GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 18
Apontava, com o dedo estendido, magro e acusador, o peito do árabe aparecendo pela gola do camisão, bordada de pequenas flores vermelhas. Nacib baixou os olhos, viu as manchas de batom. Risoleta!... A velha Filomena e Dª Arminda viviam criticando sua vida de solteiro, lançando indirectas, planejando casamentos para ele.
- Mas, Filomena…
- Não tem mais nem meio mais, seu Nacib. Agora vou mesmo embora; Vicente me escreveu, vai se casar, tá precisando de mim. Já preparei meus teréns.
E logo na véspera do jantar da empresa de Ónibus Sul – Baiana, marcado para o dia seguinte, coisa de arromba, trinta talheres. A velha até parecia ter escolhido de propósito.
- Adeus seu Nacib. Deus lhe proteja e ajude a arrumar uma noiva direita que cuide de sua casa…
- Mas, mulher, são seis horas da manhã, o trem só sai às oito…
- Eu é que não confio em trem, bicho matreiro. Prefiro chegar com tempo…
- Deixe, pelo menos, eu lhe pagar…
Tudo aquilo lhe parecia um pesadelo idiota. Movia-se descalço pela sala, pisando no cimento frio, espirrou, rogou uma praga baixinho. E se ainda por cima se resfriasse… Peste de velha maluca…
Filomena estendia a mão ossuda, a ponta dos dedos.
- Até outra, seu Nacib. Quando for por Água Preta, apareça.
Nacib contou o dinheiro, juntou uma gratificação – apesar de tudo ela merecia – ajudou-a a segurar o baú, o embrulho pesado com os quadros dos santos – antes pendurados em profusão no pequeno quarto dos fundos – o guarda-chuva.
Pela janela entrava a manhã alegre, e com ela a brisa do mar, um canto de pássaro e um sol sem nuvens. Arriou os braços, desistiu de voltar para a cama. Dormiria na hora da sesta para estar em forma à noite; prometera à Risoleta voltar, Diabo de velha, transformara seu dia…
Foi para a janela, ficou vendo a empregada a afastar-se. O vento do mar o arrepiou. A casa da Ladeira de São Sebastião ficava quase em frente à barra. Pelo menos as chuvas haviam terminado. Tinham durado tanto que por pouco prejudicavam a safra; os frutos jovens do cacau poderiam apodrecer nas árvores se continuasse a chover. Já os coronéis demonstravam certa inquietação. Na janela da casa vizinha aparecera Dª Arminda; acenava com um lenço para a velha Filomena, eram íntimas.
- Bom dia, seu Nacib.
- A doida da Filomena… foi embora…
- Pois é… Uma coincidência, o senhor nem imagina. Ainda ontem eu disse a Chico, quando ele chegou ao bar: “Amanhã sia Filomena vai embora, o filho mandou uma carta chamando…”.
- Chico me falou, nem acreditei.
- Ela ficou até tarde esperando o senhor. Até, por coincidência, ficamos as duas conversando sentadas no batente de sua casa. Só que o senhor não apareceu… – Riu um risinho entre reprovador e compreensivo.
- Mas, Filomena…
- Não tem mais nem meio mais, seu Nacib. Agora vou mesmo embora; Vicente me escreveu, vai se casar, tá precisando de mim. Já preparei meus teréns.
E logo na véspera do jantar da empresa de Ónibus Sul – Baiana, marcado para o dia seguinte, coisa de arromba, trinta talheres. A velha até parecia ter escolhido de propósito.
- Adeus seu Nacib. Deus lhe proteja e ajude a arrumar uma noiva direita que cuide de sua casa…
- Mas, mulher, são seis horas da manhã, o trem só sai às oito…
- Eu é que não confio em trem, bicho matreiro. Prefiro chegar com tempo…
- Deixe, pelo menos, eu lhe pagar…
Tudo aquilo lhe parecia um pesadelo idiota. Movia-se descalço pela sala, pisando no cimento frio, espirrou, rogou uma praga baixinho. E se ainda por cima se resfriasse… Peste de velha maluca…
Filomena estendia a mão ossuda, a ponta dos dedos.
- Até outra, seu Nacib. Quando for por Água Preta, apareça.
Nacib contou o dinheiro, juntou uma gratificação – apesar de tudo ela merecia – ajudou-a a segurar o baú, o embrulho pesado com os quadros dos santos – antes pendurados em profusão no pequeno quarto dos fundos – o guarda-chuva.
Pela janela entrava a manhã alegre, e com ela a brisa do mar, um canto de pássaro e um sol sem nuvens. Arriou os braços, desistiu de voltar para a cama. Dormiria na hora da sesta para estar em forma à noite; prometera à Risoleta voltar, Diabo de velha, transformara seu dia…
Foi para a janela, ficou vendo a empregada a afastar-se. O vento do mar o arrepiou. A casa da Ladeira de São Sebastião ficava quase em frente à barra. Pelo menos as chuvas haviam terminado. Tinham durado tanto que por pouco prejudicavam a safra; os frutos jovens do cacau poderiam apodrecer nas árvores se continuasse a chover. Já os coronéis demonstravam certa inquietação. Na janela da casa vizinha aparecera Dª Arminda; acenava com um lenço para a velha Filomena, eram íntimas.
- Bom dia, seu Nacib.
- A doida da Filomena… foi embora…
- Pois é… Uma coincidência, o senhor nem imagina. Ainda ontem eu disse a Chico, quando ele chegou ao bar: “Amanhã sia Filomena vai embora, o filho mandou uma carta chamando…”.
- Chico me falou, nem acreditei.
- Ela ficou até tarde esperando o senhor. Até, por coincidência, ficamos as duas conversando sentadas no batente de sua casa. Só que o senhor não apareceu… – Riu um risinho entre reprovador e compreensivo.
(Sr. Nacib, o actor Armando Bógus, nascido em São Paulo, em 1930. Faleceu em 1993 com leucemia)
- Ocupado, Dª Arminda; muito trabalho…
- Ocupado, Dª Arminda; muito trabalho…
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