segunda-feira, abril 16, 2012

GABRIELA

CRAVO
E
CANELA


Episódio Nº 75





Logo que os filhos chegaram à idade do colégio, transferiu a família para a Bahia, parava na casa da rapariga. Ali recebia os amigos, tratava de negócios, discutia política, estendido numa rede a pitar um cigarro de palha.

O próprio filho – quando nas férias dava um pulo a Ilhéus e à fazenda – ali o devia procurar. Homem de economizar vintém consigo próprio, era mão aberta com as raparigas, gostava de vê-las luxando, abria para elas conta nas lojas.

Antes de Glória, muitas outras se haviam sucedido, nas boas graças do coronel, em amigações que em geral duravam um certo tempo. Rapariga sua era trancada em casa, pouco saindo, solitária, sem direito a amizades, a visitas. “Um monstro de ciúmes” diziam dele.

- Não gosto de pagar mulher prós outros… - explicava o coronel quando lhe tocavam no assunto.

Quase sempre era a mulher que o abandonava, farta daquela vida de cativa, de escrava bem alimentada e bem vestida. Algumas iam parar nas casas de prostituição, outras voltavam para as roças, uma viajara para a Bahia, levada por um caixeiro-viajante.

Por vezes, no entanto, era o coronel que se fartava, precisava carne nova. Descobria, quase sempre na sua própria fazenda ou nos povoados, uma caboclinha simpática, mandava a anterior embora. Nesses casos, gratificava-a bem. Para uma delas que vivera com ele mais de três anos, montara uma quitanda na Rua do Sapo.

De quando em quando, ia lá visitá-la, sentava-se à conversa, interessava-se pelo andamento dos negócios. Sobre as raparigas do coronel Coriolano contavam-se múltiplas histórias.

A de certa Chiquinha, de extrema juventude e timidez, ficara como exemplo. Menina de dezasseis anos parecendo ter medo de tudo, franzina, os olhos meigos, saltando do rosto, fora descoberta e trazida pelo coronel de suas terras para uma casa de rua de canto.

Lá ele amarrava seu cavalo alazão ao vir à cidade. Andava o coronel pelos seus cinquenta anos e era ele próprio, tão tímido encabulado parecia Chiquinha, quem lhe comprava sapatos e cortes de fazenda, vidros de perfume. Ela mesmo, nas horas de completa intimidade, tratava-o respeitosamente de “senhor” e de “coronel”. Coriolano babava-se de contente.

Estudante em férias, Juca Viana descobriu Chiquinha num dia de procissão. Começou a rondar a casa na rua mal iluminada, amigos o avisaram do perigo: com rapariga de coronel Coriolano ninguém se metia, o coronel não era homem de meias conversas.

Juca Viana, segundanista de Direito, tirado a valente encolheu os ombros. Dissolveu-se a timidez de Chiquinha ante o atrevido bigode estudantil, as roupas elegantes, as promessas de amor. Começou por abrir a janela, quase sempre fechada quando o fazendeiro não estava. Abriu a porta uma noite, Juca fez-se parceiro do coronel no leito da rapariga. Sócio sem capital e sem obrigações, levando o melhor dos lucros num ardor de paixão que logo se fez conhecida e comentada na cidade inteira.

Ainda hoje a história em todos os seus detalhes é relembrada na Papelaria Modelo, nas conversas das solteironas, ante os tabuleiros de gamão. Juca Viana perdera o senso da prudência, entrava em plena luz do dia na casa de aluguel paga por Coriolano. A tímida Chiquinha transformou-se em atrevida amante, chegando ao cúmulo de sair à noite, de braço dado com Juca, para deitarem-se os dois na praia deserta, sob o luar. Duas crianças pareciam, ela com os seus dezasseis anos, ele com vinte incompletos, fugidos de um poema bucólico.



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