GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 43
O que não entendia era clube para rapazes e moças conversarem até altas horas, dançarem essas tais danças modernas, onde até mulheres casadas iam rodopiar em outros braços que não os de seus maridos, uma indecência!
Mulher é para viver dentro de casa, cuidando dos filhos e do lar. Moça solteira é para esperar marido, sabendo cozer, tocar piano, dirigir a cozinha. Não pudera impedir a fundação do clube, bem se esforçara. Esse Mundinho Falcão, vindo do Rio, escapava ao seu controle, não vinha visitá-lo nem consultá-lo, decidia por sua própria conta, ia fazendo o que bem entendia.
O coronel sentia obscuramente ser o exportador um inimigo, ainda lhe daria dor de cabeça. Na aparência mantinham óptimas relações. Quando se encontravam, o que sucedia raramente, trocavam palavras gentis, protestos de amizade, punham-se à disposição um do outro.
Mas esse tal Mundinho começava a meter o bico em todas as coisas, era cada vez maior o número de pessoas a cercá-lo, ele falava de Ilhéus, sua vida, seu progresso, como se aquilo fosse assunto seu, de sua alçada, como se tivesse alguma autoridade.
Era homem de família acostumado a mandar no Sul do país, seus irmãos tinham prestígio e dinheiro. Para ele era como se o coronel Ramiro não existisse. Não fora assim quando resolvera abrir a avenida na praia.
Aparecera de súbito na Intendência com as plantas, dono dos terrenos, os planos completos. Nacib lhe dava as notícias mais recentes, o coronel já tinha sabido do encalhe do Ita.
- Mundinho Falcão chegou nele. Disse que o caso da barra…
- Forasteiro… - atalhou o coronel. – Que diabo veio buscar a Ilhéus, onde não perdeu nada? – Era aquela voz dura do homem que tocara fogo em fazendas, invadira povoados, liquidara gente, sem piedade. Nacib estremeceu.
- Forasteiro…
Como se Ilhéus não fosse uma terra de forasteiros, de gente vinda de toda a parte. Mas era diferente. Os outros chegavam modestamente, curvavam-se logo à autoridade dos Bastos, queriam apenas ganhar dinheiro, estabelecer-se, entrar nas matas. Não se metiam a cuidar do “progresso da cidade e da região”, a decidir sobre as necessidades de Ilhéus.
Uns meses antes, o coronel Ramiro Bastos fora procurado por Clóvis Costa, dono de um semanário. Queria organizar uma sociedade para lançar um jornal diário.
Já tinha máquinas em vista, na Baía, precisava de capital. Dera-lhe longas explicações: um jornal diário significava um novo passo para o progresso de Ilhéus, seria o primeiro do interior do Estado. Pretendia o jornalista levantar dinheiro, entre os fazendeiros, seriam todos sócios do jornal, órgão ao serviço dos interesses da região cacaueira. A Ramiro Bastos a ideia não agradou. Defesa contra quem ou contra quê? Quem ameaçava Ilhéus? O Governo, por acaso? A oposição era coisa à toa, desprezível. Jornal diário parecia-lhe luxo supérfluo. Se precisasse dele para qualquer outra coisa, às ordens. Para jornal diário, não…
Clóvis saíra desanimado, queixara-se a Tonico Bastos, o outro filho do coronel, tabelião da cidade. Poderia obter um pouco de dinheiro com um outro fazendeiro. Mas a recusa de Ramiro significava a da maioria. Iriam perguntar-lhe quando ele lhes falasse:
- O coronel Ramiro quanto assinou?
O coronel não pensou mais no assunto. Essa coisa de jornal diário era um perigo. Bastava não satisfazer um dia um pedido de Clóvis e ter o jornal a fazendo oposição, metendo-se nos negócios municipais, esmiuçando, arrastando reputações na lama.
(Click na imagem do actor Paulo Gracindo, (1911/1995) o Coronel Ramiro Bastos)
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