GABRIELA CRAVO E CANELA
Episódio Nº 82
Porque toda aquela fanfarronada de Nacib,
suas histórias terríveis da Síria, a mulher picadinha à faca, o amante capado à
navalha, era tudo da boca para fora.
Como poderia ele achar que mulher moça e
bonita pudesse merecer a morte por ter enganado homem velho e bruto, incapaz
certamente de um carinho, de uma palavra terna?
Essa terra de Ihéus, sua terra, estava
longe, realmente de ser civilizada. Falava-se muito em progresso, o dinheiro
corria solto, o cacau rasgava estradas, erguia povoados, mudava o aspecto da
cidade, mas conservavam-se os costumes antigos. aquele horror.
Nacib não tinha coragem de dizer tais
coisas em voz alta, só mesmo Mundinho Falcão se podia dar a esse atrevimento,
mas nessa hora melancólicas de sombras caindo, ele ia pensando, e uma tristeza
o invadia, sentia-se cansado.
Por essas e outras, ele, Nacib, não se
casava. Para não ser enganado, para não ter de matar, derramar o sangue alheio,
enfiar cinco tiros no peito de uma mulher. E bem gostaria de casar…Sentia falta
de um carinho, de ternura, um lar, casa cheia com uma presença feminina a
esperá-lo no meio da noite quando fechasse o bar.
Pensamento a persegui-lo de vez em
quando como agora no caminho do “mercado de escravos”. Não era homem para andar
atrás de noiva, não tinha sequer tempo, o dia inteiro no bar. Sua vida
sentimental reduzia-se aos xodós, mais ou menos longos, com raparigas
encontradas nos cabarés, mulheres ao mesmo tempo dele e de outros, aventuras
fáceis nas quais não cabia o amor.
Quando mais jovem, tivera duas ou três
namoradas. Mas, como então não podia pensar em casar-se, tudo não passara de
conversas sem consequências, bilhetinhos marcando encontros nos cinemas,
tímidos beijos trocados nas matines.
Hoje não lhe sobrava tempo para namoros,
o bar o ocupava o dia inteiro. Queria era ganhar dinheiro, prosperar para poder
comprar terras onde plantar cacau. Como todos os Ilheenses, Nacib sonhava com
roças de cacau, terras onde crescessem as árvores de frutos amarelos como ouro,
valendo ouro.
Talvez então pensasse em casamento. Por ora
contentava-se em botar olhos compridos nas belas senhoras que passavam na
praça, em Glória inacessível em sua janela, em descobrir novatas como Risoleta,
deitar-se com elas.
Sorriu ao recordar a sergipana da
véspera, seu olho um pouco vesgo, sua sabedoria na cama. Iria ou não vê-la
novamente naquela noite? Ela o esperaria certamente, no cabaré, mas ele estava
cansado e triste. Novamente pensou em Sinhàzinha: muitas vezes ficara parado em
frente do bar, vendo-a passar na praça, entrar na igreja. Os olhos cobiçando o
bem do fazendeiro, manchando a honra alheia com o pensamento, já que não podia
manchá-la com actos e desatinos.
Não sabia palavras bonitas como versos,
não tinha melenas ondeadas, não dançava o tango argentino no Clube Progresso.
Se o fizesse talvez fosse ele a estar estendido no meio do sangue, o peito
furado de balas, ao lado da mulher calçada de meias pretas.
Nacib marcha no crepúsculo, de vez em
quando responde a uma “boa tarde”, seu pensamento longe. O peito furado de
balas, os seios alvos da amante rasgados de balas. Via a cena, os dois
cadáveres lado a lado, nus, em meio de sangue, ela de meias pretas. Com ligas
talvez, ou sem ligas, como seria? Sem ligas parecia-lhe mais elegante, meias de
fina malha prendendo na carne branca sem ajuda de nada. Bonito! Bonito e
triste. Nacib suspira, já não enxerga o dentista Osmundo ao lado de Sinhàzinha.
Era o próprio Nacib que ele via, um tanto quanto mais magro e menos barrigudo,
estendido morto, assassinado ao lado da mulher. Uma beleza! O peito rasgado de
balas. Suspirou novamente.
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