das raparigas, enviará um recado e eles partirão para a zona, a recolher dólares. Mantenham-se lúcidos, por favor. Depois do trabalho, a recompensa: além da comissão em dinheiro, a diamba. Tudo certo, apenas Camões a chatear, querendo receber.
- Desapareça da minha frente! – brada o comissário.
O maconheiro sente que não aguenta mais sem puxar uma fumaça. O que tem a fazer é voltar ao Bacalhau, tapear os caras lá plantados, retomar a mercadoria na calada, de mansinho, colocá-la no Buick, levá-la de volta. Antes, porém, precisa de uma tragada.
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Enquanto o comissário combina os detalhes da acção destinada a obrigar a abertura dos bordéis e a volta das meretrizes ao exercício da profissão – a operação Retorno Alegre ao Trabalho, nome lindo, só mesmo os inimigos da polícia podem botar defeito – inquietantes notícias circulam na cidade, nascidas quase todas das emissões radiofónicas.
O popularíssimo comentarista desportivo Nereu Werneck, em sua crónica vespertina, falto de assunto, após informar sobre os desportos praticados pelos marinheiros da esquadra americana, revelando encontrar-se num dos navios fundeados no porto um campeão de boxe, peso pena, descambou para o problema do balaio fechado.
Dramático, como se irradiasse a cobrança de um penalti: se os esforças da polícia resultarem infrutíferos, persistindo as marafonas em condenável atitude negativa no propósito de não colaborarem com as autoridades, se os marinheiros ficarem a ver navios – para usar a pitoresca expressão do comissário Labão Oliveira – que acontecerá?
Ah! Tudo pode acontecer! Habituado à transmissão de empolgantes partidas de futebol, Nereu Werneck , sugere, relata, argumenta. Incisivo, inquietante. O suspense é o segredo de uma boa emissão.
Aglomeração na área do meretrício sempre significou distúrbios muitas vezes sangrentos. Em se tratando de estrangeiros o perigo aumenta, sendo frequentes as rixas entre os hóspedes e os nacionais, degenerando em arruaças graves, em conflitos de imprevisíveis consequências. Citou quantidade de exemplos, recordou os dias da guerra.
Que sucederá, pergunta o popular desportista, quando os marinheiros desembarcados, no desespero de mulher, não encontrarem com quem satisfazer os instintos naturais? Regressarão conformados, aos navios, à solidão do mar? Ou, soltos na cidade, sairão buscando mulher ruas afora, desrespeitando as famílias, invadindo, quem sabe, residências? No passado aconteceu, certamente os ouvintes se recordam.
A pergunta ameaçadora permanece no ar, o medo abre caminho, fechaduras são trancadas, instala-se o pânico.
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